Os estudantes (leigos) de teologia escrevem ao Papa Francisco esperado em Nápoles: “Uma escola de formação política”

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18 Junho 2019

Nápoles como posto avançado do Mediterrâneo e laboratório por uma nova teologia: em diálogo com a vida, capaz de partir de baixo - do compartilhamento da existência cotidiana das pessoas - e, diante dos desafios de envergadura epocal que afligem a humanidade, capazes de se tornar "alegria da verdade" (Veritatis Gaudium), construção de uma sociedade fraterna baseada no acolhimento, uma ponte entre diferentes pontos (culturas, religiões) naquela casa comum que é o planeta.

Não é por acaso que é a Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional (PFTIM), seção San Luigi a Posillipo, que irá hospedar o Papa Francisco em sua segunda visita à cidade no dia 21 de junho: para a participação exclusiva (e extraordinária) na Conferência sobre "A teologia após a Veritatis Gaudium no contexto do Mediterrâneo" (20 e 21 de Junho).

A reportagem é de Donatella Trotta, publicada por Il Mattino, 17-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

Porque é precisamente a Constituição Apostólica "Veritatis Gaudium" do Santo Padre, divulgada em 28 de janeiro de 2018 com a intenção de "dar aos estudos eclesiásticos aquela renovação sábia e corajosa que é requerida pela transformação missionária de uma Igreja em saída" e, portanto, para atualizar os estudos eclesiásticos com uma "corajosa revolução cultural", baseada em uma "verdadeira hermenêutica evangélica para melhor compreender a vida, o mundo, os homens", que questionou em profundidade professores e estudantes (leigos e religiosos, homens e mulheres de todos as idades) do histórico Collegio Massimo da Companhia de Jesus em Nápoles.

Organizaram assim os dois dias de estudos - antecedidos por cerca de trinta densos encontros preparatórios, de janeiro até 6 de junho, nas sedes dos jesuítas do centro histórico até as Colinas Aminei - para enfocar, por um lado, a complexidade e as contradições que marcam o contexto do Mare Nostrum (entre fenômenos migratórios e interculturalidade) e, por outro lado, para propor os caminhos possíveis para a solução de "tensões antitéticas" e a realização de um diálogo e um encontro inclusive através da arte, da cultura, da filosofia e da teologia.

Isso está bem explicado em uma carta aberta ao Papa Francisco, escrita por treze estudantes leigos (dos quais doze são mulheres) da PFTIM, intitulada "Antes que gritem as pedras": seis laudas densas, abertas pela admissão de terem sido estimulados em profundidade pela "profunda coerência entre as palavras e o trabalho cotidiano” do Pontífice", mas também "pela leitura cuidadosa de seus documentos, em particular a Veritatis Gaudium e a Christus vivit”, até sentir-se "fortemente desafiados, na própria consciência, a ter que responder com empenho e competência para as suas constantes batalhas contra a indiferença, das quais padecem em primeiro lugar os cristãos, juntamente com aquela parte da Igreja que ainda não acolheu o forte vento que o Espírito Santo soprou no Concílio Vaticano II”. Daí o desafio do encontro, "mais atual do que nunca", dentro da constelação dos pluralismos religiosos e do multiculturalismo.

Não só isso. A carta também assume uma posição firme sobre a atual "desumanidade legalizada" e o papel dos cristãos "em um mundo globalizado que é o precursor de um moderno e ostensivo hedonismo, que primeiro propõe o dinheiro e depois as pessoas", reivindicando ao contrário “primeiro as pessoas e depois os meios para concretizar o bem-estar coletivo através da satisfação das necessidades primárias e do alcance da plena dignidade"; ressalta a importância do laicato e da "causa santa da mulher" na aplicação da mensagem do Evangelho; questiona-se sobre o significado do apostolado e da evangelização também através do estudo da teologia no âmbito acadêmico como "lugar de aprofundamento, de discernimento interior, mas também de pesquisa e progresso nas várias disciplinas"; e, convidando em conclusão à “beleza geradora da vida ordinária» estimulada por um Papa que “tem a coragem de sonhar, indo além do niilismo fundamentalista e do mofo presentes na Igreja” propõe, entre outras coisas “criar uma escola de formação política reconhecida pelo mundo acadêmico internacional, aberta a eventuais colaborações com universidades estrangeiras e qualificadas", com vistas a "formar para uma Política Internacional Integrada".

Uma mensagem forte, que atesta a vitalidade intelectual de uma "juventude melhor" também envolvida na aventura editorial da série Sponde, publicada pelos Jesuítas de Il pozzo di Giacobbe e dirigida por Sergio Tanzarella, "para repensar - justamente a partir da teologia, mas não só - a categoria do Mediterrâneo e suas oportunidades: de um mar de morte, de rejeições, de afogamentos e de portos fechados para trânsito e travessia para novos desembarques" através de livros-farois que "ajudam a manter a rota entre os redemoinhos dos nacionalismos, das intolerâncias religiosas, das perseguições supostamente justificadas", livros também destinados a serem companheiros de viagem e meios para cruzar fronteiras, bem como "contribuição para encontrar palavras e pensamentos adequados para neutralizar as fronteiras, para derrubar os muros invisíveis da indiferença e dos novos racismos, para tornar compreensíveis outras línguas e para dominar os medos, para iniciar processos de libertação e de encontro": livros, em suma, "como pontes que trazem escrita, em filigrana, a palavra paz".

E é significativo que essa mensagem dirigida a todas as faculdades teológicas do país parta de Nápoles, no aguardo do Papa Francisco, inclusive em continuidade com a visita, em outubro de 2007, do Papa Bento XVI que esperava a realização de um Observatório inter-religioso na esteira de Assis 1986, na cidade-cruzamento mittelmediterraneo que tantos imigrantes italianos viu partir em busca de fortuna além oceano. E é precisamente aqui que o Papa jesuíta argentino, descendente de migrantes italianos, voltará a compartilhar reflexões, testemunhos e propostas que o cardeal Gualtiero Bassetti, presidente da Conferência Episcopal Italiana, assim sintetiza comentando as análises proféticas de Dossetti e La Pira em seu prefácio ao livro de Fabrizio Mandreoli e Marco Giovannoni Spazio europeo e mediterraneo (Espaço Europeu e Mediterrâneo, em tradução livre, um dos títulos da série Sponde): “A lição que vem de Dossetti e La Pira é que o Mediterrâneo não é apenas um emaranhado de problemas ditados pela inevitável conflitualidade das diferenças, mas um recurso que reside na fecundidade histórica (e também teológica) do encontro das diferenças. Não é uma fatalidade, mas uma escolha". A escolha de construir a paz, organizando a esperança.

Este foi discutido no último domingo na apresentação da iniciativa (e das modalidades da visita papal, "de caráter estritamente privado"), em um encontro moderado por Angelo Scelzo com a participação, entre outros, do cardeal Crescenzio Sepe, grão-chanceler da Faculdade Teológica do Itália meridional, e do padre jesuíta Pino Di Luccio, vice-decano da Faculdade e promotor da conferência, que definiu a oportunidade como “um trabalho de rede, entre leigos e jesuítas, sacerdotes e expoentes de outras religiões, para a construção de uma sociedade fraterna, também na esteira do documento sobre a "Irmandade Humana", assinado em Abu Dhabi no último dia 4 de fevereiro pelo Papa Francisco e pelo Grão Imam de al-Azhar Ahmad al-Tayyb". Um exemplo brilhante de "teologia contextual e inteligente e criativa abertura mental", acrescentou o cardeal Sepe, que "amplia a reflexão acadêmica para horizontes mais amplos e para as realidades concretas do mundo em que vivemos, confirmando com esta página nova da história que está se escrevendo, e que vem de longe, a atitude de Nápoles de ser uma cidade aberta e acolhedora".

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