29 Outubro 2019
“As coisas não são as mesmas desde 1962. Desde que, com a encíclica Pacem in terris, aceitamos formalmente que o papel público da mulher é um ‘sinal dos tempos’ para a Igreja, todo o estudo do passado nunca poderá substituir a novidade dessa nova condição.”
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo italiano, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, publicado por Come Se Non, 27-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na experiência eclesial comum, muitas vezes se repete um lema espirituoso, daqueles que emergem a partir das amarguras do senso comum, segundo o qual, “se você quer fazer, faça, mas, se não quer, faça uma comissão”.
Deve-se dizer, porém, que a memória histórica rapidamente remedia esse desespero. De fato, a história nos diz que Pio X fez uma comissão, e, anos depois, dela surgiu o Codex Iuris Canonici saiu; Pio XII fez outra comissão, e dela surgiu a Reforma Litúrgica da Vigília Pascal e da Semana Santa.
Eis então que a Comissão sobre o Diaconato Feminino, já convocada e que, por enquanto, chegou a um impasse, mas que, há alguns dias, foi relançada pelo Sínodo para a Amazônia, pode ser uma premissa não de renúncia e de derrotismo, mas de profecia e de reforma.
Essas considerações iniciais derivam, obviamente, de dois textos muito recentes, com os quais a assembleia do Sínodo e o Papa Francisco se pronunciaram justamente há alguns dias, a propósito do tema.
Leiamos, acima de tudo, o texto aprovado pelos Padres sinodais, no número 103:
“En las múltiples consultas realizadas en el espacio amazónico, se reconoció y se recalcó el papel fundamental de las mujeres religiosas y laicas en la Iglesia de la Amazonía y sus comunidades, dados los múltiples servicios que ellas brindan. En un alto número de dichas consultas, se solicitó el diaconado permanente para la mujer. Por esta razón el tema estuvo también muy presente en el Sínodo. Ya en 2016, el Papa Francisco había creado una “Comisión de Estudio sobre el Diaconado de las Mujeres” que, como Comisión, llegó a un resultado parcial sobre cómo era la realidad del diaconado de las mujeres en los primeros siglos de la Iglesia y sus implicaciones hoy. Por lo tanto, nos gustaría compartir nuestras experiencias y reflexiones con la Comisión y esperamos sus resultados.”
[“Nas múltiplas consultas realizadas no espaço amazônico, reconheceu-se e reforçou-se o papel fundamental das mulheres religiosas e leigas na Igreja da Amazônia e em suas comunidades, dados os múltiplos serviços que elas prestam. Em um grande número de tais consultas, solicitou-se o diaconato permanente para a mulher. Por essa razão, o tema também esteve muito presente no Sínodo. Ainda em 2016, o Papa Francisco havia criado uma ‘Comissão de Estudo sobre o Diaconato das Mulheres’ que, como comissão, chegou a um resultado parcial sobre como era a realidade do diaconato das mulheres nos primeiros séculos da Igreja e suas implicações hoje. Portanto, gostaríamos de compartilhar nossas experiências e reflexões com a Comissão e esperamos os seus resultados.”]
O texto apresenta com precisão o “resultado parcial” de uma pesquisa, iniciada pela comissão instituída em 2016, a partir da qual identifica bem a tarefa de estudar “como era a realidade do diaconato das mulheres nos primeiros séculos da Igreja e suas implicações hoje”. Essa relação entre os primeiros séculos e as implicações atuais me parece extremamente relevante.
Ela desnuda, com muito equilíbrio, uma série de questões decisivas, que eu quero apresentar aqui brevemente, de modo ordenado:
A nomeação de uma comissão de estudo é um ponto decisivo da relação entre magistério e teologia. O magistério precisa da experiência dos teólogos, que, em uma comissão oficial, exercem um “magistério da cátedra magistral” em benefício do “magistério da cátedra pastoral”.
De fato, Tomás de Aquino distinguia entre magisterium cathedrae pastoralis e magisterium cathedrae magistralis, referindo o primeiro aos bispos e o segundo, aos teólogos. Isso significa que os teólogos e os historiadores, chamados a fazer parte da comissão, devem ser, ao mesmo tempo, pacientes e audazes. Eles têm a vantagem de não serem diretamente chamados a deliberar. Mas devem exercer plenamente essa autoridade limitada. Não devem simplesmente garantir o status quo, mas imaginar o futuro e integrar a tradição.
E aqui se abre a segunda questão.
Devem fazer parte da comissão tanto os historiadores quanto os sistemáticos. Porque a história é necessária, mas não é suficiente. Além da história, também é preciso uma “sistemática aberta”, que saiba pensar a tradição não só de acordo com o passado, mas também de acordo com o presente e o futuro.
Romano Guardini já dizia há 100 anos: “A história sempre nos diz o que foi. Mas o que deve ser só nos pode ser dito pela teologia sistemática”. Uma reflexão sobre o diaconato feminino não pode ser simplesmente histórica. Também deve assumir um ponto de vista sistemático, perguntando-se abertamente e com parrésia o que o presente e o futuro requerem.
Por fim, um terceiro ponto deve ser esclarecido. A nomeação e a composição da comissão cabem ao papa, como é óbvio. Seria bom que, ao contrário da comissão anterior, não se deixe a iniciativa a sujeitos pouco interessados no bom andamento dos trabalhos.
De fato, se, ao lado dos historiadores, dispõem-se sistemáticos desprovidos de imaginação e de paixão pelo futuro, atemorizados por toda a novidades e preocupados em garantir a imobilidade do sistema, será fácil que uma segunda comissão também se encontre diante daquele muro intransponível que ela mesma terá construído ao seu redor. Esperar que o passado diga aquilo que o presente e o futuro esperam é uma cômoda escapatória, que permanece sempre desprovida de qualquer efeito.
As palavras dos Padres sinodais que eu evoquei antes já foram respondidas indiretamente pelo Papa Francisco, ao afirmar, durante o discurso que encerrou a assembleia sinodal:
“Assumo o pedido de reconvocar a comissão [de estudo sobre o diaconato feminino] ou talvez de abri-la a novos membros para seguir estudando como o diaconato permanente existia na Igreja primitiva.”
Acho que agora tudo ficou mais claro: eu acho que a comissão não pode ser apenas histórica. A história pode nos falar da mulher de autoridade dos séculos V ou XI. Mas a autoridade da mulher mudou desde que o “papel público da mulher” se tornou um “sinal dos tempos” para a Igreja.
As coisas não são as mesmas desde 1962. Desde que, com a encíclica Pacem in terris, aceitamos formalmente que o papel público da mulher é um “sinal dos tempos” para a Igreja, com o qual a Igreja pode e deve aprender, todo o estudo do passado nunca poderá substituir a novidade dessa nova condição, inaugurada no século XIX e que se impôs há décadas, pelo menos em uma parte considerável do mundo.
Agora, para a comissão, trata-se de reconhecer essa novidade, aceitar a riqueza da autoridade pública feminina e admitir a mulher no ministério ordenado, no grau do diaconato. Essa comissão, então, será não o futuro de uma ilusão, mas sim a afirmação da tradição. De uma tradição que seja capaz de reconhecer não só a autoridade do passado, mas também a do presente e do futuro. Como sempre foi, quando a prudência do Espírito prevaleceu sobre o medo cego do inédito.
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A nova comissão sobre o diaconato feminino e o futuro de uma tradição. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU