28 Outubro 2019
Existe uma realidade que surge com toda a sua evidência neste Sínodo sobre a Amazônia, é uma mensagem que está incluída em um único verbo: reconhecer. O quê? Primeiro. isto: "Demos um passo, estamos aqui. Um passo que não tínhamos imaginado.
Esta é a primeira vez que não apenas as populações indígenas, mas as mulheres das populações indígenas têm voz em um plenário como este, aqui no Vaticano. E não estamos aqui para fazer figuração e pintar no ar, estamos aqui como mulheres, como filhas, mães, esposas com a nossa vida real, vivida 24 horas por dia em nossa terra, não apenas olhando, mas agindo. Estamos aqui com a dignidade da nossa vida real ameaçada que carregamos em nosso sangue e em nosso coração”.
A reportagem é de Stefania Falasca, publicada por Avvenire, 25-10-2019.
Anitalia Pijachi, de etnia okaina witoto, é uma das mulheres indígenas da Amazônia colombiana que tomou lugar ao lado de bispos, religiosos e leigos na assembleia e nos trabalhos desse processo sinodal. Processo que pela primeira vez vê a presença de 35 mulheres, entre as quais líderes de populações indígenas, especialistas, laicas e religiosas. E Anitalia, como as demais, fala com a mesma parrésia da coragem, própria daqueles que vêm daquela vida real, defendida em um contexto em que é constantemente e excessivamente ameaçada por violência, abuso, exploração, escravidão, tráfico. Além disso, a própria Amazônia, que dá vida ao mundo, é hoje, fora de qualquer metáfora, uma mulher violada. Este é "um passo que nos leva - afirma ainda a líder indígena - também a fazer um processo de reconciliação dos povos originais com a Igreja, de reconciliação com nossas memórias históricas". "Um caminho está se abrindo e o aspecto positivo não diz respeito apenas às mulheres indígenas que estão participando do Sínodo - destaca outra ouvinte que vem de Manaus, irmã Roselei Bertoldo – mas ao fato de reconhecer que o testemunho das mulheres tem marcado e marca o que está acontecendo durante os trabalhos. Somos realmente ouvidas e é interessante ver como justamente os principais problemas de destruição da vida e do meio ambiente são trazidos ao Sínodo através das palavras das mulheres”.
E o exemplo de uma escuta atenta dos testemunhos dessas mulheres foi dado pelo próprio Papa, como os participantes da assembleia sinodal observaram e relataram, fazendo despertar para aquela reciprocidade masculina-feminina uma assembleia de bispos, que sem a sua a presença provavelmente teria se questionado com menos coragem. Um exemplo demonstrativo para que essa atitude possa crescer e amadurecer como uma característica habitual dentro da Igreja. Também existe outro aspecto que se tornou evidente neste processo sinodal: que existe uma Igreja que não existiria sem as mulheres. Que é feita por aquelas muitas que na Amazônia realizam as coisas de Deus com coragem e mantêm a vida de tantas comunidades, de tantas aldeias ao longo dos rios e nas cidades. O que seria dessas comunidades sem elas? E não se trata de “suplências”, porque o futuro de uma Igreja que permanece e cresce passa pelo coração dessas mulheres. Os bispos e os sacerdotes daquela região estão cientes disso e reconhecem o papel central que as mulheres desempenham hoje na comunidade, na formação, na pastoral, nos movimentos sociais, na missão da Igreja Pan-Amazônica. Portanto, eles mesmos propõem que a inclusão de mulheres seja mais garantida para uma verdadeira conversão pastoral. Como observado pelos próprios bispos que participaram dos briefings diárias na Sala de imprensa do Vaticano. “Todos nós precisamos mudar nossa mentalidade para garantir que a participação das mulheres aconteça no plano da igualdade", disse, por exemplo, o bispo Ricardo Ernesto Centellas Guzman, presidente da conferência episcopal da Bolívia: "A presença da mulher na Igreja é majoritária, mas sua participação na organização no nível da tomada de decisões é muito escassa, quase invisível e, portanto, se não mudarmos nossas estruturas e nossa maneira de nos organizar, a situação não mudará. É preciso começar pelas coisas menores: não há necessidade de a Santa Sé nos dê indicações a respeito, é no nível das paróquias que devemos envolver cada vez mais as mulheres nos processos de tomada de decisão”. O bispo boliviano deu o exemplo de sua diocese, onde, ele disse: "tenho uma vigária pastoral e a maneira como ela chama para seguir o caminho pastoral é diferente da maneira como um homem poderia fazê-lo: ela não tenta se impor, convoca as pessoas para receber sugestões e isso permite à comunidade ser sujeito sinodal e de tomada de decisão. A maneira de perceber a vida, de enfrentar problemas, de fazer com que a Igreja caminhe em comunidade é uma abordagem completamente diferente". A autoridade de governo na Igreja é principalmente masculina, mas a ação pastoral da Igreja é marcadamente feminina, disse ainda o bispo: "Toda a sensibilidade aos dramas humanos, toda a participação da Igreja deriva mais da intuição feminina do que da autoridade de governo". Portanto, trata-se de reconhecer que a questão não é superficialmente de iguais oportunidades, porque não nasce da reivindicação de espaços, mas de uma riqueza a ser recuperada, aquela de uma Igreja-comunidade que investe a natureza hierárquica e de comunhão da Igreja. E que aquele da Ordem, reservado aos homens, não é o único sacramento a garantir a assistência do Espírito Santo em fase de escuta, de confronto e de decisão. Que é mais o batismo que forma um Corpo com membros diferentes, cuja possibilidade de movimento surge apenas de sua cooperação e da reciprocidade, como esse Sínodo especial está mostrando. "A contribuição profética das mulheres - escreve o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, em um texto que em breve será publicado pela Pontifícia Universidade de Ciências da Educação Auxililum - não pode deixar de tentar se inserir nas estruturas e instâncias. que decidem hoje sobre o destino das pessoas e o futuro da Igreja, mas não com a intencionalidade de assumir o poder segundo uma lógica mundana, mas com a intenção de promover um modo feminino, um olhar distinto sobre valores, relações humanas, prioridades que deveriam guiar o empenho e a missão sinodal da Igreja no mundo atual". Além disso, é o que espera a exortação Evangelii gaudium sobre a missão, onde é novamente o verbo “reconhecer” que indica a perspectiva de um envolvimento das mulheres na sinodalidade: “A Igreja reconhece a contribuição indispensável da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares que habitualmente são mais próprias das mulheres do que dos homens ... por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais". E a Exortação não deixa de mencionar também que o sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus usa no serviço de seu povo, mas que "a grande dignidade vem do batismo, que é acessível a todos". Portanto, "a configuração do sacerdote com Cristo Cabeça – isto é, como fonte principal da graça - não comporta uma exaltação que o coloque em cima dos demais”. Porque “na Igreja as funções não dão justificação à superioridade de uns sobre os outros. Com efeito, uma mulher, Maria, é mais importante do que os bispos".
Somente através desse reconhecimento pode passar uma Igreja com rosto amazônico. E esse sínodo com suas 35 mães sinodais mostra como pode caminhar uma Igreja que deseja se conformar ao Evangelho.
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O sinal deixado pela participação de 35 mães sinodais no trabalho da assembleia. Amazônia e papel feminino, o reconhecimento do Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU