12 Setembro 2019
"As consequências políticas que o Sínodo terá certamente tem a ver principalmente com a escuta dos povos amazônicos e, portanto, com 'fazer ouvir a sua voz' em níveis cada vez mais amplos e decisivos."
O diálogo é com o padre Roberto Jaramillo Bernal, jesuíta colombiano, presidente da Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina e Caribe (Cpal).
A reportagem é de Pierluigi Mele, publicada em Confini, 09-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que a comunidade internacional pode fazer para defender a Amazônia?
Há duas semanas, assistimos a um momento único de conscientização planetária sobre a importância da Amazônia: após 17 dias de incêndios, quando, na grande cidade de São Paulo, a tarde foi escurecida pela densidade da fumaça proveniente dos incêndios da Amazônia, o mundo inteiro começou a se assustar. E somente então, na segunda semana de agosto, a grande mídia e os governos começaram a se pronunciar. A ação eficaz exigiu muito mais tempo e, em alguns casos, sequer ocorreu. No entanto, após duas semanas de debates, acusações, fotos escandalosas e declarações de boa vontade, hoje as notícias que despertam preocupação no “espaço social” são outras.
Entretanto, a nova consciência planetária está cheia de esperança; mas a preocupação comum com a “casa em que vivemos” deveria ser não apenas promissora, mas também reparatória. E é aqui que eu acho que a comunidade internacional deve – ao contrário da manipulação efêmera das notícias (e não estou expressando um juízo moral) – trabalhar em duas tarefas fundamentais: em primeiro lugar, a pressão global dos cidadãos sobre os governos que têm responsabilidade direta no cuidado e na conservação das florestas tropicais do mundo, ou seja: a Amazônia, a bacia do Congo e as florestas da Ásia meridional e oriental.
E, quando eu digo “pressão”, não me refiro apenas aos governos desses países, mas também àqueles que exploram ou exploraram esses territórios e esses povos para o seu próprio benefício. Em segundo lugar, temos o desafio – que às vezes parece impossível – de gerar e desenvolver uma tarefa educativa através da qual os habitantes da terra assumam hábitos de consumo responsável em relação aos alimentos, à higiene, à indústria, à estética, à construção, ao transporte e aos mais variados campos. A tarefa parece estar apenas começando e tem muitos inimigos.
Sabemos que as irresponsáveis políticas do governo Bolsonaro sobre a Amazônia se baseiam em uma ideologia “extrativa”. Mas há também a perigosa ideologia “soberanista”, ou seja, “a Amazônia pertence ao Brasil”. É o que diz Bolsonaro. É assim?
Bolsonaro nada mais é do que a expressão de metade de um país que o elegeu presidente, como ocorreu em outros países poderosos: Estados Unidos, Israel, Índia, Rússia, China. O nacionalismo não é uma doença tropical ou brasileira, mas sim uma arma política para defender os interesses egoístas e mesquinhos, cada vez mais monopolizados em nível internacional. O problema desse debate sobre a internacionalização da Amazônia não é geográfico, mas sim político. Além disso, não é nem geopolítico, mas geoeconômico (e não só para o governo brasileiro): o que está sendo defendido não são os interesses nacionais, mas sim os econômicos das empresas! Esse é o motivo pelo qual é tão importante desenvolver aquela consciência universal em relação à “casa comum” e que se traduz em práticas concretas de consumo cada vez mais responsável (austero) e no exercício de uma cidadania universal que não devemos deixar que desapareça (pesquisa, debate, pressão, organização).
Além dessas ideologias, quais são as outras “estruturas de pecado” que estão devastando a Amazônia?
Devastar é uma palavra bastante pesada. Penso, na verdade, que a devastação das florestas tropicais do mundo – da Indonésia e da Malásia, das florestas do Congo à Pan-amazônia – é uma consequência direta da ganância de dinheiro e da ambição por lucros egoístas e desmedidos. Por trás dessa pulsão que vende como “natural” o sistema atual, existe um enorme, um tremendo vazio: e esse tremendum tem a ver com o espiritual e o religioso. Existem algumas “estruturas de pecado” (para continuar com a expressão da sua pergunta) que envenenam a cabeça e o coração de pessoas e grupos: famílias, corporações, empresas, partidos, nações, e que deixam a humanidade realmente cega: ela caminha rumo à própria destruição. Como Greta Thunberg repetiu nos seus discursos, os netos dos “Bolsonaros da vida” – por mais ricos que possam ser – não terão nem água pura, nem água potável, nem alimentos saudáveis. É isso que estamos deixando para a próxima geração.
Como a Igreja Católica se move para defender a Amazônia?
A Igreja também está acordando lentamente. Historicamente, não fomos um exemplo para ninguém: tanto os conquistadores quanto os colonizadores de ontem e de hoje foram principalmente o fruto do cristianismo: esse tipo de humanidade devastadora que, em 500 anos, pôs em risco o resultado de milhões de anos de evolução. No entanto, dentro desse cristianismo, existem muitas pessoas, e também pessoas da Igreja Católica, que começam a pensar e a agir pessoal e institucionalmente de uma nova maneira.
Por exemplo, a acolhida extraordinária que a encíclica Laudato si’ teve nos ambientes universitários da América Latina, especialmente entre as pessoas que não confessam ser fiéis praticantes, é um sinal claro de que a Igreja é capaz de escutar e de se sintonizar com os desejos mais profundos da humanidade: aqueles com os quais “o Espírito geme em seu íntimo, como nas dores de parto” (Rm 8, 22-23). As Igrejas da região amazônica têm uma sensibilidade espiritual especial que se revela como um dom para o corpo universal. E a sua maior contribuição é a afirmação, a defesa e a promoção de recursos humanos, éticos e espirituais que sustentam uma visão global, atenta e compassiva da criação.
Sabemos pela história que existe um vínculo profundo entre a Companhia de Jesus e a causa dos índios. Como se desenvolve concretamente a ação de promoção humana da Companhia em relação aos índios?
Na chamada Pan-amazônia, compartilhada por nove países da América do Sul, os jesuítas têm uma presença significativa para nós e para a Igreja, mesmo que pequena, no trabalho com as populações e as culturas nativas: na alta selva do Peru, nas planícies de Moxos na Bolívia, na Guiana inglesa ocidental, nas savanas do sul do Orinoco, na floresta tropical do Equador e de Leticia (Colômbia), até Belém do Pará (Brasil) e a foz da Amazônia.
São cerca de 45 jesuítas que trabalham em período integral. Uma prioridade apostólica é trabalhar e apoiar as iniciativas de organização e defesa cultural das muitas populações indígenas que habitam há séculos nesses lugares: tarefas pastorais e educativas, defesa e promoção dos direitos humanos individuais e coletivos, promoção das suas culturas, incluindo as suas visões políticas e religiosas, apoio à defesa dos seus territórios e projetos de vida, entre outros, são obras realizadas pelos Companheiros de Jesus junto com muitos outros religiosos e leigos com os quais colaboramos.
Insisto no fato de que é um trabalho significativo para nós, e talvez para as Igrejas locais, mas que, diante do imenso território humano e geográfico que temos pela frente, é muito pequeno: como o fermento no meio da massa. Estamos aprendendo junto com muitos outros que estão lá e que permaneceram durante séculos a serviço dos povos nativos da Amazônia.
O Papa Francisco, como sabemos, convocou o Sínodo sobre a Amazônia para outubro próximo. No Instrumentum laboris, muito denso e profundo, existe a proposta de promover uma “ecologia integral” na Amazônia. O que isso significa?
Talvez seja o conceito mais original que o Papa Francisco teve a graça de cunhar e de fazer circular na discussão teológica da humanidade de hoje. Não é fácil dizer tudo o que significa o conceito de “ecologia integral”, porque, em toda situação específica de discussão e análise, é necessário considerar variáveis ecológicas que, em outra situação, não seriam contempladas. Mas “integral” tem, além desse sentido de complexidade, outro sentido ainda mais carregado de força própria, e que o papa expressa quando diz: “Tudo está conectado com tudo”, tudo está interligado.
A ênfase não está mais nos elementos integráveis na em sua complexidade, mas sim no todo que os elementos constituem, o que, creio eu, é o que torna peculiar a discussão que o papa propõe. É um paradigma de conhecimento particular, muito diferente daquele que o genericamente chamado “mundo ocidental” produziu, cultivou e difundiu, e que demonstrou o seu fracasso nos resultados que ele diz que deseja: igualdade, fraternidade, liberdade. Um paradigma diferente, muito mais próximo do dos povos originais e da visão espiritual, mística, religiosa da realidade em seu conjunto e do ser humano nela.
O senhor acha que o Sínodo terá consequências políticas favoráveis para o povo da Amazônia?
As consequências políticas que o Sínodo terá certamente tem a ver principalmente com a escuta dos povos amazônicos e, portanto, com “fazer ouvir a sua voz” em níveis cada vez mais amplos e decisivos. E, em segundo lugar, com as dinâmicas da participação popular, eclesial, que já haviam sido geradas nesse período de preparação desde o anúncio do Sínodo em Puerto Maldonado, em 2018, assim como com aquelas que podem ser geradas e promovidas graças à conversão das Igrejas amazônicas, que dependem, em grande parte, dos bispos sinodais, nas Igrejas locais de verdadeira comunhão.
Trata-se de recuperar, valorizar e promover comunidades abertas e inclusivas, onde a pobreza pessoal e social é banida, e a responsabilidade e a partilha recíproca são reais, onde o evangelho de Jesus é uma fonte de inspiração não só para celebrar a missa de modo autóctone, fonte e ápice da vida eclesial, mas também para tornar a vida comum uma Eucaristia permanente, em que todos têm comida, terra, educação, saúde, “voz e tempo”, como costumam cantar no Brasil. E um clero que está verdadeiramente a serviço do povo de Deus, mais parecido com o filho muito pequeno da manjedoura do que com o Altíssimo da Glória. Nada mais político do que ver cada vez mais Igrejas mais fiéis ao Evangelho. O Sínodo promete alimentar esse processo, embora haja obstáculos e inimigos.
Novos caminhos pastorais são propostos para a Igreja na Amazônia. Por exemplo, uma parte do documento pode levar a uma nova visão dos ministérios. Em particular, o ministério ordenado. Os conservadores estão atacando esse ponto. O senhor acha que o Sínodo será capaz de resistir?
Uma coisa importante é saber, compreender e aceitar que se trata de um “sínodo especial” para a Amazônia, terceira modalidade de um sínodo, que não é a mesma de um “terceiro sínodo”, como alguns gostariam de vê-lo, de acordo com as suas conclusões. Pessoalmente, parece-me que é uma tentação, e que faz mal ao Sínodo fingir que ele fala “como que ex cathedra”, isto é: que os Padres sinodais convocados para discernir os novos caminhos que as Igrejas amazônicas reivindicam – ou que lhes esperam – dão lições para toda a Igreja (esperamos não ser contaminados por essa “ideologia”, a mídia certamente a forçará).
Especificamente, esse ponto sobre os ministérios necessários para a vida das Igrejas amazônicas deve ser colocado nessa perspectiva. Não acho que o Sínodo vai dizer ou pedir para implementar tudo o que não foi dito e reivindicado pelo Concílio Vaticano II, que afirmou com toda a autoridade da Igreja – em letras maiúsculas, TODA – a ministerialidade própria do povo de Deus, a centralidade e a urgência da comunhão eucarística na construção e realização da comunidade eclesial e a função clerical como um entre muitos outros serviços possíveis e necessários para a missão de todo o corpo eclesial. Muitos católicos não leram nem conheceram o último Concílio.
Última pergunta: o Papa Francisco está promovendo na Igreja uma virada no sinal da “Igreja em saída” e da sinodalidade. Sabemos que os inimigos de Francisco, que não são apenas eclesiásticos, estão fazendo todo o possível para limitar a força das suas reformas. O senhor acha que o caminho tomado por Francisco é irreversível?
A eleição do cardeal Bergoglio como papa foi uma surpresa absoluta para o Espírito, e vivemos isso nesses anos como um dom extraordinário, não só para a Igreja, mas também para o mundo inteiro. Apesar dos medos que possam surgir e até justificar uma simples análise sociológica da Igreja como instituição mundial, eu tenho uma convicção profunda – não apenas uma crença, mas sim uma confiança baseada na fé – de que é o Espírito Santo que nos guia, agora com Francisco à frente, e que, quando chegar a hora, ele continuará nos mostrando o caminho a seguir.
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“A devastação da Amazônia é uma consequência da ganância de dinheiro e da ambição desenfreada pelo lucro”. Entrevista com Roberto Jaramillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU