06 Setembro 2019
“A Amazônia é dos povos que a habitam e cuidam dela porque necessitam dela para viver. Na floresta vivem dezenas de povos que, durante cinco séculos, foram massacrados pelo colonialismo e imperialismo, e que agora são explorados por multinacionais que se enriquecem destruindo para acumular capital, com base na desapropriação de povos originários, negros e camponeses”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por Naiz, 01-09-2019. A tradução é do Cepat.
Embora os incêndios na Amazônia tenham sido um tema exclusivo nas últimas semanas, muito pouco foi dito sobre a presença de povos originários, negros e camponeses nas regiões devastadas. A imagem que foi transmitida é que a preservação da floresta amazônica afeta toda a humanidade e que sua destruição se deve à incapacidade dos governos locais.
É verdade que o governo de Jair Bolsonaro promoveu o desmatamento, porque quer que a floresta se torne um espaço produtivo para o capital transnacional, com monoculturas e mineração a céu aberto. Mas, não é verdade, como se sugere falsamente, que a sobrevivência da humanidade esteja dependendo desse “pulmão do planeta”.
Os dados dizem que o dano causado pelos incêndios atuais é relativamente baixo se comparado aos que ocorreram nas três últimas décadas, o que não os justifica. A área desmatada caiu no Brasil de quase três milhões de hectares por ano (em 1995 e 2004) para 450.000 hectares (2012), destacando o esforço para reduzi-la sob a administração de Lula. Embora agora tenham aumentado, os números de desmatamento nesse país permanecem muito baixos em comparação aos anos de 1990 e 2000, de acordo com a série histórica.
Este ano, no entanto, os piores incêndios ocorreram na Bolívia, com mais de 800.000 hectares queimados, apesar de ter uma parcela muito menor da floresta, onde Evo Morales promulgou leis que aumentaram o desmatamento em 200%, devido à imperativa necessidade de aumentar a fronteira agrícola, pelas razões que explico abaixo.
Em julho passado, o governo boliviano emitiu o Decreto Supremo 3973, que autoriza os desmontes para aumentar a fronteira agrícola e as queimadas controladas. De sua parte, o Brasil lançou 262 agrotóxicos até esse momento do ano, que se somam aos 239 lançados em 2018. Desses, 31% não são permitidos na União Europeia.
O que está acontecendo com a Amazônia não se relaciona tanto aos governos (embora o de Bolsonaro seja deplorável), mas às grandes multinacionais. As consequências podem ser ainda piores, caso imponham sua vontade em aliança com os governos do Norte. Dos cinco países do mundo com maior desmatamento, três são sul-americanos: Brasil, Bolívia e Peru.
Primeiro. O cuidado da Amazônia deve permanecer nas mãos dos nove países que, com seus governos, compartilham a gestão da Amazônia. Corresponde às populações desses países tomar iniciativas para destitui-los, mudá-los ou eleger outros. Atualmente, existem 6.000 incêndios em Angola e 3.000 no Congo, frente a 2.000 no Brasil e um pouco menos na Bolívia. Contudo, o comportamento da mídia é completamente diferente, talvez porque a ocupação da Amazônia por "capacetes verdes" da ONU seja um objetivo fartamente apreciado pelas potências globais.
Um editorial do Le Monde, de 24 de agosto, pergunta: "Quem é o dono da Amazônia? Os nove países da América Latina cujos territórios se estendem nessa vasta floresta virgem? Do Brasil, que tem 60%? Ou é do planeta, cujo destino está ligado à saúde desta floresta?
Na sequência, este meio "progressista" exorta abertamente a União Europeia a pressionar com a ameaça de bloquear o acordo com o Mercosul, recentemente assinado. Também tem a desfaçatez de mencionar a defesa dos povos originários, que esse país nunca respeitou em seu período colonial, nem agora. A França conserva a Guiana, a única colônia que persiste na América do Sul.
Segundo. A Amazônia é dos povos que a habitam e cuidam dela porque necessitam dela para viver. Na floresta vivem dezenas de povos que, durante cinco séculos, foram massacrados pelo colonialismo e imperialismo, e que agora são explorados por multinacionais que se enriquecem destruindo para acumular capital, com base na desapropriação de povos originários, negros e camponeses.
Como recordou, semanas atrás, o líder Guarani Mbia David Guarani, denunciando o genocídio e a tentativa do Governo Bolsonaro de acabar com a demarcação de suas terras: “Os indígenas representam 5% da população mundial e protegem 82% da biodiversidade do mundo”.
Terceiro. Nenhum governo da América do Sul tem uma atitude de preservação da Amazônia. Em grande parte, porque na divisão internacional da produção e comércio tocou a nós, latino-americanos, ser produtores de commodities (minérios, soja, óleo de palma, carne, entre outros), que são vendidas para países do Norte e para a China, quase exclusivamente.
Um bom exemplo é o caso da Bolívia. Em 2015, o governo de Evo acordou com os grandes produtores do Oriente e, portanto, com as grandes multinacionais (Monsanto, Cargill e Bayern Syngenta), expandir a área de cultivo em 10 milhões de hectares até 2025, das 4,3 milhões que existem atualmente. Isso envolve uma taxa de desmatamento de um milhão de hectares por ano.
No meu modo de ver, foi um péssimo acordo. Mas, o governo precisava combater a queda nos preços de hidrocarbonetos e minerais e chegar a um acordo com a oligarquia de Santa Cruz (metade dela brasileira) para viabilizar seu governo, ameaçado por essa oligarquia, para que não lhe ocorresse o mesmo que se passou com a Venezuela.
Como é possível ver, as coisas não são simples. Defender a “salvação” da Amazônia pelo Norte do planeta não é o melhor caminho, pois ignora os povos e os países cuja soberania não pode e nem deve ser violada, com argumentos que usam a natureza como desculpa para praticar um novo colonialismo.
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Somente os povos que vivem na Amazônia podem salvá-la. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU