Diaconisas e subsidiariedade em uma Igreja fragmentada

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

23 Agosto 2016

Quase três semanas após o anúncio da comissão vaticana sobre diaconisas, ainda não temos muita informação sobre a sua pauta ou seu calendário. Também não sabemos o que esta comissão poderá resultar: um relatório, um estudo, uma recomendação para o papa? Será que este resultado vai ser tornado público? Mas mesmo se a comissão resultar em um diaconato feminino, isso significará necessariamente que veremos diaconisas em toda a Igreja?

O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos EUA, publicado na revista Commonweal, 19-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Esta é uma das perguntas que me fiz quando li o editorial da revista América em favor de um diaconato feminino. Uma passagem em particular parece oferecer garantias aos que se opõem à ideia:

Portanto, se a Igreja decidir ordenar diaconisas, a Santa Sé deveria tornar esta prática lícita, mas não obrigatória. Devido à ampla variedade de situações sociais, eclesiais e políticas ao redor do mundo, o discernimento sobre como, e quando, diaconisas podem ser integradas à vida de uma Igreja local deveria respeitar a autonomia das igrejas locais sob a liderança do bispo local (em conformidade com o chamado para uma maior subsidiariedade que o Papa Francisco fez repetidas vezes em “A alegria do amor”).

O problema é que na exortação Amoris Laetitia, de Francisco, o conceito de “subsidiariedade” é empregado em referência a problemas socioeconômicos que afetam a relação entre Estado, mercado, sociedade e famílias, e não à diversidade em problemas disciplinares e litúrgicos dentro da Igreja.

Nesse sentido, a subsidiariedade vem, sobretudo, da história do ensino social católico; em eclesiologia, a maioria dos autores prefere falar sobre a “autonomia” das igrejas locais quando pensam a respeito da subsidiariedade. Um dos maiores canonistas do século XX, Eugenio Corecco (1931-1995), escreveu com muita propriedade sobre a inadequação de usar a subsidiariedade para lidar com questões teológicas que possuem valor universal e, portanto, envolvem a Igreja inteira.

A forma como a eclesiologia sobre “autonomia” se desenvolveu no século XX esteve grandemente baseada na teologia histórica e na experiência das conferências episcopais nacionais (vejamos a reforma litúrgica durante e após o Vaticano II). O problema é que a maneira como o partidarismo e a politização no Ocidente se desenvolvem na Igreja Católica é, em grande medida, um reflexo da crise nas conferências nacionais dos bispos (com a Alemanha sendo possivelmente uma exceção).

O impacto disso sobre a questão das diaconisas é que uma abordagem individual, caso a caso, para a introdução de um diaconato feminino poderia, na verdade, levar a uma implementação de diocese em diocese, com alguns bispos felizes ao anunciar a suas paróquias sobre a acolhida de diaconisas e outros felizes por apresentarem-se exatamente com uma atitude oposta. (Algo assim pode estar já acontecendo com a recepção de Amoris Laetitia quanto ao que este documento diz sobre a situação dos católicos divorciados e recasados.)

Como (e se) esta reforma irá acabar sendo realizada dirá bastante sobre como o catolicismo global está estruturado hoje. Por séculos, impérios impuseram regras à Igreja e vice-versa; então, nos últimos séculos, o espaço operacional para a Igreja foi o Estado-nação. As conferências episcopais foram, no século XX, a tradução católica do nacionalismo para dentro da estrutura da Igreja, com mais ou menos um século de atraso após a crescente onda de nacionalismo. Agora, as crises do Estado-nação e do nacionalismo correspondem à paralisia das conferências dos bispos. Não é só a aversão, em algumas delas, a uma plena recepção do pontificado do Papa Francisco; é também um dos preços que o catolicismo tem de pagar pela globalização.

É de se perguntar o que aconteceria se tivéssemos de implementar uma grande reforma, como a reforma litúrgica de 50 anos atrás, na Igreja Católica globalizada porém, ao mesmo tempo, fragmentada de hoje. O que o editorial da America parece sugerir, penso eu, não é a possibilidade de que alguns episcopados em continentes separados possam decidir-se contra ter diaconisas. Em vez disso, ele dá a entender que a fragmentação passe a se dar nas regiões locais dentro de um país específico, ou mesmo no nível das dioceses. Se começarmos a ver tais fissuras, poderemos estar à procura de um tipo bem diferente de mapa da Igreja mundial.

Leia mais...

Católicos estadunidenses, Trump e a autobiografia de uma nação. Artigo de Massimo Faggioli

Um enorme fosso separa o Papa Francisco e os tradicionalistas litúrgicos. Artigo de Massimo Faggioli

"O tesouro da Igreja reside no Evangelho, e não em uma determinada cultura católica ou em uma determinada ideia católica do passado". Entrevista especial com Massimo Faggioli

Diaconisas e subsidiariedade em uma Igreja fragmentada

Diaconisas? Sim. Diáconos? Talvez

Diaconisas: e agora? Artigo de Phyllis Zagano