23 Outubro 2018
Considerando a dificuldade de escolher o que assistir para uma noite de filme em família, pode-se imaginar o grande desafio com que estão se deparando os bispos do mundo todo reunidos no Vaticano neste mês ao tentar decidir sobre um caminho coerente para alcançar os jovens hoje.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 20-10-2018.
Além de os jovens representarem uma categoria ampla e vaga, os bispos representam diferentes culturas e, portanto, diferentes questões e prioridades - só o fato de fazer tantos homens alfa concordarem em alguma coisa já é um obstáculo e tanto.
Talvez por isso muitas vezes é mais fácil começar com um denominador comum - as banalidades.
É fácil perceber que se há um fator global que afeta a vida dos jovens hoje em dia esse fator é o crescimento do mundo digital. O surgimento da internet está criando diferenças significativas entre a experiência dos jovens de hoje e a de seus pais e avós.
Da agência à autoridade, dos relacionamentos à privacidade, a era digital mudou o paradigma para sempre. Portanto, não é de se admirar que muitos bispos - alguns deles ávidos leitores de e-mails, criadores de podcasts, sensações do YouTube e usuários de aplicativos - sentem a necessidade de levar a Igreja para fora das sacristias, para a rede mundial de computadores.
"A Igreja precisa aprender a habitar o mundo digital", disse o padre Valdir José De Castro, superior geral da Pia Sociedade de São Paulo, durante uma conferência de imprensa no Vaticano, no dia 19 de outubro, como parte do Sínodo dos Bispos deste mês sobre os jovens, a fé e o discernimento sacerdotal.
"Os jovens estão totalmente imersos no mundo digital, e um dos principais passos para a evangelização é criar relações humanas", disse, acrescentando que "o mundo digital é um elemento essencial" para a Igreja construir essas relações.
Claro, para muitos jovens e adultos hoje isso pode parecer uma dedução óbvia, mas, considerando a forma como a Igreja lida com a era da internet por enquanto, pode não ser tão banal como parece.
Um encontro pré-sínodo que ocorreu em março, em que jovens se reuniram no Vaticano em preparação para o encontro dos bispos, representou uma das primeiras grandes incursões da Igreja Católica no reino digital.
As páginas privadas no Facebook rapidamente tiveram que se adequar a uma realidade com que qualquer blogueiro amador ao redor do mundo está familiarizado: os trolls. Os esforços de usar as redes sociais do sínodo viraram alvo de dezenas de contas, que enviavam insultos sem parar e monopolizavam as discussões.
Antes disso, uma tentativa do Departamento de Comunicação Social do Vaticano de editar no Photoshop uma carta do papa emérito Bento XVI resultou em um dos fiascos mais vergonhosos - para não dizer desnecessários - na memória recente das relações públicas.
Apesar de a Igreja ser nova na compreensão da dinâmica das redes sociais e da internet, também é justo dizer que foi o Papa Francisco que fez com que as questões digitais avançassem. Sua desenvoltura para selfies, vídeos on-line e persona autêntica e versátil fazem lembrar a realidade digital multifacetada da atualidade.
Francisco e sua abordagem pastoral servem muito bem para ser um fenômeno das redes sociais, com a qual a Igreja Católica pode atingir muitos mais jovens e que poderia ser uma ferramenta poderosa de evangelização.
O bispo auxiliar de Joubbé, Sarba e Jounieh, da Igreja Maronita do Líbano, Joseph Naffah, falou numa coletiva de imprensa sobre seu projeto envolvendo mais de 500 jovens em todo o mundo para criar uma comunidade on-line de língua árabe capaz de quebrar barreiras e aproximar as pessoas.
"Lentamente, começamos a descobrir novos horizontes", observou o bispo a respeito do projeto de cinco anos.
"Nossa juventude hoje está nas ferramentas de comunicação social", disse. “Penso que a Igreja é chamada a estar fortemente presente neste mundo."
Seu projeto não apenas gerou uma nova motivação para os detentos que desejam encontrar um novo caminho, mas também demonstrou que é um poderoso instrumento de conversão. Um jovem que está paralítico e só consegue usar os dois polegares encontrou no programa a oportunidade de ser protagonista na internet.
"Antes, meu mundo era só uma cama. Agora me encontro no espaço do mundo", disse o jovem ao bispo.
O poder e os perigos do mundo digital estão presentes em todo o mundo e, portanto, representam um terreno comum para os bispos, que este mês estão tentando descobrir para onde ir exatamente para encontrar “os jovens onde eles estão".
A resposta está bem na frente deles, ou em seus bolsos, e é tão relevante para os bispos católicos dos Estados Unidos como para os de Gana.
"Hoje, ler já não é mais o que está em voga para a maioria [dos jovens]", disse o bispo Emmanuel Kofi Fianu de Ho, de Gana.
"Se quisermos ler para eles, distribuímos a Bíblia não só em termos de produção, mas também explicação."
A abordagem de Fianu combina o pouco que existe de Ministério digital com ministério pastoral bíblico, em um país onde os católicos estão perdendo muito espaço para a pregação impetuosa dos grupos pentecostais. O bispo também apontou para o poder da autopropagação da internet: quando a semente for plantada, os próprios jovens é que vão difundir o Evangelho uns aos outros.
São muitos os jovens que estão acostumados a ter um poder praticamente ilimitado a um toque da tela de seus dispositivos para quase tudo, desde pedir pizza, assistir às últimas séries, ter um encontro. Não há razão para não satisfazerem sua sede por fé e significado na tela também.
Segundo Yadira Vieyra, auditor, pesquisador e assistente de famílias de imigrantes nos Estados Unidos, que falou principalmente da situação dos imigrantes e refugiados na coletiva de imprensa, os jovens estão pedindo mais empoderamento à Igreja.
"Vários dos bispos parecem estar genuinamente interessados em trazer mudanças no ministério para jovens", declarou. "Outros ainda precisam se convencer da importância da forma como se conduz os jovens.”
O que certamente pode surgir deste abrangente e ambicioso Sínodo é o empurrão certo para a Igreja deixar de colocar a pontinha do dedo na piscina digital e mergulhar de vez. Como os bispos reconheceram várias vezes durante o encontro, os jovens querem estar na liderança, e é difícil imaginar um lugar em que seriam mais qualificados para fazê-lo.
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A paixão dos jovens pelas redes sociais pode ser clichê, mas para o Sínodo é real - Instituto Humanitas Unisinos - IHU