24 Novembro 2014
L’uso dei corpi [O uso dos corpos], livro do filósofo italiano Giorgio Agamben, aborda o problema de uma vida feliz a ser conquistada politicamente. Mas, depois de se despedir das teorias marxistas e anárquicas sobre o poder, o resultado é uma inclinação desnorteadora sobre o nada.
A análise é do filósofo italiano Toni Negri, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 19-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É um grande livro metafísico, este de Giorgio Agamben, que explicitamente conclui a história do Homo sacer (L’uso dei corpi, Neri Pozza Editore, 366 páginas). Justamente por ser metafísico, é também um livro político, que, em muitas de suas páginas, nos restitui o único Agamben político que conhecemos (quando "política" significa "fazer", e não simplesmente fazer astrologia sobre a dominação, à maneira dos juristas e dos ideólogos), o de La comunità che viene. Mas em sentido inverso, invertido.
O problema é sempre o de uma vida feliz a ser conquistada politicamente, mas, depois de 20 anos, essa busca não se conclui nem na construção de uma comunidade possível, nem na definição de uma potência – a menos que se considere como tal a "potência destituinte", desejada na conclusão da pesquisa.
Nessa perspectiva, a felicidade consistiria na singular contemplação de uma "forma de vida" que recomponha zoé e bíos e, por outro lado, na desativação da sua separação, imposta pela dominação.
Na "forma de vida" assim definida, a potência se apresenta como uso inoperoso; a "vida nua" não seria, então, mais isolável por parte do poder; aqui, no entanto, estaria o princípio do comum: "comunidade e potência se identificam sem resíduos, porque o inerir de um princípio comunitário em toda potência é função do caráter necessariamente potencial de toda comunidade".
Só então teríamos de novo uma política da felicidade. E aqui começa o difícil: aquele "só então", aquele futuro... Se tudo isso ocorre no tempo, em um tempo que ainda não terminou – esse percurso requer uma estranha teleologia: uma forma de vida que seja também uma forma de esperança?
No entanto, já em Avvertenza, Agamben nos desacostuma a toda a ilusão – este livro não é "nem um novo início, nem uma conclusão", a teoria "apenas limpa o campo dos erros", e, quando os reduziu à inoperosidade, a teoria abre à prática.
Ausência de movimento
Se as coisas estão assim, será preciso, em primeiro lugar, fixar um instrumento, construir um ponto de vista que persiga esse horizonte ainda não terminado. Como dar futuro à forma de vida e potência à inoperosidade: à "potência destituinte"?
A trama do livro se concentra nessa tarefa. Voltemos um momento para trás. Sabemos que na vida nua reside a condição do exercício do poder. É na exceção que o homo sacer está incluído/excluído da cidade e é na excepcionalidade que o poder se fundamenta.
Este, de tom schmittiano, nada mais é do que uma nova maneira de dizer Thomas Hobbes. Sobre essa articulação, no entanto, a insistência tem sido extrema. Como sair dessa condição? La comunità che viene, em 1990, nos mostrava o negativo, a falta, redescobertos e cobertos pelo desejo – hoje, ao inés, há apenas a potência destituinte, a convicção de que não há alternativa para a fuga no confronto com o poder. O poder é domínio. Ele não tem dinâmica interna nem relação, defende Agamben. Nenhum movimento: portanto, por exemplo, todo poder constituinte não é heterogêneo, mas consubstancial ao poder constituído; e todo arché é, ao mesmo tempo, origem e domínio, fonte e ordem – portanto, essas relações, em todo o caso, devem ser desativadas, porque, nessa perspectiva, a arqueologia filosófica só pode chegar a um ponto de origem ambíguo, e se trata, segundo Agamben, de desativar essa origem.
A sua desativação é a inoperosidade. Resta o problema: e se, em vez da relação arquetípica, origem-comando, houvesse apenas um modelo de mistificação, de legitimação de um poder soberano? É a essa questão que o filósofo político deve responder: o que fazer? Como abrir a temporalidade?
Agamben, a esse escopo, tinha se confiado a Heidegger – agora não mais. Já no Reino e a glória, o afastamento de Heidegger parecia particularmente forte. Aqui, é confirmado, e o é de maneira definitiva. A ruptura, de fato, diz respeito à própria dimensão do ser heideggeriano, a sua relação temporal constitutiva, a tonalidade emotiva fundamental que domina o pensamento de Heidegger.
É uma possibilidade ainda muito densa, muito cheia de temporalidade: ela ainda atribui ao homem a humanidade como tarefa, e essa determinação pode sempre se abrir a uma indicação política, a uma tarefa política (afirmativas? Reais? O nazismo de Heidegger certamente o foi).
E, mesmo quando o vivente se reduziu, no último Heidegger, a um existir que aferrou a sua animalidade e fez dela a possibilidade do humano, Agamben considera tudo isso ainda interno a uma história metafísica do ser, imputa-o à incapacidade de se subtrair da relação e da obra. Que extrema, mas também estranha, conclusão!
Para evitar uma resposta à questão da temporalidade, ele também – Agamben – se curva sobre a animalidade, regredindo o problema, coloca-o sobre um naturalismo mítico. Todo o Intermezzo II mostra a desarticulação da temporalidade e do projeto em Heidegger como definitivamente contraditória e indissoluvelmente ligada à incapacidade de distinguir o "ser-jogado" [essere-gettato] e o "ser-levado" [essere-portato].
Os pares irredutíveis
Também a Foucault, Agamben havia dado confiança ao tentar resolver esse problema da temporalidade. Agora não mais. De fato, igualmente violenta é aqui a ruptura com o pensamento de Foucault e com a temática biopolítica.
O que a Agamben é insuportável em Foucault é o fato de que ele evitou esse confronto com a história da ontologia que Heidegger tinha se dado como tarefa preliminar (mas não era justamente o que ele criticava a Heidegger?).
A forma de vida em Foucault nunca se destaca da relação consigo e com os outros, remete a uma subjetivação ética que se organiza em relações estratégicas – tudo isso é vivamente rejeitado por Agamben. É só no ingovernável, no inoperoso, portanto, visto do ponto de vista ético, que a vida se dá.
No Intermezzo I, Agamben faz as contas com Foucault, e as faz novamente em torno do par poder constituinte-poder constituído, subjetivação-governo que constituem, para ele, uma relação ontologicamente irredutível.
"O que Foucault não parece ver (...) é a possibilidade de uma relação consigo e de uma forma de vida que nunca assumam a figura de um sujeito livre; ou seja (se as relações de poder necessariamente remetem a um sujeito) de uma zona da ética totalmente subtraída das relações estratégicas, de um Ingovernável que se situa para além tanto dos estados de domínio, quanto das relações de poder".
Não era difícil imaginar que isso iria acabar assim, isto é, na repetição de uma fuga do ser na qual até mesmo o bater contra o nada é convertido novamente em felicidade. Agamben, depois de tantos anos, corre o risco de se encontrar de acordo com Massimo Cacciari. Qu essa inoperosidade devia se realizar em um abraço sem alegria de gerar e onde só o contato, pontual e desesperado, com o nada desse testemunho do ser – os volumes anteriores, todo o curso do Homo sacer fazia suspeitar. Agora está dito. Quanta dor está dentro disso.
O problema da técnica
Mas tomemos um por um esses desvios da inoperosidade. Tomemos, por exemplo, a afirmação de que o poder constituinte está totalmente ligado e não é nada mais do que imanente ao constituído. O poder constituinte é, acima de tudo, luta contra o poder constituído: certo, mas também luta contra si mesmo.
O poder constituinte é, sempre, desejo, movimento, relação de força. No biopolítico, ele é remetido ao conceito de trabalho-vivo, é, portanto, posto em uma relação que o torna, ao mesmo tempo, assimétrico em relação ao poder constituído e decisivo, no entanto, não só ao requalificar a realidade deste último, mas também ao superar a sua determinação. Se o desvio inoperoso de Agamben pretende esclarecer essa dinâmica constituinte e, portanto (sem que ele o queira), esclarecer também o efeito destituinte que nele vigora, o desvio é útil.
Há outro ponto particularmente interesse nesse livro e é a análise largamente realizada por Agamben sobre o pensamento heideggeriano da técnica. Agamben retoma de longe essa história, a partir da figura do escravo, tal como definido em Aristóteles – para chegar a conclusões que invertem o destino niilista da tecnologia em Heidegger.
"A escravidão está para o homem antigo como a técnica para o homem moderno: ambas, como a vida nua, guardam o limiar que permite o acesso à condição verdadeiramente humana, e ambas se revelaram como inadequadas para esse escopo, a vida moderna revelando-se, no fim, como não menos desumana do que a antiga".
Porém, por trás da desconsolada constatação, há aqui uma recuperação (finalmente!) do corporeidade, do ergon (trabalho) como uso operoso do corpo – se a técnica tem um destino eticamente negativo, há, entretanto, aqui pela primeira vez uma recuperação do corpo ao destino, uma "instrumentalidade animada", por trás da qual aparece com força aquela mesma relação constitutiva-destitutiva que o poder constituinte propunha. Uma reapropriação de capital-fixo por parte do trabalho vivo?
E, ainda, quando queremos experimentar o mundo como bem supremo, quando, pondo a recusa à propriedade, ao próprio, reconhecemos o uso em relação ao inapropriável – mesmo nesse caso, aquela ambiguidade intrínseca da relação se rompe: porque, de um lado, há no uso o risco de se anular no inapropriável; de outro, dentro dessa tensão ao inapropriável, reconhecemos a enorme positividade do ser comum da potência. Ao animal, a primeira destinação; ao homem, a segunda. O franciscanismo viveu essa alternativa.
E é assim em toda parte, nesse livro, onde, todas as vezes em que a relação põe com toda a sua força a obra em comparação com o efeito negativo da dominação que a devora e a destrói, todas as vezes nos encontramos na alternativa entre o fechar a relação fora da relação mesma, na ilusão abstratamente lógica de um estar fora de toda relação – de imergir em uma espécie de béance, uma inoperosidade como vazio impossível de preencher – ou, como em toda experiência radical de imanência (como em Spinoza), lá se encontra o outro chifre da contradição, o da plenitude operosa, ética, política da bem-aventurança.
O fundamento do sujeito
Para mim, que sou marxista, essas parábolas agambenianas causam o efeito de assistir a um espetáculo em que alguém captou o problema e não quer ou, melhor, não pode resolvê-lo. O que significa desativar o dispositivo do operar? Para um marxista, significa desativar a relação entre dominação capitalista e o trabalho vivo: uma relação que está sempre fechada dentro do capital, mas que, ao mesmo tempo, está sempre fora, assimétrica, autônoma do capital – uma relação que o trabalho vivo mostra ser totalmente fora de medida no lado da produtividade que só o trabalho vivo produz.
O trabalho vivo pode se separar do capital ou ser separado do capital? Pode, organizando-se e rompendo a relação. Uma ruptura nunca plena, mas que sempre se repete e se repetirá, inscrevendo-se ontologicamente na história do ser. Recusar-se a ver essa relação como o único destino presente em ação é o defeito de Agamben.
Agamben, nesse seu trabalho, no entanto, de modo claro e positivo, definiu a situação atual da pesquisa ontológica. Depois de Heidegger, no pós-moderno, a ontologia se define não mais como o fundamento do sujeito, mas como uma máquina linguística, prática e cooperativa, como tecido da práxis, e o dispositivo ontológico como eixo de recomposição constituinte do operar e da linguagem no comum.
Essa requalificação da ontologia leva para bem longe do nada. Um bando de "filósofos não profissionais", de Nietzsche a Benjamin, passando por Foucault, começou a ler essa nova relação ontológica como decisiva no horizonte do operar. E reabriu para Marx um campo de ação. Este Agamben parece o desígnio negativo dessa história – mas o reconhecimento de uma nova era da ontologia é pleno. Obrigado!
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Agamben: quando a inoperosidade é soberana. Artigo de Toni Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU