27 Março 2018
Cerca de 300 jovens de todo o mundo, de diferentes origens e até mesmo religiões, que se reuniram esta semana em Roma para dar conselhos para o próximo encontro dos bispos sobre a juventude, discutiram uma gama de temas e, entre outras questões, planejam admitir francamente aos bispos que simplesmente não conseguiam chegar a um consenso sobre questões polêmicas sobre moralidade sexual.
A reportagem é de Inês San Martín, publicada por Crux, 23-03-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Na quinta-feira, eles debateram um primeiro esboço do documento que vão apresentar ao Papa Francisco, que depois vai divulgá-lo no sínodo dos bispos sobre a juventude e o discernimento, em Roma, em outubro.
Nos bastidores, várias dezenas de homens e mulheres jovens, também do mundo todo, ampliaram a discussão ao moderar seis grupos no Facebook, em diferentes línguas, processamento e compilando 9.617 comentários em resposta a 15 perguntas, as mesmas que estavam sendo discutido em Roma.
Tudo em, 26 relatórios tanto do pequeno grupo de trabalho reunido na cidade eterna e dos grupos privados do Facebook foram apresentados na quarta-feira e condensados em 7 páginas a que o Crux teve acesso.
Membros da comissão encarregada de escrever o esboço do documento - todos participantes da reunião - ficaram até altas horas de quinta-feira para ter certeza que estaria pronto quando a reunião recomeçasse.
"O relatório foi escrito tendo em conta a opinião de todos", disse Letícia Carneiro, brasileira que é voluntária na reunião pré-sínodo, que administrou um dos grupos do Facebook. Ela teve de condensar os mais de 1.000 comentários do grupo português em uma página, que foi então incluída no primeiro rascunho.
Embora representasse a discussão, ela disse que o primeiro documento foi visto como "incompleto". Por isso, na quinta-feira, durante uma discussão entre os 300 participantes que foi transmitida ao vivo no Facebook, cerca de 60 pessoas tomaram a palavra e fizeram sugestões .
O projeto toca em muitas questões, guiadas pelas perguntas, e, como disse Carneiro ao Crux, na quinta-feira, a leitura é um pouco desconexa, com contradições que foram abordadas durante a discussão. No entanto, reflete o diálogo e a abertura com que muitas questões foram tratadas.
Filipe Domingues, jornalista brasileiro que atualmente mora em Roma, onde faz doutorado, disse ao Crux que foi um desafio garantir que todas as vozes haviam sido incluídas.
Há questões "muito controversas", como a doutrina da Igreja sobre a sexualidade, disse Domingues, e várias surgiram nos pequenos grupos de trabalho, mas não eram consenso.
"Quando escrevemos as questões, tivemos que mostrar que não houve acordo", afirmou.
Deixando seus próprios preconceitos de lado para ajudar a escrever o esboço foi "difícil”, segundo ele, “mas por outro lado estou trabalhando com algo que outras pessoas produziram, não posso apagar o que escreveram".
"Como jornalista, talvez fosse mais fácil para mim, porque se acostuma a citar pessoas que não têm as mesmas ideias que você”, disse Domingues.
Fontes consultadas pelo Crux concordaram que muitas das questões eram bastante universais em cada um dos grupos de trabalho, que foram separados de acordo com a língua. Os grupos demonstraram que é preciso ter modelos, tanto dentro como fora da Igreja, e, principalmente para as mulheres, o fato de que a religião está se tornando secundária em muitos lugares, bem como a importância da família.
Mas a falta de consenso sobre questões polêmicas fica evidente em pelo menos um parágrafo do documento elaborado.
"Muitas vezes há um grande desacordo entre os jovens, tanto dentro da Igreja como no mundo mais amplo, sobre os ensinamentos da Igreja que são especialmente controversos hoje, como: contracepção, aborto, homossexualidade, coabitação, permanência de matrimônio e sacerdócio masculino", diz o documento.
O parágrafo ainda observa que muitos jovens católicos não entendem a doutrina da Igreja sobre estes assuntos de forma clara, e mesmo entre os que entendem há quem não concorde.
"Eles podem querer que a Igreja mude sua doutrina em consequência disso, ou pelo menos querem ter acesso a uma explicação melhor. Mesmo assim, querem fazer parte da Igreja".
Porém, de acordo com o mesmo parágrafo, outros "acabaram aceitando ou amando a verdade desses ensinamentos e desejando que a Igreja se mantenha em meio à impopularidade, transformando sua energia em proclamação alegre e uma doutrina mais profunda".
Algumas das questões que os participantes do encontro não chegaram a um consenso iam além da doutrina da Igreja sobre a moralidade sexual e o sacerdócio. Eles concordavam, por exemplo, sobre a necessidade de justiça social e que o mundo tenha paz, esteja em harmonia ecológica e tenha uma economia global sustentável. No entanto, a questão da migração foi outra história.
"Embora reconheçamos nosso chamado comum a cuidar da dignidade de cada pessoa humana, não há consenso sobre a questão do acolhimento de migrantes e refugiados", escrevem.
James Kelliher, da Inglaterra, foi de Westminster a Roma a pedido do cardeal de Westminster, Vincent Nichols. Assim como Carneiro, ele era um voluntário encarregado de ajudar a coordenar um dos grupos do Facebook.
Veterano da Jornada Mundial da Juventude, ele já foi voluntário no Rio, em 2013, onde conheceu sua esposa. Kelliher começou a trabalhar para a reunião pré-sínodo de casa algumas semanas atrás. Entre outras tarefas, ele tinha que aprovar os participantes do grupo de discussão on-line em inglês.
"Para poder entrar, eles tinham que responder a três perguntas", nenhuma pessoal demais, mas sim relacionadas à idade, que tinha que ser entre 16 e 29, e se estavam dispostos a seguir as regras, que incluíam, por exemplo, limitar as respostas a 200 palavras.
Kelliher concorda com Dominguez sobre o desafio que foi o grupo de quatro pessoas ter de resumir 1.114 comentários em um documento de três páginas, com um parágrafo para cada pergunta. No entanto, ele acredita que o trabalho realizado representa o que foi dito com honestidade.
"Acho que todos nós tentamos ser justos e reflexivos", declarou. "Não gosto de termos políticos como liberal ou conservador. Temos um grande espectro de opinião, e no documento final citamos as coisas que surgiram, mas temos que ter um sentido de quais foram os principais temas sobre os quais as pessoas falaram".
Além das questões controversas, o documento também apresenta a profunda reflexão que aconteceu durante a reunião de 19 a 24 de março, em Roma, e os jovens não tiveram medo de ser exigentes com a Igreja, sabendo que o documento que elaboraram será enviado ao Papa Francisco.
"Esperamos que a Igreja seja um ponto de referência sólido e possa nos enriquecer", escreveram. "Sonhamos com uma Igreja que nos ajude a encontrar a nossa vocação, não apenas em um sentido religioso, mas em um sentido mais amplo. Além disso, muitos de nós acreditam que a santidade é algo alcançável. Precisamos revitalizar o senso de comunidade que nos leva a um sentimento de pertença".
Eles também foram honestos em relação a suas realidades, tão diversas quanto as pessoas, muitas vezes diferenciando as situações das várias partes do mundo.
"Alguns jovens que vivem em regiões instáveis do mundo esperam ações muito concretas dos governos e da sociedade: o fim da guerra e da corrupção, a igualdade, a segurança física e financeira", diz o documento. "Outros, cujas necessidades primárias já foram atendidas, têm entre suas principais expectativas ideais mais elevados: paz, amor, confiança, igualdade, liberdade, justiça".
Em algumas seções, a discussão também demonstra que apesar de os jovens serem frequentemente acusados de não ter ideais ou planos em longo prazo, eles vislumbram um futuro melhor para si mesmos, reconhecem o papel da educação para isso e exigem que as gerações mais velhas assumam a responsabilidade de ajudar os jovens a construir um futuro melhor.
"Às vezes, acabamos descartando nossos sonhos", disseram os participantes do pré-sínodo. "Temos muito medo, e alguns de nós pararam de sonhar. Às vezes, nem sequer tivemos oportunidade de continuar sonhando".
Os jovens "valorizam a diversidade de ideias para o mundo global, o respeito aos pensamentos dos outros e a liberdade de expressão", mas também querem preservar sua "identidade cultural e evitar a uniformidade e a cultura do descarte".
Eles também buscam a aceitação dos pares e, apesar de a tradição católica e o Papa insistiram para que "não tenham medo", eles temem ser "o resto e ficar desconectados" e reconhecem que às vezes são "excluídos por serem cristãos em um ambiente social adverso à religião".
Mais concretamente, alguns têm medos enraizados em suas realidades nacionais, e muitos enfrentam instabilidade, violência, corrupção, exploração, feminicídio e outros crimes.
Em relação às novas tecnologias, os participantes do pré-sínodo foram muito específicos nas sugestões. Após reconhecer tanto os benefícios como os riscos impostos pelas redes sociais para as relações humanas, fazem duas propostas concretas.
"Em primeiro lugar, a Igreja deve avançar a Doutrina Social Católica publicando uma encíclica ou um documento de importância similar a respeito do uso correto das redes sociais e de tecnologias relacionadas", diz o documento do projeto.
"Em segundo lugar, a Igreja deve abordar a crise generalizada de pornografia, como casos de abuso infantil on-line e o sofrimento que causa na humanidade", escreveram.
A questão já havia aparecido antes, afirmando que a pornografia distorce a percepção do jovem sobre a sexualidade humana: "A tecnologia usada desta forma cria uma realidade paralela que ignora a dignidade humana".
O documento divide-se em três seções, refletindo sobre os desafios e as oportunidades dos jovens; fé, vocação, discernimento e acompanhamento - quatro conceitos fundamentais no documento de Francisco sobre a família, Amoris Laetitia, que já é resultado de sínodos episcopais anteriores; e atividades pastorais e de formação da Igreja.
Na segunda seção, escrita em itens, os jovens dizem que as experiências negativas que alguns tiveram com a Igreja acentuaram o fato de a fé ter se tornado individualista, e não uma experiência comunitária.
Também disseram que "muitas vezes esquecemos que a Igreja são as pessoas, não o prédio", e que os jovens querem ver uma Igreja que faça o que prega e seja testemunho da autenticidade rumo à santidade.
De acordo com Carneiro, o conceito não é utópico.
"Todos querem bons exemplos e pessoas em quem possam confiar e que mostrem sua humanidade: não precisam ser perfeitas, têm de ser coerentes", disse. "Posso cometer erros, mas é nisso que acredito e tento alcançar".
Ela observou que nem todos os que participaram do encontro são católicos: alguns são de outras denominações cristãs, outros são muçulmanos, judeus e até mesmo ateus.
Carneiro diz que é alguém que vive a doutrina da Igreja e dedica energia para viver o Evangelho; no entanto, afirmou, ter um compromisso forte como esse pode “tornar mais difícil para mim entender" os que pensam diferente.
Ela disse que o encontro em Roma trouxe a oportunidade de ter discussões honestas e colaborar com pessoas que têm perspectivas diferentes, em um ambiente onde o diálogo franco foi promovido.
"[A reunião] me ajudou a entender que, como católica, posso compartilhar minha fé melhor", disse, destacando que não se trata de proselitismo ou de convencer os outros a se converterem, mas de ajudar a eliminar a imagem "horrível" que muitos têm da Igreja devido ao "exemplo horrível que muitas pessoas mais velhas deram para nós, muitas vezes não sendo autênticos e coerentes".
Quando tudo tiver sido dito e realizado, disse Carneiro, ela espera que os bispos considerem o documento um feedback importante para "mudar muita coisa".
Porém, de acordo com ela, pelo menos, não se trata de mudar a doutrina, mas sim o comportamento. E isso se reflete no documento elaborado.
"Os jovens hoje querem uma Igreja autêntica", escreveram. "Por isso, querem dizer, especialmente à hierarquia da Igreja, que devem ser uma comunidade transparente, acolhedora, honesta, convidativa, comunicativa e acessível".
Uma Igreja credível, segundo eles, não tem medo de ser considerada vulnerável, admite rápida e honestamente os erros do passado e do presente e é composta por pessoas que podem errar e se equivocar.
"Como exemplos desses erros, há os vários casos de abuso sexual e má gestão da riqueza", escreveram.
Os participantes do encontro têm altas expectativas a respeito da Igreja. Eles querem ver uma instituição disposta a falar sobre temas polêmicos, envolvendo os jovens não com doutrina "aguada" ou respostas "pré-fabricadas" e que atinja os que estão à margem. Querem uma Igreja que lhes permita ser líderes, como uma "grande voz criativa", e que vá às ruas encontrar as pessoas onde elas estão.
Mas, acima de tudo, segundo eles, a Igreja "chama a atenção dos jovens ainda mais por suas raízes em Jesus Cristo".
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Consenso sobre moralidade sexual escapa à juventude que aconselha os bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU