07 Mai 2017
O livro Amoris Laetitia: ponto crucial para a Teologia Moral? (Ediciones San Pablo) foi apresentado no dia 04 de maio na Pontifícia Universidade Gregoriana e contém um posfácio, assinado por dois dos editores, que se ocupa diretamente do tema das críticas contra a Exortação Apostólica. Stephan Goertz, professor de Teologia Moral na Universidade de Mainz, e Antonio Autiero, que foi professor de Teologia Moral na Universidade de Münster, publicam um capítulo final intitulado “A propósito de dúvidas, erros e distinções”.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 05-05-2017. A tradução é de André Langer.
Em primeiro lugar, os dois estudiosos recordam que, para a situação e os divorciados recasados, o Papa Francisco “esclareceu que para ele a solução pastoral contida em seu documento sem dúvida é conciliável com a lei de Deus, com a instância da misericórdia e com o conceito cristão de consciência formada”. É, portanto, possível que, em certos casos e em determinadas condições, os divorciados recasados possam receber o sacramento da Penitência e da Eucaristia, “quando para eles se configura – escrevem Goertz e Autiero – o que a Amoris Laetitia disse sobre o discernimento ético sobre sua situação de vida, conduzido de maneira diferencial e cuidadosa”. De fato, a Amoris Laetitia afirma: “Já não é possível dizer que todos os que se encontram em alguma das chamadas situações ‘irregulares’ vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante” (n. 301).
Um papel central nas críticas contra a Exortação, observam os estudiosos, tem a categoria dos atos “intrinsecamente maus”. Assim, por exemplo, a já famosa carta que contém as dúvidas dos quatro cardeais diz: “Na Exortação Apostólica pós-Sinodal Amoris Laetitia (cf. n. 304) ainda é válida a doutrina da Encíclica Veritatis Splendor (cf. n. 79) de São João Paulo II, baseada na Sagrada Escritura e na tradição da Igreja, sobre a existência de normas morais absolutas, que valem sem exceção e que proíbem atos intrinsecamente maus?”
“Uma resposta simplificada com um sim ou um não – diz o posfácio – não estaria em sintonia com a discussão teológico-moral sobre os atos intrinsecamente maus. A matéria é muito mais diferenciada do que a pergunta poderia sugerir. Segundo os autores das ‘dubia’, a posição da Amoris Laetitia, em suma, deixa imaginar a plausibilidade de um ‘homicídio’ legal”.
A referência a essa passagem da carta dos cardeais Burke, Caffarra, Brandmüller e Meisner critica a insistência nas circunstâncias atenuantes e nas intenções subjacentes. Os quatro cardeais afirmam: “Para essas teorias, a consciência poderia, efetivamente, legitimamente decidir que, num certo caso, a vontade de Deus para mim consiste em um ato mediante o qual eu transgrido um dos seus mandamentos. ‘Não cometerás adultério’ seria visto apenas como uma norma geral. Aqui e agora, e dadas as minhas boas intenções, cometer adultério seria o que Deus realmente me pediria. Nestes termos, poderia, no mínimo, elaborar hipóteses de casos de adultério virtuoso, de homicídio e de perjúrio obrigatório seriam”.
Justamente neste ponto, segundo os autores do posfácio, “deve-se constatar uma insensata” contradição de termos. “Um ato de assassinato moralmente injustificado não pode ser ao mesmo tempo moralmente legítimo. Matar já é em si mesmo um termo com conotação negativa, como, por exemplo, furto ou mentira. A questão é, por isso, pouco sensata, se semelhantes atos podem ser permitidos ou não. Claro, mas – acrescentam Goertz e Autieri – é uma questão eticamente sensata se qualquer ato de homicídio é um assassinato, qualquer alienação de patrimônio alheio é um furto ou qualquer afirmação falsa é também uma mentira. A tradição moral conhece nestes três casos circunstâncias que tornam admissível um ato de homicídio, uma alienação do patrimônio alheio ou uma afirmação falsa”.
Por isso, os atos em questão “não valem como atos intrinsecamente maus, com obrigação moral sem exceção”. O adultério é um termo com conotação negativa, “a tal ponto que, obviamente, nunca poderia existir um ‘adultério virtuoso’. Mas com isto a questão não foi absolutamente esclarecida, se, por exemplo, uma pessoa, depois de um matrimônio catastrófico do ponto de vista humano, privado de amor e cujo caráter de imagem do amor de Deus foi destroçado, não pode encontrar em uma nova relação essa plenitude humana e espiritual, vivida também nas formas expressivas de sua existência corporal. A Amoris Laetitia não exclui completamente a possibilidade – escrevem os estudiosos –, embora com isso não se possa dizer que aprove o adultério”.
“Parece haver o medo – lê-se no posfácio – de que no âmbito da sexualidade humana já não haja atos absolutamente condenáveis e vinculantes para a consciência se já não se reconhece explicitamente o ensinamento da Veritatis Splendor sobre os atos intrinsecamente maus. Mas é possível alimentar seriamente esta dúvida? O que a Teologia Moral nos diz a respeito é muito claro: existem normas morais que valem de maneira universal e categórica, e existem atos que podem ser qualificados como intrinsecamente maus, no sentido de que para eles não existe nenhuma justificação possível”.
Por isso, os dois professores de Teologia Moral afirmam que se pode “facilmente dissipar a dúvida” sobre a convicção de que existem realmente instâncias morais, cuja validez é incondicional. “Claro que existem preceitos morais absolutos. Mas também há um debate considerável na Teologia Moral sobre a questão de se todos esses atos, que nos recentes pronunciamentos do magistério (sob a influência do pensamento neoclássico sobre a sexualidade e o matrimônio) são adscritos a este tipo de preceito, realmente pertencem a elas enquanto atos intrinsecamente maus”.
Assim, pode-se perguntar se realmente “qualquer sexualidade vivida em um segundo matrimônio” representa, por si só, um ato de adultério e de pecado grave, “inclusive quando, por exemplo, a anterior “íntima comunidade de vida e de amor” (Gaudium et Spes, n. 48) já não existe mais. É preciso evitar crer que semelhantes questões sejam consideradas fechadas ou resolvidas uma vez por todas, à luz da lei divina”.
“A ideia de conjunto de que com a Familiaris Consortio e a Veritatis Splendor se tenha codificado uma doutrina completamente inatacável do ponto de vista da Teologia Moral, uma doutrina que se baseia solidamente na Sagrada Escritura e na Tradição, uma doutrina que não requer mais desenvolvimento, provocou bloqueios no pensamento e na ação da Igreja católica. Com a Amoris Laetitia, o Papa Francisco propõe-se a oferecer um impulso para continuar a busca, inclusive neste campo”.
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Amoris Laetitia, uma dúvida sobre as “dubia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU