29 Abril 2020
Em 2014, a reverenda Anna Woofenden mudou-se para Los Angeles para pôr em prática um experimento ousado: reinventar a igreja como uma comunidade ao ar livre centrada em um jardim. Enquanto igreja, a comunidade cultivaria alimentos, prepará-los-ia e os comeria juntos, além de dividi-los com a vizinhança.
O que acontece a seguir forma a história trazida em seu belo livro de memórias intitulado This Is God’s Table: Finding Church Beyond the Walls [Eis a mesa do Senhor: a igreja para além dos muros, em tradução livre], recentemente publicado. Comovente e cheio de ideias inovadoras, agora que a pandemia está desfazendo todas as formas de como tradicionalmente fazemos igreja, esta publicação apresenta-se profética.
Livro "This Is God’s Table: Finding Church Beyond the Walls"
A entrevista é de Jana Riess, publicada por Religion News Service, 22-04-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por que você fundou a Garden Church?
A Garden Church nasceu da minha fome e das minhas dúvidas de como nos reconectar com os nossos alimentos, com a Terra, com as pessoas e com Deus, ou com a nossa comunidade espiritual. Havia uma curiosidade sobre o que aconteceria se fizéssemos todas dessas quaro coisas no mesmo lugar. Então, começamos com um terreno baldio nos arredores de Los Angeles, onde criamos uma fazenda urbana e um santuário/refúgio ao ar livre, local onde as pessoas pudessem trabalhar juntas, adorar juntas e comer juntas.
Uma ideia ousada. Corri um risco grande. Não fazia ideia se a proposta funcionaria ou não. E muitos se perguntaram a mesma coisa.
O que foi preciso para captar recursos e achar um lugar?
Reunimos uma equipe de mais de 100 pessoas do mundo todo que se comprometeram em orar por nós, também com seminaristas que doavam 10 dólares a pessoas que doaram grandes quantias. Quando comecei, era só eu, mas também eram pessoas de todo o mundo que apostaram na ideia.
Quando cheguei, escutei muito e caminhei pelas ruas de San Pedro. Onde estão os terrenos baldios? Onde estão as pessoas com fome? Quais os dons e as necessidades desta comunidade? Foi nessa caminhada orante que encontramos um terreno baldio na Rua Seis, onde veio a ser a Garden Church.
Descreva como era o lugar.
Era um terreno estreito entre dois edifícios. Tinha uma cerca na parte de trás, feita de material paisagístico, e uma bela cerca verde de ferro forjado na frente que sempre ficava trancada. Às vezes, usavam o espaço para montar árvores de Natal, mas quase sempre estava vazio. Encontramos muitos pregos e cacos de vidro, dos muitos anos de lixo lançado ali. Posso também mencionar o dinossauro de 3 metros e meio, extravagantemente pintado, que encontramos, mas essa história levaria leva muito para contar…
Parece que foi um trabalho enorme. Com transformaram este lugar em uma igreja?
Tive que vir ao local diariamente. Conversei com as pessoas e fiz parceria com um agricultor local para que trabalhássemos juntos na construção de canteiros acima do solo e na plantação de todo tipo de mudas. Ou seja, tivemos de descobrir como fazer o culto no lado de fora, com o vento soprando sobre as tendas e com o barulho do tráfego e sirenes passando. Significou também preparar o coração para ver a imagem de Deus em todos os que passavam pelo portão, não importa quem fosse.
O que aconteceu?
Em 1º de maio de 2015, pegamos um grande toco de cedro, o colocamos no centro desse terreno baldio, ungimos com óleo e consagramos como a mesa do Senhor, onde todos são bem-vindos para alimentar e ser alimentados.
Em seguida, as pessoas começaram a ser atraídas à mesa do Senhor, a trabalhar no jardim e a cultivar alimentos juntos, a adorar com a terra sob os nossos pés e o céu sobre as nossas cabeças, participando da refeição da Sagrada Comunhão e, depois, dividindo, na grande refeição comunitária, o jantar que todos havíamos cultivado e cultivado juntos.
Então a partilha dos alimentos é uma parte importante da igreja.
Para mim, a Eucaristia ou Comunhão sempre foi central na compreensão do que significa ser igreja. Eu encontro um poder profundo ao dividir esse sacramento explícito e ver como ele expressa todo o nosso ato de nos alimentar. Há algo de sagrado nos alimentos que comemos, e nos reunimos ao redor de uma mesa para comer com os outros.
Os que tinham casas e cozinhas vinham colher na sexta-feira, depois cozinhavam e traziam a comida de volta no domingo. E os que não tinham cozinhas ajudavam a plantar as sementes de cenoura ou a regar os tomates. De alguma forma, todos participávamos, por isso era realmente uma refeição e uma experiência comunitária. E todos sentávamos juntos.
Para a metade das pessoas essa era a única oportunidade de elas terem uma refeição por dia. E muitos de nós, se não estivéssemos lá, teríamos ficado em nossos apartamentos sozinhos. Então, todos nos encontrávamos famintos por algo quando íamos nos reunir naquelas mesas.
Hoje, muitos falam de como ser igreja de uma forma diferente, sair das categorias tradicionais. O que aprendeu com esta experiência?
Penso que a Garden Church, as igrejas do movimento “dinner church” [1] e as várias formas de ser igreja que vemos surgir, giram todas em volta desta questão: O que significa ser fiel nesta geração?
Ao longo das gerações a igreja se transformou, por isso não se trata de ser novidade, legal ou diferente. Estamos sendo igreja. É mais uma questão de nos perguntarmos: atualmente, em que contexto estamos? De que temos fome? Quais as áreas em que precisamos nos reconectar? Como fazemos isso de uma maneira que seja fiel ao contexto atual e a esta geração atual?
A igreja tinha muitos jovens?
Éramos uma congregação multigeracional, mas a maior parte do núcleo era formada por membros da geração baby boomer, desencantados das experiências religiosas que haviam tido antes. Eles proporcionaram uma estabilidade ao grupo, o que representou um verdadeiro dom. Achei que teríamos um grupo muito mais jovem e eclético de millennials: queer, pessoas que se viram rejeitadas por outras igrejas. Elas estavam lá, envolveram-se definitivamente, mas não tanto quanto eu esperava.
Uma coisa que aprendi é que ninguém decide quem fará parte da igreja. O fazer igreja acontece juntos, com base em quem aparece e no que as pessoas necessitam.
Onde a sua igreja se liga com a preocupação maior que muitos têm com a espiritualidade e com a Terra?
Há todo um movimento no país inteiro e no mundo de igrejas que buscam ligar a agricultura com a teologia, o alimento com a fé. Fico feliz com tantas pessoas que têm buscado essas questões, com os grupos, com as ideias e recursos que estão surgindo.
Por exemplo, tenho colegas que fundaram a Farm Church, em Durham, na Carolina do Norte, e a Keep & Till, na zona rural de Maryland. A Paróquia Nurya Love fundou a Plainsong Farm, em Michigan¸ e também criou o sítio eletrônico Christian Food Movement [2], onde vemos centenas de grupos que trabalham nesta interseção entre o alimento e a fé. Tem também o podcast Food and Faith. [3]
Que conselhos dá aos que estão reinventando a igreja, hoje, por causa da pandemia?
Uma coisa que ficou claro para mim neste reinventar a igreja é que a igreja é flexível e pode persistir. Deus se dispõe a aparecer onde quer que estejamos e com quem quer que nos reunamos.
Portanto, embora ser igreja virtual durante esta pandemia está, de certa forma, o mais longe possível do modo de ser da Garden Church, pois não podemos nos encontrar e comer juntos, em outro sentido é exatamente a mesma coisa: Como reinventamos o encontro enquanto Corpo de Cristo neste contexto?
O que vejo é uma criatividade e uma ampliação do nosso pensamento sobre o que significa ser fiel uns com os outros, e um senso de que Deus está presente, independentemente de qual seja o nosso contexto.
[1] O movimento “dinner church”, literalmente igreja do banquete, considera o encontro para uma refeição como um culto. Conferir o artigo “Dinner church movement sets the table for food, faith and friendships”, disponível aqui.
[2] Christian Food Movement, disponível aqui.
[3] Food and Faith Podcast, disponível aqui.
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Se é para reinventar a igreja, então que a levemos para a rua - Instituto Humanitas Unisinos - IHU