20 Outubro 2018
Francisco apresentou uma legislação que poderia permitir a ele ou a um futuro Papa o poder de transformar substancialmente a estrutura de governança da Igreja universal.
O comentário é de Robert Mickens, jornalista, publicado por La Croix International, 19-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O Sínodo dos Bispos sobre os jovens está prestes a entrar na reta final de sua reunião de 25 dias, embora nem todos estejam satisfeitos com a forma como esta XVI assembleia geral ordinária do Sínodo se desenvolveu até agora.
Alguns críticos reclamaram que as sessões diárias (formalmente chamadas de “congregações gerais”) estão sendo reguladas por procedimentos confusos, pouco claros e, de acordo com alguns, até mesmo arbitrários. Eles dizem que isso poderia comprometer a credibilidade de quaisquer declarações que essa assembleia venha a produzir.
Outros ressaltaram sobre a agenda da assembleia atual, dizendo que está muito concentrada em questões sociológicas ao invés de assuntos estritamente relacionados à fé católica. Essa é a mesma crítica que fizeram ao documento de trabalho do encontro, Instrumentum laboris.
Além disso, há aqueles que acreditam que as conversas no salão sinodal e pequenos grupos de discussão são muito dispersivos. A questão aqui é que eles não estão focados em um número razoável de tópicos estritamente relacionados ao tema da assembleia, "Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional".
Mais uma vez, a preocupação é que isso tornará difícil, se não impossível, que a assembleia expresse qualquer coisa além vagas generalizações em seu documento final.
Todas essas apreensões são compreensíveis até certo ponto. O que os críticos (e até mesmo muitas pessoas que não concordam com eles) não conseguiram entender é que este encontro do Sínodo representa apenas um passo em uma jornada muito mais longa e transformadora.
Assim como as duas assembleias sinodais anteriores sobre a família, o Papa Francisco fez desta atual sobre a juventude mais uma conjuntura necessária no caminho para reformar radicalmente as estruturas de governo eclesial e efetuar uma “conversão” do próprio papado.
Em suma, se trata do processo mais árduo, e controverso, de tornar a verdadeira sinodalidade como uma parte constituinte da vida da Igreja e das estruturas de tomada de decisão.
O que talvez seja mais notável sobre este projeto é a expansão da função que começou a surgir para os católicos comuns, isto é, todos os fiéis batizados e não apenas aqueles que receberam as ordens sagradas.
Não é exagero usar a palavra “revolucionário” para descrever o que Francisco está tentando realizar, principalmente se olharmos para o período pós-constantiniano da história da Igreja. O fato da maioria das pessoas não estar pensando nisso como um evento dramático geralmente associado a revoluções sociais ou políticas é um mérito do hábil processo de reforma que o Papa está promovendo.
O pontífice acredita que a primeira e mais importante reforma é mudar mentalidades e atitudes. Ele tem sido surpreendentemente bem-sucedido ao fazer isso repetindo excessivamente temas e conceitos-chave através do uso do que poderíamos chamar de palavras de efeito ou expressões-chave.
Alguns exemplos incluem sua contínua fala sobre “misericórdia”, “Igreja pobre para os pobres”, “quem sou eu para julgar?” “Uma Igreja propensa a acidentes”, “pastores que têm cheiro de ovelha”, “por favor, obrigado e me desculpe” como uma fórmula para um casamento feliz, e assim por diante”.
Embora de maneira mais silenciosa, ele também lançou as bases para mudanças radicais na estrutura. Isso tem sido menos perceptível e perturbador para a maioria das pessoas, que vêm o resultado gradualmente.
Os católicos em geral, e os Papas em particular, não gostam de usar a palavra “revolução” quando falam de desenvolvimentos na Igreja. Papa Francisco não é diferente.
Ele, como seus antecessores, prefere falar de “renovação” ou “conversão”. Francisco é até cuidadoso ao usar o termo “reforma”, que muitas vezes pode ser chocante para os membros mais tradicionalistas da Igreja.
O Papa divulgou seu projeto para uma renovação já no início de seu pontificado com a publicação de Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho). Essa exortação apostólica de 2013 oferece uma ampla visão da reforma eclesial sem decretar mudanças canônicas ou estruturais específicas.
Como a maioria dos documentos que foram ratificados no Concílio Vaticano II (1962-1965), a exortação foi recebida pelos católicos reformistas como inspiradora, mas sem a força necessária.
Dessa forma, é surpreendente que tantas pessoas não tenham reconhecido a verdadeira importância de um dos mais renomados documentos que o Papa Francisco emitiu, a constituição apostólica Episcopalis Communio (EC).
Este texto, que foi tornado público em 18 de setembro, estabelece os princípios para reformar substancialmente a natureza, o propósito e a função do Sínodo dos Bispos.
O documento de 6.400 palavras substitui todos os textos anteriores, incluindo vários pontos do Direito Canônico, que de alguma forma dizem respeito ou regulam o funcionamento do Sínodo.
De um modo sensível (alguns diriam desonesto), Francisco cita todos os papas anteriores que ajudaram a elaborar uma legislação sobre o Sínodo para justificar os “desenvolvimentos” que ele introduziu.
Francisco respeitosamente cita Paulo VI, que instaurou esta instituição permanente em 1965, bem como João Paulo II e Bento XVI, para mostrar que ele agiu em continuidade às iniciativas papais anteriores.
Neste novo texto legislativo ele também introduz e institucionaliza grandes mudanças e rupturas dos seus predecessores.
Por exemplo, a extensa consulta aos fiéis batizados é agora um procedimento obrigatório. Francisco a introduziu nos preparativos para a assembleia extraordinária de 2014 sobre a família e que foi utilizada novamente para as duas últimas assembleias ordinárias de 2016 e 2018. Isso é algo que nunca havia sido mencionado em documentos papais anteriores, tanto menos era obrigatório.
“A história da Igreja dá um amplo testemunho da importância de uma consulta para averiguar os pontos de vista dos bispos e dos fiéis sobre assuntos pertinentes ao bem da Igreja. Por isso, mesmo na preparação das assembleias sinodais, é importante que se dê uma especial atenção à consulta de todas as Igrejas particulares”, afirma Francisco em Episcopalis Communio.
“Nesta fase inicial, seguindo as indicações do secretariado geral do Sínodo, os bispos submetem as questões a serem exploradas na Assembleia Sinodal aos sacerdotes, diáconos e fiéis leigos de suas Igrejas…” (EC, 7).
Em seguida, estabelece artigos precisos, delineando a consulta dos fiéis, incluindo a “possibilidade” de realizar reuniões de assembleias pré-sinodais aos níveis internacional, regional e local.
“O Sínodo dos Bispos deve se tornar cada vez mais um instrumento privilegiado para ouvir o povo de Deus”, afirma o Papa (EC, 6).
Muitos comentaristas ressaltaram, com razão, que uma das principais novidades da nova constituição apostólica é que, se o Papa, presidente do Sínodo dos Bispos, julgar como algo oportuno, pode permitir que o documento final da assembleia seja publicado como um ato oficial do Sínodo dos Bispos e do magistério (ou seja, como uma forma de ensino oficial).
Geralmente, esse texto tem sido utilizado como base ou rascunho, o que seria então modificado, reescrito e publicado mais tarde como documento papal formalizado (exortação apostólica).
Muitos estão ansiosos para ver se o Papa Francisco decidirá por esta nova opção no final da assembleia sobre os jovens.
Há outro artigo na Episcopalis Communio que poucas pessoas comentaram.
Além dos três tipos de assembleias do Sínodo que foram convocadas até agora, ordinárias, extraordinárias e especiais, o Papa agora tem total liberdade para usar o Sínodo de maneira mais flexível.
“Se ele considerar oportuno, especialmente por razões ecumênicas, o Pontífice Romano poderá convocar uma assembleia sinodal de acordo com outros formatos estabelecidos por ele mesmo”, estipula o documento (CE, Art. 1 §3).
Isso é uma novidade. Não é mencionado em nenhum outro documento papal que regule o Sínodo dos Bispos.
Mas o que isso poderia significar em termos práticos?
Talvez esta linha do parágrafo oito da nova constituição apostólica ofereça uma pista adicional: “Se as circunstâncias assim sugerirem, uma única assembleia sinodal pode ser fragmentada por mais de uma sessão”.
Isso ofereceria ao Papa a possibilidade de alterar o formato (e associação) de um conjunto do Sínodo. Ele poderia até usá-lo como uma espécie de corpo consultivo permanente que se reúne várias vezes ao longo de um ou dois anos.
Francisco também poderia usar a prerrogativa já existente para dar àquela assembleia poder deliberativo, uma possibilidade que Paulo VI previu quando estabeleceu o Sínodo como uma instituição permanente.
Quer estejamos falando de uma revolução ou um desenvolvimento adicional do Sínodo em continuidade com o passado, Francisco apresentou uma legislação que poderia permitir a ele ou a um futuro Papa o poder de transformar substancialmente a estrutura de governança da Igreja universal.
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Sínodo dos Bispos: não perder de vista o todo com preocupações menores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU