28 Janeiro 2015
Na lista daquilo que o escritor italiano Vittorio Messori chama de “perplexidades” do Papa Francisco, ou seja, as coisas que às vezes são difíceis de se entender neste pontificado, um item tem de ser, necessariamente, a atitude do pontífice para com os esforços missionários.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 27-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por um lado, Francisco fala constantemente sobre o imperativo da evangelização e difusão da fé. Durante a sua recente viagem ao Sri Lanka, por exemplo, ele convocou os católicos asiáticos a não esquecerem o “zelo missionário” que possuem.
Por outro lado, Francisco raramente perde uma oportunidade de condenar aquilo que chama de “proselitismo”. Ele chamou esta prática de uma “solene besteira” (ou disparate) numa entrevista dada em 2013, e durante uma celebração ecumênica das Vésperas na Basílica de São Paulo Fora dos Muros ele pediu a todas as igrejas cristãs que rejeitassem o “proselitismo e a competição em todas as suas formas”.
Então, o que ele pensa afinal? Os católicos deveriam estar tentando converter as pessoas e trazê-las para dentro da Igreja, ou não?
Antes de tudo, esta retórica do papa sobre o proselitismo é não é nada novo. O Papas João Paulo II e Bento XVI fizeram a mesma distinção entre propor a fé – entendida como sendo uma coisa boa, conquanto obrigatória – e impô-la via técnicas agressivas e coercitivas, o que eles também viram como errado.
No entanto, dada a inclinação de Francisco em assumir uma postura tradicional e dar a ela um novo curso através de viradas inteligentes de pensamentos – pensamos no “reproduzir-se como coelhos”, que ele usou em defesa do Planejamento Familiar Natural –, os católicos que estão envolvidos em trabalhos missionários podem ser perdoados caso estejam um pouco confusos com o que exatamente este papa quer que eles façam.
Eis aqui algo para se pensar a respeito: Quando o Papa Francisco detona o “proselitismo”, ele, na verdade, pode não estar falando sobre, ou para, todos os católicos.
A este respeito, importa lembrar que o principal ponto de partida deste pontífice é a sua experiência como pastor latino-americano. Não há outra parte do mundo em que se vê campanhas de proselitismo mais organizadas e agressivas, nos últimos 25 anos ou mais, do que as ocorridas nesta região, e em grande parte os católicos não são os arquitetos de tais empreendimentos.
Pelo contrário, eles são os principais alvos.
Provavelmente, o realinhamento religioso mais dramático do século XX foi a transição na América Latina de um continente quase todo católico para um florescente livre mercado espiritual, com os evangélicos e pentecostais tendo ganhos maciços.
O Rev. Franz Damen, passionista belga que trabalhou por muito tempo junto aos bispos bolivianos, concluiu na década de 1990 que mais pessoas se converteram do catolicismo para o protestantismo na América Latina no último quarto de século do século XX do que a Europa durante todo o século e depois da Reforma Protestante.
Quase todo este crescimento protestante se deu entre uma variedade desconcertante de movimentos evangélicos e pentecostais, alguns deles importações estrangeiras.
Neste mesmo sentido, um estudo encomendado na década de 1990 pelo Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho – CELAM descobriu que um total impressionante de 8 mil latino-americanos deixava a Igreja Católica por dia durante toda aquela década.
Ainda que parte deste crescimento tenha desacelerado, o “Latinobarometro” – grupo chileno que realiza pesquisas em 17 países latino-americanos – recentemente projetou que menos de 50% dos latino-americanos irão se identificar como católicos a partir do ano de 2025.
Vale notar: Francisco seria o primeiro a concordar que o proselitismo por parte dos evangélicos e pentecostais não é o único favor responsável por esta perda de católicos.
O futuro papa foi o principal autor de um documento de 2007 escrito pelos bispos latino-americanos [e caribenhos] pedindo por uma “grande missão continental”. Neste documento, os bispos concordaram que o fato de eles considerarem a identidade católica do continente como dada significou que a Igreja não trabalhou o suficiente para dar um bom acompanhamento pastoral ao seu povo.
Francisco e outros prelados latino-americanos viram mais do que um desagradável proselitismo dirigido à Igreja Católica.
No fim da década de 1990 no Brasil, por exemplo, o bispo Sérgio von Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus, uma das maiores denominações pentecostais da América Latina, foi à TV durante a festa de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do país, e chutou uma estátua da santa, declarando: “Isso aqui não é santo coisa nenhuma!”
Von Helder esbravejou a respeito da adoração corrupta feita a santos na Igreja Católica, o que é uma marca da retórica de alguns evangélicos e pentecostais. A sua performance causou revolta entre muitos católicos brasileiros, e o pastor foi condenado com base na lei de “desrespeito público por um símbolo religioso”.
Em 2014, no Equador, um pastor chamado Eduardo Mora, da Igreja Evangélica Pentecostal Subindo Missão Internacional, foi também condenado a um ano de prisão por organizar marchas anticatólicas nas quais imagens de santos e da Virgem Maria eram destruídas e queimadas, enquanto pregava fervorosos sermões contra o catolicismo como uma blasfêmia contrária à Bíblia.
Ainda que von Helder e Mora possam representar posições extremas e que existam um diálogo crescente entre católicos, evangélicos e pentecostais em algumas partes da América Latina, não há como negar que grande parte do esforço missionário porta a porta feito pelos protestantes em todo o continente tem, às vezes, uma crista anticatólica.
Lembro-me de estar no Peru a uma década atrás e perguntar a um padre local como era a relação católicos/pentecostais. Ele me levou para perto de uma enorme igreja pentecostal onde um outdoor eletrônico também enorme – do tipo Times Square – mostrava esta mensagem: “Venha ouvir o sermão de domingo sobre os Sete Pecados da Igreja Católica”.
“Isto”, disse o padre peruano, “resume muito bem a nossa relação”.
Nada disso quer dizer que Francisco queira combater o fogo usando fogo, ou lançando uma espécie de cruzada antievangélica/pentecostal. Pelo contrário, em Buenos Aires ele certa vez permitiu que ministros protestantes dessem-lhe a benção durante uma oração conjunta e, como papa, estendeu a mão a estes grupos em várias ocasiões, entre estas está aquela viagem especial que fez na Itália para visitar uma igreja pentecostal comandada por um velho amigo desde os tempos de Argentina.
Enquanto esteve aqui, ele fez um pedido de desculpas histórico.
“Entre os que perseguiram e denunciaram os pentecostais, como se fossem pessoas loucas, havia também católicos”, disse Francisco. “Sou o pastor dos católicos e peço o perdão por aqueles irmãos e irmãs católicos que não compreenderam e foram tentados pelo diabo”.
Mesmo assim, Francisco também conhece, por experiência própria, como se parece aquele proselitismo não muito bonito e que às vezes praticado.
Este contexto pode ajudar a reduzir os níveis de ansiedade entre os católicos envolvidos no que ficou chamado de “a Nova Evangelização”, quer dizer, um esforço em se reascender as chamas missionárias da Igreja.
O aspecto-chave é que, quando o papa latino-americano condena o “proselitismo” e a “competição”, os evangelistas católicos nos EUA e na Europa não são, provavelmente, aqueles em quem ele está pensando.
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Quando o Papa Francisco condena o “proselitismo”, sobre o que exatamente ele está falando? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU