27 Julho 2013
Rezar o que é, senão ousar? Ousar aproximar-se de Deus; ousar manter-se ante a sua face e estar certo de que nos atenderá, muitas vezes até além dos nossos desejos.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras 17º Domingo do Tempo Comum. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Gênesis 18,20-32
2ª leitura: Colossenses 2,12-14
Evangelho: Lucas 11,1-13
A prece de Abraão pela salvação de Sodoma e Gomorra é direta, sem formalidades: sua barganha detém-se na presença de dez justos na cidade, para justificar a indulgência de Deus. Por que não ir mais longe? É um «relato» que fica aberto, então, para um seguimento possível. Seria Abraão melhor do que Deus? Mais acessível à piedade, mais pronto ao perdão? Penso que é preciso inverter a questão. Deus é quem, no final das contas, quer salvar as cidades. Mas, para isto, se podemos dizer assim, Ele precisa encontrar na humanidade um eco de seu próprio amor, uma imagem e semelhança de sua benevolência. Ora, Abraão detém-se sem dúvida nos dez justos porque não acredita inteiramente na plenitude do amor divino. Será necessário outro relato, no final do Livro, para ficarmos sabendo que um justo apenas é o bastante, não só para dez cidades, mas para a humanidade inteira. Este Justo será, aliás, o próprio Deus que faz a nós o dom gratuito de seu Ser e de sua Justiça. As duas cidades serão finalmente salvas, sem dúvida, uma vez que Jesus diz que, no dia do julgamento, as cidades que tiverem recusado o anúncio do Reino serão tratadas mais severamente do que estas (Mateus 10,15). Assim, a prece de Abraão terá sido ouvida para além de sua expectativa, com base na presença dos dez justos, mesmo se ser salvo não seja incompatível com ser destruída: não foi isto o que aconteceu com o Cristo em sua Páscoa?
Sem hipocrisia! Sabemos muito bem que se pode buscar sem se encontrar, pedir sem se obter, bater à porta sem que ela se abra. O "céu" parece estar vazio; Deus parece surdo. Os bons espíritos dirão que é porque não pedimos com bastante fé. De fato, a nossa fé jamais é perfeita, sem dúvida; não chega às vezes sequer ao tamanho de um grão de mostarda. O que não impede a Jesus ouvir a prece de quem sabia faltar-lhe a fé (Marcos 9,14-29). São inúmeras as ocasiões em que Jesus repreende os discípulos por lhes faltar a fé. Resumindo, não é a fraqueza da nossa fé que explica o silêncio de Deus. Aliás, é evidente que Jesus mesmo sabe que nem sempre, não todas as vezes, recebemos o que pedimos. Devemos acrescentar que a sua oração, para que o cálice da Paixão se afastasse dele, não será ouvida e ele acabará dirigindo-se ao Pai com as palavras do Salmo 22: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" Se Jesus, no evangelho de hoje, insiste tanto na resposta de Deus a todas as nossas preces é porque isto não é evidente. No fundo, ele quer nos dizer que, apesar das aparências em contrário, Deus escuta sempre as nossas orações e as atende. Ele as atende até mesmo muito além dos nossos desejos e previsões e é este “além” que, provavelmente, nos confunde. É que não sabemos o que é preciso pedir, o que de fato é bom para nós, mas o Espírito substitui os nossos pedidos por suas súplicas inexprimíveis.
Abraão, como foi dito, não amava tanto quanto Deus os habitantes das duas cidades. Da mesma forma, Deus nos ama muito mais do que um pai ama o seu filho. O amor do pai humano não é mais que o reflexo do amor d’Aquele de quem resulta toda a paternidade. Então, se pedimos a Deus pão, Ele não apenas não nos dará uma pedra, mas nos dará ainda muito mais do que pão ou, melhor, nos dará um pão que ultrapassa tudo o que chamamos de pão. Pois é nesta ultrapassagem que reside o problema que acabamos de mencionar. Queríamos apenas pão e Deus responde com nos dar o corpo de seu Filho. Mas, então, por que Paulo diz para fazermos Deus conhecer todos os nossos pedidos, todas as nossas necessidades, todas as nossas preocupações (em Filipenses 4,6, por exemplo, ou 1 Timóteo 2,1)? Porque é ai, no concreto de nossas vidas, que temos de viver a fé e encontrar a Deus. É aí, e não no abstrato, que temos necessidade d’Ele. Mas a questão se repõe: como Ele nos responde? Não resolvendo os nossos problemas e transformando as situações difíceis com ajuda de milagres, mas tornando-nos capazes de vivê-las na fé. Vamos reler o final do evangelho: aos nossos pedidos de pão, ovo ou peixe, termos evidentemente simbólicos de todas as nossas necessidades, Deus responde dando-nos o Espírito, quer dizer, dando-Se a Si mesmo. Em função, é verdade, das necessidades que exprimimos e tornando-nos aptos a assumi-las na fé e a fazer com que concorram para o amor que é a presença divina em nós. Até mesmo a pior: Jesus deverá beber o cálice mortal, mas a resposta de Deus será a sua Ressurreição numa nova vida, absoluta, eterna.
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