05 Setembro 2019
A decisão do Papa Francisco de nomear treze novos cardeais, dos quais 10 poderão votar num próximo conclave, pegou de surpresa os analistas do Vaticano, mas talvez não deveria. Já vinham ocorrendo conversas sobre a realização de um consistório em novembro ou em fevereiro próximo. Porém, com muitos prelados vindos a Roma em outubro para o Sínodo da Amazônia, realizar um consistório juntamente com o evento não só é conveniente para muitos dos cardeais como também servirá para chamar atenção para este sínodo.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 04-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Este será o primeiro sínodo regional do pontificado de Francisco e lidará com muitas questões, mas nenhuma é maior do que o papel singular que a bacia amazônica tem na proteção do meio ambiente global, tema especialmente caro a este papa e seu antecessor. Aqueles católicos que ficaram chateados com algumas das coisas que Francisco disse e fez precisam reconhecer que, nesse assunto, ele está em plena sintonia com o trabalho realizado pelo Papa Bento XVI, que ficou conhecido como o “papa verde” em seu pontificado.
A outra razão é que Francisco está pondo 10 novos eleitores no Colégio, muito embora a composição atual seja de 118, só dois abaixo dos 120 membros tomados como sendo a norma. Talvez ele tenha acompanhado a luta contra o câncer da ministra da Suprema Corte americana Ruth Bader Ginsburg. Quando se está lidando com cardeais, assim como com os juízes da Suprema Corte, não se deve esperar muito para preencher um posto vacante. Além disso, quatro cardeais eleitores atingem a idade de 80 anos em outubro. Portanto, o número total deles será de 124 antes do fim do Sínodo.
Muitos analistas observaram que Francisco já nomeou 53% dos cardeais eleitores, e que ele já deixou definitivamente a sua marca no organismo que irá eleger o seu sucessor. Mas precisamos ter cautela na hora de tirar certas consequências com base nestes dados.
Por exemplo, o conclave que elegeu Francisco consistia de cardeais nomeados ou pelo Papa João Paulo II ou pelo Papa Bento XVI, no entanto a escolha por Francisco foi claramente uma escolha para mover-se em uma direção diferente. Coerência ideológica, eu diria, não está no topo das preocupações para a maioria dos cardeais eleitores em um conclave.
“Depois de um papa gordo, um papa magro”. Esse ditado italiano captura um truísmo em torno das eleições papais: os cardeais eleitores entendem que precisa haver um equilíbrio, que às vezes a Igreja precisa de uma liderança mais estridente e, em outras, uma liderança mais conciliadora. Ao longo de grande parte do papado moderno, o equilíbrio ficava entre diplomatas e pastores, muito embora aí as categorizações não sejam exatas: a maioria das pessoas irá considerar o Papa João XXIII um exemplo de pastor, mas ele passou a maior parte da sua carreira sendo diplomata.
A mudança mais significativa no Colégio Cardinalício que Francisco tem provocado não é tanto ideológica quanto o é em termos geográficos. Existem hoje menos cardeais da Europa ocidental e da América do Norte, e mais da África, Ásia e América Latina. Essa mudança não é do tipo direita versus esquerda, mas norte versus sul. E com essa mudança vem uma transformação no foco eclesiológico. Um bispo na América do Norte ou Europa gasta, com certeza, uma quantia considerável de tempo pensando como a Igreja pode trabalhar pastoralmente com os pobres. No sul global, trabalhar pastoralmente com os pobres é parte essencial de todas as tarefas.
Nos EUA, os guerreiros culturais na direita se focam na fidelidade à moralidade sexual tradicional. Os guerreiros culturais na esquerda se focam nos mesmos temas, embora chegando a conclusões contrárias. Mas se formos um cardeal da Indonésia, da Guatemala ou do Congo, restringir ou ampliar os direitos LGBTs não estará no topo das nossas pautas. Garantir que o rebanho não passe fome importa mais do que saber com quem as pessoas dormem na cama.
Quando o clero do sul global enfoca questões relacionadas à identidade sexual, eles tendem a ser mais conservadores, não menos. Os medos dos conservadores de que Francisco esteja pavimentando o caminho para derrubar os ensinamentos tradicionais da Igreja sobre a moralidade parecem equivocados.
Tampouco a diferença que Francisco está fazendo – em seu papado em geral, e em sua escolha dos novos cardeais, em particular – é apenas uma questão enfocar mais a pobreza e menos a moralidade sexual. Alguns membros do clero pensam que o problema que a Igreja enfrenta é um problema intelectual, que a evangelização realmente tem a ver com uma melhor apologética, que se a Igreja fizer um trabalho melhor na hora de explicar o seu magistério, as pessoas voltarão aos bancos das igrejas.
Francisco entende que o Evangelho pede testemunhos, mais do que explicação; que a evangelização é um trabalho de pastores, mais do que de professores; que a credibilidade se baseará na maneira como vivemos, não na forma como falamos. Dom Alvaro Ramazzini, de Huehuetenango, na Guatemala, foi feito cardeal. O bispo auxiliar de Los Angeles, Dom Robert Barron, não.
Esta lista dos novos cardeais une-se a uma longa linha de decisões feitas e textos escritos por este papa, onde todos sugerem que uma nova brisa está a soprar na Igreja Católica. As palavras de Isaías me vêm à mente, e não pela primeira vez neste pontificado: “Vejam que estou fazendo uma coisa nova, ela está brotando agora, e vocês não percebem?”
Se podemos dizer que os dois últimos pontificados esclareceram o ensinamento do Concílio Vaticano II, este pontificado tem esclarecido a missão do Vaticano II: propor novamente, às mulheres e aos homens do nosso tempo, a essência kerygmática do Evangelho: Jesus vem trazer a boa nova aos pobres e liberdade aos cativos.
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A lista dos novos cardeais de Francisco. Uma nova brisa no ar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU