13 Abril 2018
Audiência pública no Senado para discutir Projeto de Lei do Desmatamento Zero abre importante espaço para debater a necessidade de repensar modelo de desenvolvimento.
A reportagem é publicada por Greenpeace Brasil, 11-04-2018.
Na manhã de hoje (10), a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal realizou a audiência pública “Desmatamento Zero para garantir o futuro socioambiental e econômico do Brasil”. O Greenpeace e outras organizações foram convidados a compor a mesa de debate.
Diante de um cenário montado por Michel Temer e bancada ruralista para enfraquecer as leis ambientais e subtrair direitos sociais em benefício próprio, o diálogo sobre o Projeto de Lei do Desmatamento Zero mostra que ainda há espaço para a opinião da sociedade dentro do Congresso Nacional. Afinal, trata-se de uma lei de iniciativa popular assinada por mais de 1,4 milhão de pessoas.
“Transformamos esse pedido pelo Desmatamento Zero em movimento. Tivemos dias de mobilização com mais de 100 cidades nas ruas”, conta Cristiane Mazzetti, da campanha da Amazônia do Greenpeace, convidada a participar da mesa de debate.
Em 2012, em parceria com outras organizações, o Greenpeace lançava a petição pelo Desmatamento Zero. A campanha pública seguiu até 2015 mobilizando pessoas no país inteiro até que finalmente foi entregue ao Congresso Nacional.
“Queremos Desmatamento Zero já. Precisamos de uma forte sinalização do governo. As organizações que discutem o tema já apresentaram diversos caminhos para isso – a aprovação da Lei do Desmatamento Zero é um deles”, defendeu Mazzetti. Um documento conjunto entre as organizações contendo esses pontos foi entregue à Comissão.
Segundo Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, 60% do Brasil é coberto por vegetação nativa e 32% pela agropecuária. “Esses 32% correspondem a mais de 269 milhões de hectares – a terceira maior agrícola do mundo, atrás de China e EUA”. Desse total, 24 milhões de hectares são de áreas improdutivas.
“O Brasil tem áreas improdutivas que podem ser recuperadas. Temos um estoque de 250 milhões de hectares já desflorestados para atender as demandas de mercado até 2050. Não faz sentido gastar mais dinheiro e derrubar mais áreas se você tem tantos ativos para serem recuperados”, explica Azevedo.
No entanto, não é o que acontece. “Embora tenha havido um pico de baixa do desmatamento em 2012, hoje essa taxa volta a se elevar. Para se ter uma ideia, a taxa média de desmatamento entre 2013 e 2017 foi 38% maior do que em 2012”, destacou Mazzetti.
Para ela, se o desmatamento não acabar agora, teremos um cenário irreversível. “Segundo artigo recente, o ponto de não retorno está muito próximo e pode acontecer quando a Amazônia atingir de 20 a 25% por cento [de desmatamento]. Hoje, 19% da Amazônia está desmatada”.
“Uma única árvore recicla 500 litros de água por dia – são 7 trilhões de litros reciclados por dia. Temos que ver esse patrimônio florestal em relação ao patrimônio do agronegócio”, aponta o pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho.
“Na última década da Amazônia nós vimos os maiores eventos de seca e cheia”, conta Rita Mesquita, coordenadora de extensão do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). “Um mês a mais de seca nessa região é um impacto enorme. E não estamos fazendo projeção, estamos documentando isso acontecendo”.
Manter a floresta de pé é preservar os recursos naturais, ou seja, o clima também. O desmatamento limita a capacidade das florestas de filtrar o ar e água, e sem isso, nada se produz. Zerar o desmatamento é pensar também no futuro econômico do país. Por exemplo, o mercado que compra commodities do Brasil não quer mais vender aos seus consumidores produtos contaminados com desmatamento, seja na Amazônia, seja no cerrado.
Hoje não existe ainda um modelo robusto, com inovação que faça um aproveitamento econômico da floresta em pé ao mesmo tempo que beneficia comunidades locais – caminho fundamental para se chegar ao Desmatamento Zero.
Segundo Mesquita, a nossa biodiversidade é uma riqueza. “Ela pode trazer para o Brasil novos meios de desenvolvimento econômico. Esse desenvolvimento que hoje só consegue acontecer destruindo, desmatando. Nós temos a capacidade de um país empreendedor que pode pautar o mundo sobre modelos de desenvolvimento diferenciados”.
Resolver o problema do desmatamento no Brasil pode parecer um grande desafio, mas ele começa a ser superado assim que a sociedade brasileira tome uma decisão em relação a que futuro ela vai querer. “Ou vamos reinventar o significado de ‘Agro’ ou vamos reinventar o nosso entendimento sobre isso”, conclui Mesquita.
Ainda temos muito com o que nos preocupar, uma vez que Michel Temer, em parceria com a bancada ruralista, avança na discussão com uma série de propostas que levam a mais desmatamento no Brasil. Algumas delas são a liberação do cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia, redução de Unidades de Conservação e enfraquecimento do processo de licenciamento ambiental, que levarão a ainda mais desmatamento.
Presentes na audiência, voluntários do Greenpeace, que tanto trabalharam para juntar todas as assinaturas pelo Desmatamento Zero, fizeram rápidas falas. E fazemos as palavras de Valdeci de Souza, de Porto Alegre, as nossas:
“Não podemos ficar só nessa conversa toda e o tempo vai passando. Porque sabemos que esse processo é demorado, tem seus ritos. Mas nesses cinco anos e meio que começamos a trabalhar pelo Desmatamento Zero, conseguindo assinaturas, quantas árvores caíram nesse tempo? Quantos grileiros assassinaram na Amazônia? Precisamos transformar isso em realidade, em lei. Se não vamos acabar com os nossos filhos vendo as florestas apenas nas folhas dos livros de história”.
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Um novo olhar sobre as florestas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU