20 Dezembro 2018
"A teologia está sujeita às mesmas forças que ameaçam todas as humanidades. À medida que a teologia, juntamente com os estudos religiosos, tornam-se mais marginalizados nas universidades americanas, cada vez menos católicos terão a oportunidade de estudar esses assuntos, e a maioria dos que terão serão pessoas em preparação para a ordenação ou para o ministério pastoral leigo", escreve Massimo Faggioli, professor do departamento de teologia e estudos religiosos da Universidade Villanova, 17-12-2018.
Segundo ele, "a irrelevância crescente do estudo da teologia em si mesma, e não simplesmente como capacitação técnica para trabalhadores pastorais, pode levar a uma nova clericalização da profissão teológica. Isso seria o fim da curta história da teologia feita por leigos. No mínimo, poderia colocar um fim à esperança de que dar acesso aos leigos à profissão teológica mudaria e melhoraria a própria teologia católica". Ou seja,"Para reclericalizar a Igreja, é preciso começar reclericalizando a teologia".
Em uma palestra, em fevereiro de 2005, Sarah Coakley chamou a atenção sobre a condição que chamou "estudioso da Igreja”. Ela alertou para o fato de que "a ideia de haver uma bolsa de estudos teológicos como vocação religiosa específica é cada vez mais criticada no clima norte-americano atual". Sarah identificou três disjunções na origem da crise: entre teologia e estudos religiosos na academia secular; entre conservadores e liberais nas igrejas e seminários e entre a responsabilidade pública democrática e o compromisso religioso na sociedade em geral. As três disjunções intensificaram-se ainda mais desde 2005, com consequências ainda maiores: o que ela chama "demonizações mútuas" na Igreja Católica; "o desgaste das circunscrições religiosas contra o secularismo na esfera da democracia, ameaçando a própria estrutura e a coerência da democracia"; "o fascínio da prática" como forma de resistir ao relativismo, tendo o sectarismo como consequência teológica.
Na palestra, Sarah concentrou-se principalmente no lado acadêmico do problema. Nos últimos anos, o elo entre a vocação intelectual do teólogo e a vocação religiosa do cristão mostrou sinais preocupantes de enfraquecimento. Os cursos que mais perderam alunos no ensino superior dos EUA entre 2011 e 2017 são, nessa ordem: história, religião, geografia, humanidades, línguas - exceto inglês - e filosofia. Isso tem consequências óbvias para a relevância futura e até mesmo da mera sobrevivência dessas disciplinas. Já não se pode desconsiderar a possibilidade de qualquer uma dessas disciplinas deixar de estruturar a educação de todos os estudantes universitários nos Estados Unidos. A Europa tampouco está isenta desta tendência: a Universidade de Bolonha, uma das mais antigas do mundo, já não tem um departamento independente de filosofia. Na verdade, o que há é "filosofia e comunicação". A teologia está sujeita às mesmas forças que ameaçam todas as humanidades. À medida que a teologia, juntamente com os estudos religiosos, tornam-se mais marginalizados nas universidades americanas, cada vez menos católicos terão a oportunidade de estudar esses assuntos, e a maioria dos que terão serão pessoas em preparação para a ordenação ou para o ministério pastoral leigo. Essa redução da teologia em prol da formação técnica para o trabalho pastoral é algo bastante diferente da “pastoralidade da doutrina” que o Concílio Vaticano II propunha.
Essas mudanças também estão em desacordo com a crescente consciência de que a Igreja precisa fazer alguma coisa a respeito do clericalismo. Na verdade, a irrelevância crescente do estudo da teologia em si mesma, e não simplesmente como capacitação técnica para trabalhadores pastorais, pode levar a uma nova clericalização da profissão teológica. Isso seria o fim da curta história da teologia feita por leigos. No mínimo, poderia colocar um fim à esperança de que dar acesso aos leigos à profissão teológica mudaria e melhoraria a própria teologia católica.
Os teólogos precisam lembrar que a Igreja sempre terá algum tipo de liderança. É seu dever ajudar a influenciar a liderança, a serviço da Igreja.
Não se pode negar que, em grande parte graças ao Concílio Vaticano II, já houve mudanças significativas, especialmente em países onde a Igreja e o ensino superior têm trabalhado juntos para dar acesso aos leigos católicos — e em particular às mulheres — a cargo na teologia católica relacionados ao ensino e à pesquisa. Mas talvez tenhamos atingido o ápice dessa tendência, que só tem cerca de 50 anos. A teologia pode voltar a ser o que era durante grande parte de sua história moderna: trabalho realizado por membros da Igreja em escolas teológicas controladas pela instituição, ou seja, católicos celibatários do sexo masculino, dos quais a maioria faz parte de ordens religiosas. Em grande parte, a teologia era do clero, pelo clero e para o clero. Se voltarmos a este modelo, não será apenas resultado do clericalismo, mas também das gigantescas forças do mercado do ensino superior nos EUA e em outros países. Só estudantes extremamente motivados pegariam um empréstimo, como é prática comum, para estudar algo como teologia. É difícil pagar um empréstimo universitário com o salário de teólogo. E talvez ainda mais difícil encontrar emprego.
Mas não é só a virada tecnocrática no ensino superior que preocupa a teologia acadêmica, mas também a falta de vontade da Igreja Católica para investir em teólogos leigos — pelo menos na Europa e na América do Norte. Por exemplo, é muito difícil alimentar uma família com o salário de professor do sistema de universidades pontifícias em Roma. Por isso, é quase uma necessidade para tais universidades contratar religiosos ou membros do clero, e, a longo prazo, isso terá um efeito sobre o número de leigos e leigas interessados em teologia.
A mudança do corpo estudantil nas disciplinas teológicas — o fato de haver cada vez mais clérigos e menos leigos — pode produzir efeitos importantes sobre a teologia. Sem a pressão dos teólogos leigos, a teologia católica provavelmente terá uma perspectiva mais clerical e menos "democrática". A qualidade dos argumentos teológicos pode mais uma vez ser menos importante do que a autoridade hierárquica do que quem os elabora. Uma reclericalização poderia ter um efeito particularmente prejudicial em minha área de trabalho, a eclesiologia.
Essas mudanças estão ocorrendo em meio a uma crise da teologia leiga, uma teologia que surgiu nos anos 50 e foi oficialmente reconhecida pelo Concílio Vaticano II, quando a Igreja Católica começou a insistir na questão da igualdade entre leigos e ordenados. Mas hoje, na prática, os leigos continuam sendo iguais mas separados. Até as leis canônicas mudarem, ainda estamos na igreja do duo genera Christianorum. Independentemente do mérito da ênfase de Francisco sobre a "teologia do povo", isso não vai mudar as condições que separam os leigos do clero, como a desigualdade de acesso à educação teológica e aos caminhos que uma graduação em teologia abre na Igreja Católica.
Para reclericalizar a Igreja, é preciso começar reclericalizando a teologia. Penso que este processo já está acontecendo. Em muitas faculdades e universidades católicas, se não na maioria, reduziram-se drasticamente os requisitos da graduação em teologia (mais recentemente na Universidade de St. Thomas, na Região Metropolitana de Minneapolis e Saint Paul). Muitas vezes dizem que agora os Estados Unidos têm os leigos mais instruídos da história da Igreja Católica. Isso pode ser verdade se considerarmos a educação dos leigos em outras disciplinas — suas áreas de formação —, mas não em relação ao ensino na área da religião.
Quando os administradores e professores das universidades católicas escolhem destruir o currículo básico, exigindo menos disciplinas nos cursos de teologia, filosofia, história, inglês e línguas estrangeiras, perdem o direito de reclamar de secularização, anti-intelectualismo ou amnésia histórica. Em um país que negligencia as humanidades, não surpreende que nos deparemos com o trumpismo.
Os teólogos católicos — principalmente os teólogos católicos leigos — devem fazer o possível para ajudar a nos afastar do paradoxo de uma teologia pós-eclesial, situando seus esforços intelectuais diretamente à Igreja. Desde o documento Ex corde ecclesiae, de João Paulo II, se não antes, a teologia católica acadêmica está compreensivelmente ansiosa em relação ao controle eclesiástico. Os teólogos precisam lembrar que a Igreja sempre terá algum tipo de liderança. É seu dever ajudar a influenciar a liderança, a serviço da Igreja. Em um momento em que tantas forças estão dispostas a marginalizar a teologia acadêmica, dentro da Igreja e no âmbito do ensino superior, este momento pode ser o começo do fim da vida breve que teve a teologia católica leiga. Se isso acontecer, será responsabilidade não só dos teólogos leigos, mas também de administradores e professores — católicos e não católicos, teólogos e não teólogos — trabalhar em instituições católicas de ensino.
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Espécies ameaçadas de extinção. Há um futuro para os teólogos católicos leigos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU