16 Março 2020
Ninguém se salva sozinho. Minha salvação não depende apenas dos meus atos, mas também daqueles do outro. Mas não é sempre esse o caso? Realmente foi preciso esta lição traumática da Covid-19 para nos lembrar?
A pergunta é do psicanalista italiano Massimo Recalcati, professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado por La Repubblica, 13-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os nazistas nos ensinaram a liberdade, certa vez escreveu Jean Paul Sartre após a libertação da Europa do nazifascismo. Para realmente apreciar algo como a liberdade, seria necessário perdê-la e depois reconquistá-la? Mas não está acontecendo algo semelhante com a tremenda pandemia de coronavírus? Sua impiedosa lição desmonta de maneira altamente traumática a mais banal e compartilhada concepção de liberdade.
A liberdade não é, diferentemente de nossa crença ilusória, uma espécie de "propriedade", um atributo da nossa individualidade, do nosso Ego, não coincide de modo algum com a volubilidade dos nossos caprichos. Se assim fosse, todos nós estaríamos hoje despojados de nossa liberdade. Veríamos em nossas cidades desertas a mesma agonia à qual ela está entregue. Mas e se, ao contrário, a disseminação do vírus nos obrigasse a modificar nosso olhar, tentando compreender todos os limites dessa concepção "proprietária" da liberdade? É precisamente nesse ponto que a Covid-19 ensina algo tremendamente verdadeiro.
Esse vírus é uma figura sistêmica da globalização; não conhece fronteiras, estados, idiomas, soberania, infecta sem respeito pelos papéis ou hierarquias. Sua difusão é sem fronteiras, justamente pandêmica. Daí nasce a necessidade de construir fronteiras e barreiras protetoras. Mas não aquelas a que o soberanismo identitário nos acostumou, e sim como um gesto de solidariedade e fraternidade.
Se os nazistas nos ensinaram a ser livres subtraindo-nos a nossa liberdade e nos obrigando a reconquistá-la, o vírus nos ensina que a liberdade não pode ser vivida sem o senso da solidariedade e que a liberdade separada da solidariedade é puro arbítrio. Paradoxalmente, ensina isso nos prendendo nas nossas casas, forçando-nos a nos barricar, a não nos tocar, a nos isolar, nos confinando em espaços fechados. Dessa maneira, nos obriga a derrubar nossa ideia superficial de liberdade, mostrando-nos que não é uma propriedade do Ego, não exclui o vínculo, mas o supõe. A liberdade não é uma manifestação do poder do Ego, não é libertação do Outro, mas está sempre inscrita em um vínculo.
Não é essa a tremenda lição da Covid-19? Ninguém se salva sozinho; a minha salvação não depende apenas de meus atos, mas também daqueles do Outro. Mas não é sempre assim? Realmente era preciso essa lição traumática para nos lembrar? Se os nazistas nos ensinaram a liberdade nos privando dela, o coronavírus nos ensina o valor da solidariedade, expondo-nos à impotência inerme da nossa existência individual; ninguém pode existir como um Ego fechado sobre si mesmo, porque minha liberdade sem o Outro seria vã. O paradoxo é que esse ensinamento se dá precisamente através do ato necessário de nossa retirada do mundo e dos relacionamentos, de nosso trancar-se em casa. Trata-se, porém, de valorizar a natureza altamente civil e profundamente social, portanto, absolutamente solidária, desse aparente "isolamento" que, olhando melhor, não é tal. Não apenas porque o Outro está sempre presente também na forma de falta ou ausência, mas porque essa autorreclusão necessária é, para quem a cumpre, um ato de profunda solidariedade e não uma simples retirada fóbico-egoísta do mundo. Em primeiro plano aqui não é tanto o sacrifício de nossa liberdade, mas o exercício pleno da liberdade em sua forma mais elevada.
Ser livres na responsabilidade absoluta que toda liberdade comporta significa nunca esquecer as consequências das nossas ações. O ato que não leva em consideração suas consequências é um ato que não contempla responsabilidade, portanto, não é um ato profundamente livre. O ato radicalmente livre é o ato que sabe assumir com responsabilidade todas as suas consequências. Nesse caso, as consequências dos nossos atos afetam a nossa vida, a dos outros e a de todo o país. Dessa maneira, nosso bizarro isolamento nos conecta não apenas às pessoas com quem o compartilhamos materialmente, mas também a outros, outros estranhos e irmãos ao mesmo tempo.
A tremenda lição do vírus nos introduz forçadamente na estreita porta da irmandade sem a qual liberdade e igualdade seriam palavras vazias. Nesse isolamento estranho e surreal, estabelecemos uma conexão inédita com a vida do irmão desconhecido e com a mais ampla da polis. Dessa forma, somos realmente plenamente sociais, somos realmente plenamente livres.
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A nova fraternidade. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU