11 Abril 2020
A crise do coronavírus pode ser um “momento magisterial católico”, mas a escola está atualmente sem aulas.
O comentário é de Robert Mickens, publicado em La Croix International, 09-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A pandemia do coronavírus subverteu totalmente as nossas vidas. E, para os cristãos, tem sido uma cruz e uma penitência quaresmal que não esperávamos. E certamente que nunca teríamos escolhido.
Isso ficou claro para mim há quase cinco semanas, quando a Itália decretou a primeira de uma série de medidas cada vez mais rigorosas para tentar conter a disseminação da Covid-19. O país inteiro entrou em confinamento forçado no dia 9 de março, e as reuniões públicas, incluindo os ritos da Igreja, foram consideradas inseguras. As missas públicas foram canceladas. Até mesmo no Vaticano. Essa foi uma enorme cruz jogada sobre as costas dos católicos praticantes. E nós caímos sob o seu peso.
Alguns tentaram sair de baixo dela e retomar a vida – especificamente a vida “litúrgica”, se é que se pode chamar assim – como era antes da pandemia. Bispos e padres, na maioria das vezes, continuaram “dizendo” sua missa diária sozinhos e instaram seu povo a acompanhá-los pela TV ou pela internet.
A resposta deles levanta sérias questões sobre a própria natureza da Eucaristia, da liturgia pública e da oração pessoal, como eu escrevi na semana passada. Aquela coluna provocou reações ardentes e apaixonadas. Uma pessoa me acusou de mau julgamento, embora não tenha dito por quê.
Outro disse que ficou “impactado” com a sugestão de que a missa virtual era análoga a um jantar virtual de Ação de Graças. Ele disse que era uma “analogia superficial” porque “Deus pode agir fora das nossas estruturas” (não há discussão quanto a isso). Além disso, a paróquia dessa pessoa recebeu “centenas de respostas dizendo como a missa transmitida ao vivo trouxe benefícios espirituais às pessoas”.
Ambos são presbíteros católicos, e eu suspeito que eles falam por muitos, muitos dos seus coirmãos ordenados. Mas certamente não por todos eles. Alguns outros padres e leigos disseram estar agradecidos pelas observações e críticas do artigo, porque gostariam de expressar sentimentos semelhantes, mas sentem que não são livres (especialmente os padres) para fazer isso sem enfrentar repercussões negativas.
De todo o modo, as questões que discutimos não desaparecerão depois que a pandemia passar e os cultos e as reuniões públicas forem possíveis novamente. Pelo contrário, a conversão apenas começou.
Publicamos inúmeros artigos no La Croix International nessas últimas semanas de colaboradores regulares e convidados – leigos e clérigos, homens e mulheres – que estão iniciando esse debate. E continuaremos a fazer isso.
Certamente, existem algumas lições claras e dolorosas que podem e precisam ser aprendidas com o atual confinamento litúrgico. Mas aqueles que a Igreja considera como os “autênticos mestres da fé” – os bispos – são apenas estudantes neste momento. Toda a comunidade católica foi subitamente matriculada em uma inédita “escola da cruz”, algo que nunca poderíamos imaginar. Quase todos, exceto os ordenados, tiveram negada a possibilidade de se reunir para a oração e para receber a Eucaristia.
E isso significa, é claro, que a missa televisionada ou transmitida ao vivo geralmente é uma performance clericalista e totalmente masculina. Pelo menos o Papa Francisco teve o bom senso pastoral de convidar uma religiosa para fazer as leituras na missa diária que ele celebra. Ele também garantiu que os leigos proclamassem as duas primeiras leituras na celebração eucarística do Domingo de Ramos.
Por outro lado, não havia uma mulher à vista durante a sua dramática súplica e bênção Urbi et Orbi há algumas semanas na Praça São Pedro.
As mulheres, em geral, parecem estar ausentes nas iniciativas que bispos e padres adotaram em resposta à proibição da liturgia pública. Isso deveria causar uma profunda preocupação e desencadear uma séria reflexão.
As mulheres foram as primeiras testemunhas da Ressurreição de Jesus. Elas foram as primeiras a proclamar que Ele havia ressuscitado dentre os mortos. No entanto, os homens continuam celebrando a comemoração da morte e da Ressurreição de Cristo todos os dias na missa, geralmente sem a presença de uma mulher.
A exclusão das mulheres de qualquer papel litúrgico importante – especialmente a proclamação da Palavra – é um problema que tem séculos de idade. Mas se tornou ainda mais óbvio durante o atual confinamento litúrgico. Essa pode ser uma das lições da crise que precisamos aprender. E os teólogos e os bispos da Igreja devem ser os primeiros estudantes.
Mas os sinais não são encorajadores. Na semana passada, a Sala de Imprensa da Santa Sé anunciou que o papa havia “decidido instituir uma nova Comissão de Estudo sobre o diaconato feminino”. Há sete homens (incluindo um cardeal-presidente e um padre-secretário) e cinco mulheres na comissão. Mas nenhum deles parece ter feito uma pesquisa significativa sobre o assunto. E vários têm um histórico de se oporem à ordenação das diáconas.
Sinistramente, a nova comissão de estudos foi anunciada naquela que costumava ser conhecida como a “Quarta-Feira do Espião” – o dia de semana antes da Páscoa quando Judas Iscariotes foi e traiu Jesus.
No entanto, nem tudo está perdido. Nós sabemos que, depois do sofrimento e da crucificação, veio a Ressurreição. Mas não há nenhuma ressurreição a uma nova vida sem antes morrer ao modo como se vivia antes.
Os cristãos do Ocidente estão celebrando a morte e a Ressurreição de Jesus nestes dias (e os do Oriente tradicional farão isso uma semana depois). Nossas celebrações da Páscoa geralmente significam o fim das nossas penitências quaresmais.
Mas será diferente neste ano. Nós podemos cantar “Aleluia!”. Mas a verdade é que a nossa penitência forçada e o jejum quaresmal continuarão até que possamos nos reunir, todos juntos, novamente para a Eucaristia.
Esta é uma cruz quaresmal que a Igreja não escolheu. E provavelmente é mais autêntica, existencialmente, do que qualquer outra Quaresma. Mas é a cruz que Deus nos deu. Quer a Igreja a abrace voluntariamente ou não, a cruz infligirá seu golpe mortal.
Somente aqueles que realmente não acreditam no poder da Ressurreição pensariam seriamente que a Igreja poderia permanecer exatamente como era antes da Covid-19.
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A Igreja precisa morrer antes de ressuscitar novamente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU