24 Junho 2019
"A crítica de Francisco ao proselitismo é teológica e interna à Igreja Católica ou é algo que os católicos querem impor às outras religiões, a ponto de se aliar a regimes não democráticos que limitam o proselitismo por lei? Se a resposta fosse positiva, não existe o risco de que a crítica ao proselitismo acabe por impedir ou limitar a poucos interlocutores que no mundo das religiões hoje não são nem mesmo os mais importantes, justamente aquele diálogo que em tese gostaria de promover?".
O questionamento é do filósofo, escritor e sociólogo italiano Massimo Introvigne, fundador e diretor do Centro de Estudos sobre as Novas Religiões (Cesnur), uma rede internacional de estudiosos dos novos movimentos religiosos, em artigo publicado por Il Mattino, 23-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O discurso de 21 de junho do Papa Francisco na Faculdade de Teologia de Posillipo será lembrado como uma das passagens históricas de seu pontificado. Mesmo para seu sucessor, seja ele quem for e quando vier, ignorar o discurso de Posillipo será difícil. Poderá assumi-lo ou corrigi-lo. Mas não pode desconsiderá-lo.
O risco, ao ler o discurso, é passar ao lado do essencial. Aqueles que leem o Papa Francisco, agora de maneira francamente enfastiada, sempre e somente pela ótica da política italiana, dirão que o Pontífice também mobilizou a teologia contra Salvini, convidando os teólogos a repensarem sua apresentação da fé, colocando o acolhimento em primeiro lugar e atenuando as aversões preconcebidas contra os muçulmanos. Certamente esses temas estão aí, mas o Papa os repete toda semana e não seriam notícia.
Todos sabem que Francisco não modificou a doutrina da Igreja em questões como o aborto - quando fala a respeito, ele se expressa de maneira muito dura, comparando os abortos a assassinatos encomendados a um sicário - mas não acredita, a diferença de seu predecessor Bento XVI, que a vida e a família devam ter precedência no anúncio cotidiano em relação à solidariedade e ao acolhimento, ou que a Igreja deva se envolver em "guerras culturais". Mas isto é bem conhecido, e Posillipo - onde num discurso muito longo que cobre toda a teologia, a palavra "família" aparece apenas uma vez e referida à grande "família humana" da qual todos somos parte - não teria nos trazido nada de novo.
Devido às prioridades modificadas, Francisco não agrada aos chamados "tradicionalistas". Mas, uma vez que, em substância, a doutrina não muda, também é criticado pelos "progressistas", segundo os quais a reforma de Francisco seria puramente cosmética. Estes últimos agora ficaram desnorteados pelo discurso de Posillipo, que inova em algo que para uma religião é muito mais radical do que as prioridades políticas e a própria moral sexual: as pretensões da verdade das diferentes religiões e sua coexistência.
Já no passado, o Papa havia criticado o "proselitismo". Seus críticos conservadores tinham entendido, escandalizados, que Francisco quisesse pôr fim a qualquer atividade missionária da Igreja. Eles demonstraram uma considerável ignorância, pois já Paulo VI e Bento XVI tinham enfatizado a diferença entre missão - que anuncia a fé no respeito pelo outro e pela sua religião, sem demonizá-la e sem tentar convertê-lo a todo custo - e proselitismo, que pretende converter agredindo a fé alheia e liquidando-a como simples heresia ou mentira, se não como obra do demônio.
Em Posillipo, no entanto, o papa foi além. Ele definiu o proselitismo não apenas um erro, mas uma "peste", que é a pior das doenças. Ele reivindicou com ênfase o documento assinado com os muçulmanos em Abu Dhabi, que afirma que a presença de tantas religiões diferentes na Terra é desejada por Deus. A Sala de Imprensa, ou a Cúria em Roma, tinham depois corrigido "desejada" por "permitida", o que é certamente importante no plano primorosamente doutrinário, mas parece fazer parte para o Papa daquelas "sutilezas doutrinárias" das quais Francisco pouco se preocupa e das quais de bom grado faz graça. Também fez isso em Posillipo, falando mal daquele tipo de "apologética" para a qual "o catolicismo está sempre certo".
Trata-se agora de compreender a profundidade da virada e também seus problemas. Dizer que o catolicismo não está "sempre certo" significa dizer que às vezes está errado, e outros podem estar certos. Significa posicionar a Igreja Católica entre as religiões, poucas na verdade, dispostas a admitir que na imensa pluralidade das crenças e dos credos existem riquezas - e pessoas que "estão corretas" - mesmo fora do nosso círculo. A ferramenta de trabalho preparada para o próximo Sínodo sobre a Amazônia, não por acaso extremamente criticado pelos "tradicionalistas", vai na mesma direção, afirmando que existem - certamente junto com aspectos menos recomendáveis - riquezas que perdemos e com as quais podemos aprender também nas espiritualidades dos indígenas amazônicos, evidentemente muito distantes do cristianismo.
Os historiadores da teologia poderão encontrar pródromos de tais posições nos documentos do Vaticano II, mas não poderão negar que estamos diante de uma inovação e de acentos muito diferentes daqueles de Bento XVI. Isso abre pelo menos dois problemas, o primeiro abordado no discurso de Nápoles e o segundo não.
Primeiro, Francisco calcula que depois de Posillipo crescerão as acusações de "heresia" por parte dos "tradicionalistas", incluindo alguns cardeais e bispos, que dirão que ele negou a "Tradição". A estes, o Papa responde antecipadamente que a verdadeira Tradição católica "não é um museu", é uma "tradição viva" que, no final, na Igreja cabe ao Pontífice Romano definir para o nosso tempo, "revisitando-a" para distinguir o que é essencial do que, embora apresentado como tradicional, na realidade "foi infiel" ao Evangelho e pode, ou talvez deve, ser não apenas criticado, mas contradito e subvertido.
Para aqueles que o acusam "mas você está mudando os ensinamentos tradicionais", Francisco de Posillipo responde: "Sim, eu sou o Papa e posso e devo fazê-lo".
Em segundo lugar - e aqui a resposta ainda deve ser elaborada – abre-se uma temporada de coexistência não fácil entre o diálogo e a condenação do proselitismo. A Igreja renuncia ao proselitismo: é seu direito e, segundo Francisco, seu dever. Mas com quem, exatamente, quer conversar? O Papa não pode deixar de saber que - excluindo a ala mais liberal do protestantismo e do judaísmo e algum intelectual de outras religiões bastante isolado - a maioria das religiões mundiais pratica o que ele chama de proselitismo. Além disso, as religiões "proselitistas" estão crescendo e aquelas não "proselitistas" continuam a perder membros. Se a Igreja Católica quer dialogar apenas com aqueles que não fazem proselitismo, corre o risco de excluir do diálogo a maioria das pessoas que no mundo se dizem crentes. Parece que essa não seja a posição de Francisco: ele foi o primeiro Pontífice a visitar uma Igreja pentecostal, em Caserta em 2014, e a receber no Vaticano, em março passado, o "presidente, profeta e revelador" da Igreja Mórmon. Quando um sociólogo pensa no proselitismo, pensa primeiro nos mórmons e pentecostais, mesmo que não apenas neles.
Aqueles que fazem proselitismo pedem primeiramente liberdade religiosa, e quando falam com a Igreja Católica, pedem para serem apoiados nas batalhas contra regimes que proíbem o proselitismo por lei, em primeiro lugar a Rússia e a China. Defendendo o controverso acordo com a China, historiadores, teólogos e jornalistas muito próximos do Papa Francisco escreveram que o modelo da liberdade religiosa é ocidental, não universal, e deve ser superado, justificando as limitações ao proselitismo de Xi Jinping (e Putin). Isso está, entre outras coisas, determinando dificuldades cada vez mais evidentes entre a Santa Sé e a administração norte-americana, que ao contrário se apresenta como paladina de uma liberdade religiosa que inclui a liberdade de proselitismo para todos.
No mesmo dia do discurso de Posillipo, os Estados Unidos publicaram seu volumoso relatório anual sobre liberdade religiosa, que critica abertamente o Vaticano pelos acordos com a China. A crítica de Francisco ao proselitismo é teológica e interna à Igreja Católica ou é algo que os católicos querem impor às outras religiões, a ponto de se aliar a regimes não democráticos que limitam o proselitismo por lei? Se a resposta fosse positiva, não existe o risco de que a crítica ao proselitismo acabe por impedir ou limitar a poucos interlocutores que no mundo das religiões hoje não são nem mesmo os mais importantes, justamente aquele diálogo que em tese gostaria de promover?
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A peste do proselitismo que impede o diálogo. Artigo de Massimo Introvigne - Instituto Humanitas Unisinos - IHU