Por: Ricardo Machado | 23 Mai 2017
No palco do tempo onde se encena a tragédia da Economia, o messias veste vários figurinos e vive em várias épocas, mas os roteiros seguem sem tantas alterações assim. Perceber estas nuances, sensíveis e sutis, é verdade, foi uma tarefa que Giorgio Agamben fez com certo rigor. “Um pequeno achado de Agamben me chamou atenção. A economia dá a possibilidade de organização dentro de uma ordem retórica para compreender as coisas.O governo transformou a economia do mistério em 'mistério da economia'”, pontua Alain Gignac, professor doutor e pesquisador, durante sua conferência A inversão da “economia do mistério” em “mistério da economia”.
“Quanto mais as pessoas tiverem a ilusão da democracia, maior será a biopolítica. Agamben tem o apelo de um novo apóstolo que tem a missão de mostrar a finalidade de um sistema que dissimula sua finalidade”, avalia Gignac na sua fala que integrou a programação do VI Colóquio Internacional IHU – Política, economia, teologia. Contribuições da obra de Giorgio Agamben, que ocorreu na tarde da terça-feira, 23-5-2017, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.
Alain Gignac durante conferência na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros - IHU (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
O campo de atuação de Gignac é a teologia, onde, como ele mesmo propõe, é um dos poucos que levam a sério a obra de Giorgio Agamben. “Ele é um escriba que tira o novo e o velho a partir de Paulo. Ele gosta de sacudir o mundo exegético”, descontrai. “A exegese de Paulo, na perspectiva histórica inclusive, se repete muito. Ela sofre de uma verborragia e vai direto ao essencial e estabelece relações das quais ninguém pensava antes. Agamben devolve a Paulo seu status de pensador político”, frisa.
Ao mesmo tempo, o conferencista não abandona uma certa criticidade ao pensamento do italiano e provoca. “Será que as hipóteses de Agamben não estão coerentes demais? Será que ele não usa os exemplos bíblicos apenas para validar sua perspectiva filosófica”, questiona Gignac. “Há sobre ele uma aura de que 'só os iniciados podem lê-lo', mas a nossa tarefa é trabalhar também sobre essa perspectiva”, sugere.
Qualquer tentativa de classificar ou mesmo de explicar o pensamento complexo de Agamben parece sempre um exercício precário de sintetização, mas ao mesmo tempo necessário para podermos avançar nos debates. “Agamben foi marcado pelo estruturalismo e por isso ele diz que o que mudou foi a assinatura e por isso ele fala de mudança de conotação em relação à economia. O que aconteceu foi a transposição para uma assinatura que glorifica o poder, que dá coesão ao dispositivo econômico”, destrincha Gignac.
Ao analisar etimologicamente as questões relacionadas à economia, Gignac lembra que o termo oikonomia, em grego, diz respeito ao gerenciamento/normas (nomein) da casa (oikos). “Há três pontos importantes implicados na definição de economia:
1) as relações despóticas senhores-escravos;
2) as relações paternas pais-filhos; e
3) as relações gâmicas marido-mulher. O que nós mantivemos foram somente as relações despóticas que levaram à economia que nós temos”, sinaliza Gignac.
“Para Agamben economia significa muitas coisas. A oikonomia foi traduzida em latim por dispositio, em um sentido mais próximo do cálculo matemático. Vemos que ele gosta de desenterrar termos e é daí que ele resgata a ideia fundamental de Homo Sacer que é a lei de 'dispensação', da isenção de se cumprirem as leis”, ressalta o pesquisador.
Público participou de conferências ao longo de toda a tarde da terça-feira, 23-5-2017, no IHU
Ainda que Gignac seja um entusiasta da obra de filósofo italiano, ele foi capaz de trazer luz a um aspecto pouco iluminado de sua filosofia, que também parte de seu agnosticismo. “Agamben em busca de uma estrutura que explique a política, ignora a dimensão espiritual. Encontramos em Paulo uma concepção mística em que há uma experiência em comunidade viva e concreta”, recupera Alain Gignac.
Por outro lado, o conferencista parece compreender a estratégia por traz da retórica agambeniana ao trabalhar a ideia de economia a partir de um jogo de conotações entre as diferentes assinaturas nos regimes de poder, no entanto, pontua Gignac, “a inversão que Agamben observa talvez não seja tão decisiva quanto ele alega, mas resolve sua argumentação que visa mistificar a economia”. “Há um ponto cego na análise da trindade e é justamente ignorar o discurso paulino em termos de participação mística na economia”, finaliza.
Alain Gignac é professor assistente na Faculdade de Teologia e Ciências da Religião da Universidade de Montreal, do Canadá, desde 1999, onde leciona Novo Testamento. Especializado no corpus paulino, ele interessa-se pelos métodos de análise sincrônica (retórica, estrutural, narratológica e intertextual) e os seus impactos hermenêuticos. A sua investigação Ler a Carta aos Romanos hoje, subvencionada pelo governo canadense, propõe-se reler a carta paulina aos romanos com estes métodos, mas também sobre o horizonte do questionamento moderno/pós-moderno: como o escrito paulino propõe uma identidade e um agir no seu leitor? De sua produção acadêmica, citamos Juifs et chrétiens à l’école de Paul de Tarse. Enjeux identitaires et éthiques d’une lecture de Rm 9-11 (coll Sciences bibliques 9, Montréal, Médiaspaul, 1999, 342 p.).
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No teatro da Democracia, a tragédia da Economia. Um olhar sobre a obra de Agamben - Instituto Humanitas Unisinos - IHU