23 Abril 2020
"Em vez de comemorar o Dia Mundial da Terra em 22 de abril, deve ser uma oportunidade para refletir sobre o significado de dar um dia a um complexo sistema vivo, do qual fazemos parte como seres humanos, e que nos últimos séculos tentou-se fazer crer que estamos acima dele, seja através de um Deus poderoso ou de uma ciência objetiva", escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo e editor do Observatório Plurinacional de Águas no Chile, em artigo publicado por Alai, 21-04-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A respeito de uma nova celebração do Dia Mundial da Terra, este 22 de abril, torna-se chamativa a retórica de boa parte dos governantes no mundo, centrada em uma guerra declarada contra a covid-19, como se fosse um inimigo poderoso a vencer desde os diferentes Estados, em uma espécie de novo Leviatã Sanitário, o qual dedicou-se a instalar a ideia da aparição de um ser implacável e criminal que somente quer assassinar seres humanos.
Um discurso bélico contra esse novo vírus que não faz mais que reatualizar a guerra contra a Grande Mãe-Terra, iniciada há milhares de anos com a aparição do patriarcado, onde sua conquista foi o horizonte a seguir, dentro de um processo que se aprofundará com o tempo, até chegar a um momento atual onde as condições mínimas para a reprodução da vida se encontrem em perigo.
Em consequência, um processo histórico, o qual segundo distintas pesquisas arqueológicas, terá a Vênus de Willendorf, aparecida há 25 mil anos, como o ícone que melhor representa a Grande Mãe-Terra do período paleolítico, a qual não se perceberá como um ser onipotente, dominador e transcendente, como é representado o Deus criador pelas religiões patriarcais existentes.
Pelo contrário, as distintas Vênus serão um ser imanente, o qual se caracterizará por ser a engendradora da vida de um mundo nômade e conectada com os ciclos vitais. Daí que as grandes divindades tenham derivado dessa primeira Grande Mãe-Terra, levando diferentes nomes por distintos povos, como é a Pachamama, Gaia, Tiamet, Ishtar, Inanna, Astarte, Ñuque Mapu, Ixchel, Coaylicue, Nune, Maka Ina, Kokyang Wuthi, entre muitas outras denominações históricas.
No entanto, essas divindades situadas territorialmente estarão ameaçadas por um processo de masculinização da divindade, iniciado com a Revolução Neolítica, quando o aumento dos conflitos pelo controle da terra foi considerável, trazendo consigo muitos dos que perderam suas qualidades, fragmentadas e até vistas como seres de sofrimento e morte, para dar lugar ao aparecimento de deuses guerreiros fortes, corajosos e heroicos, onde o centro foi colocado na conquista e na superioridade de alguns sobre outros, como é o caso de Hórus, Marduk, Teshub, Zeus, Júpiter, entre outros.
Quanto à tríade das religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo), nada mais fez do que aprofundar o processo de conquista patriarcal da Grande Mãe-Terra, atingindo seu ponto mais alto com a colonização de Abya Yala, onde os conquistadores trouxeram uma concepção completamente negadora daquela divindade da vida histórica, que ainda estava viva em muitas cidades existentes, mas que para os conquistadores será uma mera cesta de recursos. É por isso que o Deus patriarcal e antropocêntrico trazido com os conquistadores, verá em seu entorno (humano e não humano) como seres selvagens que devem ser dominados.
Com o passar dos séculos, essa concepção naturalista do mundo de caráter ocidental prevalecerá em nível global, através da secularização de Deus, através da Ciência Moderna, de estilo racionalista e empirista, que será o melhor instrumento para impor a ideia de uma suposta civilização universal, que nada mais é do que uma civilização da morte que procurou erradicar outros mundos da vida, seja por meio de guerras ou simplesmente pela negação deles.
Portanto, processos eurocêntricos e antropocêntricos, como o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial fazem parte de um correlato linear da história, como tempo e espaço, onde a Grande Mãe-Terra não é outra coisa que um ser que deve ser conquistado e controlado. O filósofo inglês Francis Bacon, pai do empirismo, tornará explícito o moderno quando disser “que a ciência torture a Natureza, como o Santo Ofício da Inquisição fez com seus réus, a fim de revelar o último de seus segredos”.
Por tudo o que foi mencionado, em vez de comemorar o Dia Mundial da Terra em 22 de abril, deve ser uma oportunidade para refletir sobre o significado de dar um dia a um complexo sistema vivo, do qual fazemos parte como seres humanos, e que nos últimos séculos tentou-se fazer crer que estamos acima dele, seja através de um Deus poderoso ou de uma ciência objetiva.
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A conquista histórica da Grande Mãe-Terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU