09 Julho 2019
Compartilhamos um texto inédito de um nicaraguense anônimo que toma a voz de muitos para denunciar a repressão do regime de Ortega.
São muitas as mães de presos políticos que ao analisar a conjuntura nacional, vão sabiamente ao problema central e dizem: “Quando este homem entenderá que já não o queremos”. Talvez falem assim por sua própria história pessoal. Sabem por experiência que Ortega, como muitos homens violentos, não aceitam que sua mulher tenha deixado de querê-los e decida abandoná-los.
“Minha ou de ninguém”, dizem esses homens machistas sobre suas mulheres. Ainda que os protestos multitudinários de 2018 e a firme resistência de 2019 tenham demonstrado a Ortega que o povo da Nicarágua já não o quer, ele não entende, rebate com balas e a retórica de que a Nicarágua é “sua ou de ninguém” e não para de reprimir...
A etapa das centenas de assassinatos já passou. Passou também a etapa das capturas e encarceramentos massivos. Porém cada dia se traz uma nova história de repressão que destrói vidas e famílias.
Os relatos são publicados por CPAL Social, 06-07-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
No norte do país, em Jinotega, Jeisy Lagos, trabalhou durante oito anos para a Polícia. Em 2015 saiu da instituição para dedicar mais tempo à sua família. Em abril de 2018, quando estourou a rebelião cívica, a chamaram de volta para que participasse da repressão à rebelião. Jeisy se negou. Convencida da justiça dos protestos, se uniu à luta cívica participando em mobilizações e na defesa de bloqueios e barricadas. Ao final de julho de 2018, Jeisy relatou “uns 40 policiais e uns 20 paramilitares armados rodearam a casa onde eu estava e me capturaram. Um me perguntou em tom de piada o que era melhor: 'que te coloquemos as algemas ou tu as coloca'. E eu lhes disse: se a causa é justa, é bom que me ponha as algemas. E igual, essa causa é justa, é bom que me coloquem. Me prenda, porque esta causa é justa”. Jeisy foi presa e torturada, primeiro nos calabouços policiais de Jinotega e depois na prisão de mulheres de Manágua. Esteve presa até 20 de maio de 2019, quando foi solta no programa de “libertações” da ditadura. Porém, de volta a Jinotega, as ameaças contra ela foram tantas, que em menos de um mês, em 18 de junho se viu forçada a sair do país. “A ordem é desaparecer contigo”, advertiu uma fonte confiável a Jeisy.
Hoje são 80 mil nicaraguenses na Costa Rica, forçados ao exílio por ameaças similares.
Um desses nicaraguenses era Diomedes Reyes, de 21 anos. Fugiu à Costa Rica ao final de 2018 porque estava sendo perseguido por paramilitares por ter participado dos protestos e das marchas campesinas contra Ortega, em Quilalí, na zona de Nueva Segovia.
No país vizinho, Diomedes escutou que o governo dava segurança a quem voltava. E decidiu regressar à sua terra. “Em 27 de maio, chegaram várias camionetas com polícias e paramilitares, às 8h da noite, e assaltaram a casa do meu sobrinho com golpes e o levaram sem sabermos para onde, porque não nos disseram. Eu digo, a todos os que já foram, que não voltem, porque esses malditos vão lhes matar ou sequestrar”, relatou Elias, tio de Diomedes.
Essa é a realidade. Os papeis dizem outra coisa. Dizem que o “programa de reconciliação” da ditadura garante a “libertação” de todos os presos políticos e o “retorno seguro” de todos os exilados. Porém nenhum preso solto se sente livre, porque as ameaças e o assédio a seus lares e a suas famílias são contínuas. E nenhum exilado quer regressar... e se regressar os paramilitares o esperam.
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Nicarágua. A repressão continua: relato de dois casos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU