18 Março 2020
Exausto, após 24 horas de serviço no hospital de Alcorcón (Madri), o “médico da emergência” Juan Manuel Parra relata um “plantão intenso”, no qual internaram cerca de 60 pacientes com suspeita da doença COVID-19. “Disseram que esse final de semana seria o pior, ainda que no meu parecer resta um fôlego”.
Este médico, que também se tornou conhecido por ser o primeiro a atender a enfermeira contagiada pelo Ebola, em 2015, sem poder usar uma roupa adequada, pede que sejam garantidos os meios humanos e materiais para que os hospitais de Madri, principal foco da Espanha, possam atenuar a pandemia.
A entrevista é de Raquel Ejerique, publicada por El Diario, 16-03-2020. A tradução é do Cepat.
Qual é a situação do hospital de Alcorcón, onde você trabalha? É preocupante?
É, imagino que igual a de todos os hospitais de Madri. Tivemos que reajustar todo o atendimento de urgência para transformá-lo e diagnosticar a Covid. Dos que chegam ao atendimento de emergência, 80% são por esse motivo. Desses pacientes, mais ou menos 20% acabam ficando e 2% vão para a UTI. No momento, temos um setor inteiro para pacientes com COVID, com opções para ampliar ainda mais a UTI para esses casos.
Tivemos que redistribuir os circuitos: um ágil para a avaliação, outro para pacientes isolados pelo vírus e outro para os mais doentes. Além disso, destinamos outra área para o restante da emergência, porque obviamente continuam existindo casos de infarto, apendicite ou de paciente com câncer que piora. Está se tentando realocar tudo: mudar, possibilitar consultas... Em resumo, prepara-se para um hospital de guerra, embora as camas sejam limitadas.
Diminuiu o número de pessoas que vão ao hospital por problemas menores?
Os cidadãos têm um nível de responsabilidade muito alto, e agora surgem aqueles que realmente precisam vir. Felizmente, a urgência não está sendo sobrecarregada com coisas que podem ser vistas no atendimento básico, essa pressão caiu.
Algumas semanas atrás, as autoridades de saúde de Madri denunciaram que faltavam materiais e roupas de proteção. A situação continua a mesma?
O material é limitado. Chegam os EPI (equipamentos de proteção individual) a conta-gotas e são necessários para a enfermaria, auxiliares, médicos, emergências ... Os equipamentos são roupas cirúrgicas e impermeáveis que duram no máximo um turno. As máscaras são descartadas e as luvas também. É necessário material e também mais pessoas, também na atenção básica e nas visitas domiciliares. De fato, existem pessoas do atendimento básico dedicadas apenas à COVID, para que o restante possa atender outros casos. É preciso o fornecimento de respiradores e já calcularam que serão necessários mais leitos na UTI.
Com a redução de cirurgias, conforme se previu, podemos usar mais recursos, embora a capacidade seja limitada, mas se é possível utilizar a saúde privada é uma boa opção, por exemplo, para enviar pacientes de outros tipos e que nos hospitais de referência sejam ampliadas as instalações para a Covid.
Qual é o clima nos atendimentos de emergência? Existe preocupação?
Estamos preocupados, logicamente, com o aumento, mas temos que ficar calmos e, enquanto houver conscientização cidadã e as coisas forem bem-feitas, faremos a contenção. Neste fim de semana, vinha um grande pico e esta semana dizem que será mais difícil, mas esperamos poder controlar. Toda a ajuda que vier, dos cidadãos, de auxiliadores e material, irá influenciar para que o impacto nos três pilares do sistema (atendimento básico, emergência e hospitalização) se vejam reforçados.
Anunciaram mais contratações e que os contratos de médicos residentes serão ampliados...
Bem-vindas todas as mãos que puderem vir. Isso sim, se transformarmos os médicos residentes em especialistas, será necessário fazer esse contrato, porque ampliar o contrato de residentes para tê-los como médicos adjuntos não é muito bonito, nem justo. O mais ético seria reconhecer o título deles, dizer: “precisamos de vocês, aqui, no pé do canhão”. E pagá-los em conformidade seria um reconhecimento.
Por seu trabalho em emergências, notou que a questão era mais grave, antes que as medidas fossem tomadas?
Não totalmente. Vimos Wuhan e o alto contágio, mas como algo mais ou menos distante. É verdade que foi feita uma comparação com a gripe e nós víamos que era muito mais intensa nos processos respiratórios. Quando chegou na Itália, já vimos que era provável que tivéssemos um problema aqui, porque a comunicação com a Itália é maior. E quando em Madri se tornou endêmica, já vimos que tínhamos que nos preparar.
Alguns médicos italianos denunciaram que precisam escolher entre quem vive e quem morre. Isso está acontecendo aqui?
Não. Seguimos o protocolo normal e se trata primeiro daquele que está mais grave, recebe maior dedicação. No caso dos moderados, é possível atrasar um pouco a atuação. Mas a escolha entre quem intubo ou não, aqui não está acontecendo.
Também não está sendo forçada a liberação de camas para aumentar a capacidade?
Não. Os internamentos que temos que fazer, fazemos. Isso é uma prioridade. É verdade que também priorizamos a opção ambulatorial, mas também porque há pessoas com a Covid no hospital e, assim, limita-se o risco de contágio. Se a situação dos pacientes permite, recomendamos um tratamento domiciliar.
Por fim, serão feitos testes no pessoal da saúde com sintomas. Demorou muito?
Foi um dos pedidos básicos de todos os sindicatos. Senhores, ou nos permitem testar o pessoal ou nos tornamos vetores de contágio. Se você é positivo, precisa saber e tomar medidas. Há riscos de sobrediagnóstico, mas também de subdiagnóstico, e no caso do pessoal da saúde era fundamental saber.
Escutou os aplausos dos cidadãos, nas sacadas?
Enviaram-me por vídeo, porque Alcorcón fica longe. No domingo, estava na área de observação, que é para pacientes mais graves, e não pude escutar ao vivo, mas é algo que agradecemos e que nos emociona muito.
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Espanha. “80% dos pacientes que vemos todos os dias na emergência são pela COVID-19”. Entrevista com o médico Juan Manuel Parra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU