“A Amoris Laetitia não muda uma única vírgula da doutrina; no entanto, muda tudo”, afirma cardeal

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

28 Outubro 2016

“Sim, e ponto”. O cardeal Walter Kasper fez sua a resposta à pergunta sobre a possibilidade de que os católicos divorciados recasados possam comungar dada pelo próprio Papa Francisco.

A reportagem é de Cameron Doody e publicada por Religión Digital, 27-10-2016. A tradução é de André Langer.

O cardeal acaba de publicar um artigo científico na revista alemã Stimmen der Zeit (Revista para a Cultura Cristã) na qual reitera que a exortação apostólica Amoris Laetitia abre a porta para uma plena participação na vida da Igreja por parte de pessoas que se encontram em situações “objetivamente irregulares”. Além disso, Kasper sustenta – contra vozes como as dos cardeais Burke e Müller – que A Alegria do Amor goza, tanto por seu “caráter formal” como por seu “conteúdo”, de todo o peso de um documento magisterial.

“Por trás do tom pastoral do documento pulsa uma postura teológica bem pensada”, defende o cardeal da Amoris Laetitia, documento no qual o Papa “respeitou o sentir da maioria de dois terços do Sínodo sobre a Família”. Se ficou alguma “confusão” após as interpretações “semi-oficiais” que continuam sendo produzidas, afirma Kasper, ela foi provocada por “terceiros” que “se afastaram” do sensus fidei e da vida do Povo de Deus. Com a Amoris Laetitia, o Papa “tem o sentido da fé da grande maioria dos fiéis ao seu lado”, escreve o cardeal. “O documento não muda uma única vírgula da doutrina”, disse, “mas a muda inteiramente”.

A chave da exortação, segundo o cardeal, reside em “sua maneira realista, aberta e relaxada de abordar a sexualidade e o erotismo”, que não procura “nem doutrinar nem moralizar”. “Tomando-a com pinças”, prossegue, “pode-se dizer que a Amoris Laetitia distancia-se da visão agostiniana principalmente negativa sobre a sexualidade e se volta para uma perspectiva tomista positiva sobre a criação”.

A influência de Santo Tomás de Aquino que Kasper vê na exortação se faz sentir de duas formas. Por um lado, na sua insistência em que o ideal moral – neste caso, o matrimônio para toda a vida – é um optimum fora do alcance de muitos. Por outro lado, o cardeal faz alusão ao deslocamento da “moralidade legal” para a “moralidade da virtude” como outro exemplo da influência do Doutor Angélico sobre a exortação apostólica. “Muitas vezes, temos que escolher o mal menor”, escreve Kasper. “Na vida, não há preto e branco, mas diferentes matizes e sombras”.

Como paradigma desta moralidade dos cinzentos da vida real que propõe, Kasper olha para a dificuldade que as pessoas têm de convencer-se da existência, e verdade, de uma “norma objetiva”, conceito que lhes parece “infinitamente distanciado do mundo e da realidade”. “A consciência de muitas pessoas é, muitas vezes, cega e surda ao que se apresenta a elas como a Lei Divina”, reconhece o cardeal: algo que, embora não perdoe seu “erro”, torna-o compreensível e justifica uma atitude de “compreensão e misericórdia” para com eles.

Já no campo das disputas sobre se as pessoas divorciadas e recasadas pelo civil podem ou não tomar a comunhão, Kasper defende, antes de qualquer coisa, que a “Amoris Laetitia assenta as bases para a mudança da práxis em casos individuais razoáveis”. Exatamente quando se dão as circunstâncias oportunas para que um católico em uma nova relação possa beneficiar-se do Sacramento é algo que o documento do Papa deixa propositalmente em aberto, entre outras coisas porque nos anima a olhar além da letra da lei e para o seu espírito.

“Não precisamos nos centrar nas notas”, opina Kasper, em referência à famosa nota de rodapé 351 no capítulo 8 da exortação. “Muito mais importante é que a integração gradual (da pessoa), que é o tema central, tem como propósito e fim seu acesso à Eucaristia em uma participação plena na vida da Igreja”. Tanto é assim que a famosa resposta “sucinta” que o Papa Francisco deu sobre a questão da comunhão para os recasados – “Sim e ponto” –, mesmo que não se encontre dessa maneira na Amoris Laetitia, “responde ao seu teor geral”.

Sobre a possibilidade de que a presença de divorciados comungando provoque escândalo, Kasper dá uma resposta encorajadora: também há circunstâncias em que negar os sacramentos é tão escandaloso quanto oferecê-los, e se pergunta pelo que a Igreja deve fazer em tais situações de proibição. “Não nos resta outra coisa que ‘ser misericordiosos como o Pai’”?, afirma o cardeal.

Leia mais