06 Novembro 2019
Neste breve dossiê, estão reunidas algumas reações no calor do momento, em âmbito de língua alemã, sobre o Sínodo para a Amazônia. As considerações que aqui propomos insistem principalmente na questão de se as conclusões do Sínodo podem ser aplicadas pastoralmente também à Europa e à Igreja universal, em particular as questões “quentes”, como a escassez de sacerdotes, os ministérios laicais, a ordenação de “viri probati” e o diaconato para as mulheres.
A edição é de Antonio Dall’Osto, a partir de reportagens de Tobias Fricke, Dagmer Peters e da agência KNA, publicada por Settimana News, 04-11-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Escolhemos quatro reações significativas, em que expressam as suas impressões o cardeal Jean-Claude Hollerich, presidente da Comissão Episcopal da União Europeia (Comece), a responsável pela Associação das Mulheres Alemães, Agnes Wuckelt, o cardeal Rainer M. Woelki, de Colônia, e, por fim, o teólogo pastoral Paul Zulehner, de Viena.
Cardeal Hollerich, a Amazônia é muito longe [da Europa]. O que o convite à conversão significa para a nossa Europa?
Eu acho que devemos mudar o nosso estilo de vida. Temos uma sociedade de consumo. Aqui entre nós o valor de uma pessoa é definido pelo seu desempenho econômico. Nesse ponto, devemos mudar o modo de pensar e nos converter. A Amazônia também é explorada por nós, porque queremos comer carne barata. Precisamos de um estilo de vida que permita e exija justiça – que, por assim dizer, possa proteger o ambiente. Isso exige uma conversão também na Europa.
O Sínodo recomenda os “viri probati” que deveriam remediar a falta de sacerdotes nas regiões remotas da Amazônia. A escassez de padres é um assunto que também envolverá cada vez mais a Alemanha e a Europa. Abriu-se a porta para os padres casados aqui entre nós também?
Acima de tudo, vale a recomendação do Sínodo. Isso significa que ela é válido para a região amazônica. O Sínodo não pensou na Europa e nos outros continentes, mas apenas na região da Amazônia. Naturalmente, pode ser que os bispos da Europa façam esses mesmos pedidos. Mas as conclusões não derivam automaticamente do Sínodo. A falta de sacerdotes na Amazônia é muito maior do que entre nós [na Europa]. Luxemburgo, por exemplo, não teria nenhum sacerdote se tivéssemos a mesma proporção. Em vez disso, ainda temos cerca de 100 deles – e já falamos de falta de padres.
No contexto, também estão em discussão novos ministérios de liderança laicais. É uma ideia para a Europa?
Eu certamente acho que sim. Nós apenas temos que ver que tudo se adapte. Aqui, fala-se de ministérios de liderança também porque, desse modo, a Igreja vive a partir de baixo. Isso significa que é a partir da vida da base que devem surgir novos ofícios que, depois, a Igreja pode definir. Em primeiro lugar, está a vida. Um bispo, aqui, agora, no seu escritório, não pode delinear novos ofícios ou uma liderança da diocese. Seria cair de novo nas estruturas, se as reformas fossem promovidas apenas através das formas estruturais. São realmente necessários novos ofícios ministeriais na base. Por exemplo, nós, em Luxemburgo, começamos a montar equipes para os funerais. Geralmente, é o sacerdote que celebra os funerais, mas uma equipe de leigos organiza o transporte fúnebre e também fala com as famílias. No futuro, se faltarem sacerdotes, serão esses leigos que assumirão o encargo dos funerais. Esses são novos serviços ministeriais. Mas, por assim dizer, devem crescer a partir da base.
O movimento “Maria 2.0” na Alemanha está comprometido com a promoção dos mesmos direitos das mulheres na Igreja Católica. Com o Sínodo para a Amazônia, esperava-se receber impulsos de esperança nesse sentido. Mas não há nenhuma decisão sobre o diaconato feminino. Por quê?
Isso não pode acontecer. A decisão sobre o diaconato feminino está reservada ao magistério. Há toda uma série de questões de natureza teológica, da Tradição e também históricas. Pessoalmente, sou muito aberto a esse respeito e não teria nada contra. Mas isso deve ser verificado. Trata-se de uma decisão que deve ser tomada no nível da Igreja universal. O que está claro é que o leitorado e o acolitado podem ser abertos às mulheres. As mulheres já exercem essas tarefas na prática, mesmo que o encargo oficial seja reservado apenas aos homens. Foi muito agradável que as mulheres também puderam falar claramente no Sínodo. Estou totalmente convencido de que é preciso oferecer mais espaço para as mulheres. Isso está muito claro. Mas como fazer isso será o objeto de discussão dos próximos anos.
Repensando no Sínodo, qual foi o momento que mais o impressionou?
Para mim, foi o discurso do papa. De fato, no encerramento do Sínodo, quando a votação já havia terminado e cada parágrafo tinha obtido a necessária maioria dos dois terços, o papa simplesmente falou com o coração. Foi uma longa reflexão, mas também manifestou uma grande proximidade a Cristo, à oração e a Deus. O papa não é um manager, mas sim um homem de Deus. E isso faz bem para a Igreja.
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Agnes Wuckelt é representante da Associação das Mulheres Católicas Alemãs (Katholische Frauengemeinschaft Deutschlands, KfD). Diante das hesitações do Sínodo, ela se pergunta: quanto tempo teremos que esperar ainda por certas decisões?
No Sínodo para a Amazônia, pediu-se repetidamente a admissão das mulheres ao diaconato. Mas a proposta não foi defendida explicitamente. Qual é a reação da Associação das Mulheres Católicas Alemãs?
Senhora Wuckelt, o Sínodo sobre a Amazônia do Vaticano concluiu-se com uma votação favorável à admissão dos sacerdotes casados em regiões remotas. Quanto à admissão das mulheres ao diaconato, o documento final afirma que a proposta foi solicitada repetidamente, mas não encontrou apoio entre os Padres sinodais. Ficou decepcionada?
É uma pena que os membros sinodais não puderam decidir expressar um voto claro a esse respeito. Acredito que, por trás disso, está o medo inveterado de admitir as mulheres no âmbito do sagrado. Isso também está ligado à imagem de Deus. Deus é pensado no masculino e também representado como um homem. Esse ainda é o critério decisivo sempre.
O que esperava do Sínodo sobre essa questão?
Um pequeno passo já foi dado no sentido de que a discussão sobre a admissão das mulheres a um serviço sacramental foi destacada na prática. Na Alemanha, nós não temos um contexto como o da Amazônia, mas isto ficou claro mais uma vez: as mulheres lideram a Igreja, as mulheres sustentam a Igreja, as mulheres dão à Igreja uma marca com a sua espiritualidade. No que diz respeito à legitimidade do diaconato da mulher, portanto, é preciso que se parta também do ponto de vista contemporâneo e não só com base na história, como foi o caso da comissão que o Papa Francisco havia convocado em 2016. Hoje, é preciso olhar a partir de outro ponto de vista.
É preciso continuar discutindo. Será necessário um grande fôlego?
Como sempre, isso nos deixa mais do que impacientes. Não se entende por que tudo o que foi recolhido até agora nos argumentos, tanto do ponto de vista histórico quanto da urgência pastoral – aqui, ainda em 1974, o Sínodo de Würzburg havia dirigido um pedido ao papa –, foi simplesmente ouvido, e, portanto, voltamos continuamente para um novo ponto de partida. Olhemos novamente para o problema, examinemo-lo novamente. Quanto tempo mais teremos que esperar?
Quais são as demandas do KfD para o futuro?
A admissão das mulheres em todos os serviços e ministérios da Igreja. Com isso, também nos referimos ao sacerdócio, embora, realisticamente, achamos que um primeiro passo poderia ser, muito em breve, o diaconato da mulher.
Quais foram os resultados do Sínodo que mais a alegraram?
Naturalmente, todas as ideias e os resultados referentes à proteção da criação, no sentido da Laudato si’. Lá também se encontra um traço da justiça referente ao gênero. É aquilo que nós também temos na nossa pauta há décadas e onde nos sentimos muito, muito próximos dos membros sinodais da região amazônica e também do papa.
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Com uma decisão magisterial do Papa João Paulo II em 1984 e uma interpretação vinculante da Congregação para a Doutrina da Fé em 1995, “o debate sobre o sacerdócio para as mulheres está definitivamente fechado”, declarou o arcebispo à revista Cicero (novembro de 2019). “Todo o resto são truques de mágica que alimentam uma esperança enganosa.”
Woelki dizia isso referindo-se a uma afirmação do presidente da Conferência Episcopal Alemã, o cardeal Reinhard Marx, que havia dito ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung que a declaração de João Paulo II não podia ser teologicamente ignorada, mas, se “isso foi decidido, a discussão não acabou”. Ele também disse isso ao Papa Francisco.
Na entrevista à Cicero, Woelki alertou contra uma perspectiva do impossível. “Isso produz frustrações e talvez até divisões.” A tarefa dos bispos é expor a doutrina da Igreja, também no diálogo programado sobre o futuro da Igreja na Alemanha.
O cardeal também reiterou as suas críticas ao “caminho sinodal” empreendido pela Igreja alemã. Sob a pressão do escândalo dos abusos – afirmou – os bispos alemães querem começar, no próximo Advento, um “caminho sinodal” para a renovação da Igreja, junto com o Comitê Central dos Católicos Alemães (ZdK).
O presidente do ZdK, Thomas Sternberg, pede, além da moral sexual e do estilo de vida sacerdotal, a divisão dos poderes e uma discussão aberta sobre a ordenação sacerdotal das mulheres.
Woelki reiterou as suas críticas ao “caminho sinodal” e aos estatutos recém-publicados pela Conferência Episcopal e pelo ZdK. Existe o perigo – disse – que, desse modo, seja instituído um parlamento protestante da Igreja, no qual todos os membros têm direitos iguais de voto.
Os bispos – continuou – certamente devem “estar próximos do povo, escutar o povo de Deus e se deixar aconselhar”, mas o poder decisório cabe aos bispos. “Com o caminho sinodal, há o risco de marginalizar o magistério e os bispos.”
O cardeal afirmou que se opõe à ideia segundo a qual a Igreja, dizendo não à ordenação das mulheres, rejeita a equiparação dos direitos. Assim como as Igrejas ortodoxas e orientais – enfatizou – a Igreja Católica também se sente vinculada à vontade de Jesus, que, durante a Última Ceia, instituiu a Eucaristia e o sacerdócio e os confiou a apóstolos homens.
No entanto, é preciso lembrar que, como bispo de Berlim, Woelki colocou algumas mulheres em cargos de responsabilidade na Igreja: atualmente na Arquidiocese de Colônia, as mulheres representam mais de 30% no setor administrativo da Igreja.
Com relação ao celibato, o cardeal enfatizou que se trata de “um importante estilo de vida simbólico” em uma sociedade sexualizada como a nossa. E que, mesmo nos tempos apostólicos, a forma de vida de Jesus era um critério de seguimento.
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O teólogo pastoral Paul Zulehner, de Viena, com um abaixo-assinado online, pretende iniciar as reformas da Igreja nos países de língua alemã. O Sínodo Amazônico – escreveu ele no seu blog – foi “um evento histórico para a Igreja universal” e pode “imprimir um impulso também às nossas Igrejas locais”.
Os destinatários da petição são os líderes da Igreja na área de língua alemã, que devem aproveitar o kairós pós-sinodal como um momento oportuno para apresentar ao papa propostas igualmente corajosas como ocorreu no texto final do Sínodo.
No abaixo-assinado, estão incluídos um compromisso com um estilo de vida sustentável e socialmente confiável, e um impulso para suprir a escassez de sacerdotes. Como na Amazônia, aqui também – escreve Zulehner, citando as palavras do papa – existem “comunidades vivas que têm ‘fome eucarística’ e, para saciá-la, a responsabilidade é confiada aos pastores”.
Os bispos dos países de língua alemã deveriam propor a Francisco que facilite o acesso ao sacerdócio por meio da ordenação diaconal. Pode-se pensar em pessoas “que seguem Jesus, têm experiência do Evangelho na orientação de comunidades e escolhidas pelas próprias comunidades”. Para garantir que as mulheres não sejam excluídas, os bispos são convidados a “apoiar o papa para que abra finalmente o acesso das mulheres ao diaconato”.
Zulehner, no seu convite a ordenar“personae probatae”, refere-se, entre outras coisas, a algumas considerações do bispo emérito austríaco do Xingu, no Brasil, Erwin Kräutler. E lembra aquilo que o então teólogo conciliar Joseph Ratzinger, mais tarde Papa Bento XVI (2005-2013), escreveu no seu livro “Fé e futuro” sobre esse assunto, em 1970: “A Igreja certamente também conhecerá novas formas de ministério e consagrará sacerdotes cristãos de experiência comprovada: em muitas comunidades menores ou nos grupos socialmente unidos, se responderá desse modo à pastoral normal. Mas o sacerdote atual em tempo integral continuará sendo indispensável”.
Zulehner, em outubro de 2017, havia lançado a campanha “Pro Papa Francesco” junto com o teólogo Tomáš Halík. Desde então, a iniciativa se transformou em uma rede de teólogos de todas as partes do mundo, a fim de apoiar o Papa Francisco no seu caminho reformador da Igreja. No fim de janeiro, uma lista de 75.000 nomes de apoiadores havia sido entregue ao papa, na forma de um fascículo encadernado.
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O Sínodo pan-amazônico visto da Europa: visões e opiniões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU