11 Mai 2013
O Prof. Dr. Selvino Assmann, da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC analisou a obra Altíssima pobreza (Vicenza: Neri Pozza, 2011), de Giorgio Agamben, no IHU Ideias desta quinta-feira, 09-05-2013, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Ele apontou que o conceito central desse livro intitula-se “forma-de-vida”, e que já havia sido definido na obra Meio sem fim. Notas sobre a política (1996). Assmann frisou que a partir desse escrito todas as categorias políticas devem ser repensadas à luz do poder soberano e da vida nua. “Tal obra é programática”, pontuou. A reportagem é de Márcia Junges.
Agamben escreve que o poder a ser enfrentado é a dicotomia vida nua e forma-de-vida. Na promessa de superar a vida nua com a forma-de-vida, esse pensador formula no início de Altíssima pobreza a pergunta sobre como pensar forma-de-vida, ou seja, uma vida humana totalmente subtraída à sua tomada pelo direito e um uso dos corpos e do mundo que nunca se substancie numa apropriação. Como pensar a vida como aquilo de que nunca se dá propriedade, mas somente um uso comum? Como liberar o ser humano do direito, da propriedade, ou se quisermos, como liberar o ser humano da primazia do econômico, que coincide com a primazia do direito? Como nos livrarmos da juridicização e da economização da vida? Assmann reiterou que quanto mais a vida é juridicizada, mais é economicizada, e vice versa. “Há uma vinculação indiscutível entre o econômico e o jurídico, que não é apenas entre o político e jurídico, ou entre político e econômico”.
Cenobitas e anacoretas
“Há uma impossibilidade de haver ética na política se não for colocada esta ética na economia”, advertiu Selvino Assmann. Agamben traz como contribuição à Filosofia insistir na importância de se pensar e fazer a Economia via Filosofia. Talvez esse seja um convite para que a Teologia também faça o mesmo caminho, destacou. Altíssima pobreza apresenta, nesse contexto, que o que interessa a Agamben é analisar relação entre regra e vida, e não mais lei e vida. Em geral, estamos habituados a colocar como problema a relação entre direito e vida, diz Assmann . Regra é um termo tomado da Idade Média, das regras monásticas. Assim, Agamben volta àquele tempo para estabelecer sua discussão.
Ao centrar sua análise nos franciscanos do século XIII, Agamben faz uma incursão no que é a vida monástica na tradição cristã e toma como ponto de partida o cenobitismo, pensando naqueles monges que têm uma vida em comum e através dela esperam alcançar uma vida perfeita. O cenobita e o anacoreta, que vive sozinho, são diferenciados por Agamben. Para o filósofo, a vida perfeita é aquela que é vivida em comum. Isso os cenobitas levam aos franciscanos, e não os anacoretas.
Dentro desse contexto, Agamben fala em Altíssima pobreza sobre o uso do relógio, e mostra como foram, de alguma forma, os que viviam em comum que fortaleceram a importância do relógio porque ele escandia o ritmo da vida das comunidades. Isso tornava a vida em comum uma vida marcada por essa escansão. O horário dessa vida comunitária era decidido em comum. Na vida monástica vale mais a técnica de convivência. Mas qual é a relação entre regras monásticas e o direito público?, perguntou ao público.
Primazia do econômico
Assmann chama a atenção para a diferenciação que Agamben faz entre direito de uso e licença de uso. Os franciscanos defendem que para eles só existe não o direito de usar as coisas, mas a licença de usar. Isso porque ninguém se julga dono de um objeto que alguém também pode usar. Assim se pensa em licença de uso, disse o professor da UFSC recordando o conceito de usos de fato, do jurista Paulo Grossi.
Seguindo a tradição da igreja, para ser um franciscano, não se pode ser proprietário de nada. Na bula do Papa João XXII consta que não é possível ser gente, nem franciscano, sem ser proprietário de alguma coisa. Agamben dirá, a partir disso, que há uma fundamentação teológica para a primazia do econômico. Qual é a diferença entre ser proprietário e usar alguma coisa? Dessa discussão histórica vem na modernidade a distinção entre valor de troca e de uso. “Sem isso é impossível entender Marx”, ressalta Assmann . Marx assinala que o valor de troca se tornou determinante. O pensamento católico medieval seria, de alguma forma, o início do capitalismo. Giacomo Todeschini, historiador italiano, escreveu quatro livros sobre a Idade Média defendendo essa tese de que o espírito capitalista nasce com os franciscanos. É lá que se decidiu uma primazia do econômico para viver.
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Altíssima pobreza e a primazia do econômico. Um livro de Agamben em debate - Instituto Humanitas Unisinos - IHU