22 Novembro 2011
À pressão da indústria madeireira, acrescenta-se a das empresas que buscam ferro, ouro, bauxita, diamantes, petróleo.
A reportagem é de Antonio Cianciullo, publicada no jornal La Stampa, 21-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As feridas da floresta só podem ser vistas de cima. O Cessna de seis lugares que decola de Yaoundé, a capital do Camarões, leva duas horas e meia para sobrevoar a bacia do Congo até a reserva de Dzanga Sangha, a 50 quilômetros da fronteira, na República Centro-Africana. Nos mapas, esse espaço é marcado em verde, porque é considerado uma massa de vegetação compacta, uma sólida barreira entre as megalópoles em expansão e os desertos que avançam. Mas os mapas mentem.
Assim que o avião atinge uma altitude de 600-700 metros, aparecem as cicatrizes que cortam o compacto tecido das árvores. São pequenas estradas de aparência inócua, pistas de terra batida construídas para capturar algumas migalhas de um tesouro natural que parecia ser infinito. Ano após ano, no entanto, elas se multiplicaram para formar uma teia. Cada rota gerou grupos de casas e, ao redor das casas, ampliaram-se as clareiras onde a proteção úmida oferecida pelo manto verde deu espaço à garra árida do sol. Vislumbres que, de vez em quando, se dilatam: são serrarias que roubaram mais do que espaço, demandando instalações de produção elétrica, que, por sua vez, precisam de outras estradas para fazer passar os caminhões, os materiais, os operários.
"Esses operários muitas vezes se transformam em desesperados no ataque à floresta", explica Bryan Curran, antropólogo que trabalha na reserva de Dzanga Sangha. "No vilarejo aqui perto, em Bayanga, já são 4.000 pessoas: 80% vêm de fora. Foram chamados por uma empresa que tinha decidido abrir uma fábrica de processamento de madeira: em 2005, ela fechou, e eles se encontraram sem nada. O que você pensa que eles fizeram? Conseguiram uma arma e começaram a roubar a produção".
Uma pilha desses fuzis, instrumentos artesanais confiscados dos contrabandistas, encontra-se no depósito das ecoguardas, 42 pessoas chamadas a supervisionar 466 mil hectares de floresta. O resultado dessa missão impossível é evidenciado pela enorme pilha de presas apreendidas uma pequena parte do marfim voltado aos mercado clandestinos. Com os preços atuais, cada quilo vale mais do que um ano de trabalho nos campos. Uma atração que se torna fatal quando se adicionam aos desesperados os traficantes armados com kalashnikovs.
Metralhadoras contra facões, porque no Camarões os guardas florestais estão desarmados. "Para prender os contrabandistas temos uma única possibilidade: surpreendê-los enquanto descansam", conta Anourou Ousman, que, por 100 dólares por mês, põe a vida em risco todos os dias. "Nós os seguimos durante horas, sem que nos vejam, até que eles param. Assim que depõem as metralhadoras, temos à disposição alguns segundos: temos que detê-los antes que eles consigam pegar novamente as armas. Nem sempre dá certo. Um amigo meu morreu há dois meses: capturaram-no e o torturam".
E os perigos não estão ligados apenas ao contrabando, lembra David Hoyle, diretor do WWF Camarões. À pressão da indústria madeireira, acrescenta-se a das empresas que buscam ferro, ouro, bauxita, diamantes, petróleo. No mundo, a fome de matérias-primas aumenta, e, nesse jogo, inseriu-se a China, com um crescimento impressionante de investimentos. Depois, há os cultivos de óleo de palma: chegaram pedidos de um milhão de hectares, um milhão de hectares de floresta a serem raspados a zero.
Juntamente com as árvores, a cultura dos bayaka, os pigmeus que durante séculos viveram usando as plantas como despensa e farmácia, corre o risco de desaparecer. Entre as centenas de vegetais utilizados pelo povo das florestas, está o kokó, uma erva de vago sabor de feijão; os cipós que contêm uma água semelhante à destilada; o bossó, uma casca que é usada para curar as cáries; o mokata, um viagra natural.
Para eliminar essa enorme riqueza natural, basta pouco: alguns golpes de facão e uma meia hora de motosserra transformam em nada árvores seculares, fazendo aumentar a conta das emissões de gases do efeito estufa. O desmatamento é responsável por 13% dos gases que ameaçam a estabilidade climática, indica Riccardo Valentini, diretor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Tuscia, e a bacia do Congo perde, a cada ano, 700 mil hectares de área verde.
"Para salvar esse patrimônio da humanidade, estamos lançando, também na Itália, com a chegada de Yolanda Kakabadtse, ex-ministra do Ambiente do Equador, que tem lutado para incluir na constituição a defesa da natureza como medida de bem-estar, a campanha pela proteção do coração verde da África", anuncia Isabella Pratesi, responsável do WWF para a conservação. "A bacia do Congo é a Amazônia africana: com os seus 2 milhões de quilômetros quadrados, sete vezes o tamanho da Itália, ela é a segunda floresta tropical do mundo. Abriga 10 mil espécies vegetais, 400 espécies de mamíferos, 1.000 de aves, 1.300 espécies de borboletas e espécies-símbolo como o gorila, o leopardo, o chimpanzé, o elefante das florestas. Não podemos deixar que ela seja destruída por contrabandistas e por aqueles que querem arrancar da terra as últimas gotas de petróleo".
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O coração verde da África que corre o risco de desaparecer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU