04 Outubro 2018
No seu blog Come Se Non, 03-10-2018, o teólogo italiano Andrea Grillo escreve: “Em um belo texto, publicado no último número do caderno mensal Donna Chiesa Mondo do jornal L’Osservatore Romano (72/2018), Anne-Marie Pelletier põe o dedo na ferida, de modo forte e acurado, no artigo intitulado ‘Por uma eclesiologia a duas vozes’ (pp.13-17), em que propõe elegantemente um caminho de argumentação simples, mas claro e decisivo. Apresento aqui o resumo essencial.”
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
a) O terremoto que agita a Igreja não é só “questão de sexualidade desviada do clero católico”, mas sim um defeito da própria instituição eclesial.
b) Pode-se remediá-lo indo à fonte do defeito, o clericalismo, que contrasta com a redescoberta – tantas vezes obstaculizada – da Igreja como “povo de Deus”, como lugar batismal da santidade, como se deduz a partir da lucidíssima “carta ao povo de Deus” escrita pelo Papa Francisco para a ocasião.
c) Nesse âmbito, as mulheres são “as primeiras a saber o que são os abusos do poder eclesial”. Elas “conhecem bem até demais o olhar arrogante, condescendente, depreciativo dirigido a eles, a obediência imposta por homens que preservam ciosamente para si o prestígio do saber e a autoridade da decisão”.
d) Uma “inteligência realmente evangélica do poder como serviço” requer, hoje, a presença das mulheres na Igreja, com autoridade reconhecida, para impedir “uma eclesiologia não mais apenas pensada, formulada e implementada por homens, que são quase sempre clérigos”, em que é inevitável “evitar o filtro de uma visão masculina, adotada por homens celibatários, educados na ideia de uma visão masculina do sacerdócio ministerial, que os legitima no terrível poder de ter direitos particulares sobre os outros”.
e) Então, é preciso “integrar hoje a inteligência que as mulheres têm da Igreja, a partir da sua experiência do apelo evangélico e da sua fidelidade a Cristo. Em outras palavras, a eclesiologia deve ser formulada agora a duas vozes, conjugando o masculino e o feminino”.
f) Por isso, para reagir à atual contingência, não será suficiente chegar a reformas disciplinares e jurídicas, embora necessárias, mas será preciso “fazer uma revisão de fundo da inteligência que a Igreja tem de si mesma e, portanto, no seu governo”.
Parece-me que essa lúcida argumentação de Pelletier deve ser plenamente aceita, como desafio profético à instituição, para que ela saiba sair de uma leitura “excludente” de si mesma.
Esse é o germe do clericalismo: a ideia de um poder “exclusivo e excludente”, em relação ao qual permanecem confirmadas, em essência, as polaridades que, em Cristo, são superadas: judeu/grego, livre/escravo, homem/mulher: polaridades étnicas, políticas e sexuais.
Poderíamos dizer que, em cada uma dessas polaridades excludentes, a história da Igreja se esforçou muito, mas, acima de tudo, em relação à última, ela parece ser hoje pouco lúcida, enrijecida, bloqueada, quase paralisada. Sobre o estrangeiro e o escravo, somos bastante lúcidos; sobre a mulher, nada.
Na minha opinião, não se trata aqui de uma “forma católica” a ser recuperada ou de uma forma protestante a ser evitada. Trata-se de redescobrir uma “forma ecclesiae” liberta das “exclusões/exclusividades clericais”, que estão na raiz de todo abuso.
Por isso, é justo o caminho tomado pela Igreja da “declaração de incompetência”, da falta de poder. Sobre o mistério da sexualidade masculina e feminina, as convenções profundamente arraigadas também devem dar um passo atrás e se reconhecer ultimamente como incompetentes. Mas realmente incompetentes!
De fato, é um velho truque do clericalismo se mascarar atrás de incompetências fingidas. Por isso, não basta dizer “não tenho o poder de incluir”. Porque isso deixa só à Igreja o poder de excluir e, portanto, a confirmação autorreferencial em um hábito clerical.
Não, o caminho tomado há 25 anos, para ser profecia eclesial e não apenas um princípio de indiferença, deve ser integrado por uma incompetência mais radical e mais evangélica.
Se a Igreja se diz tão segura de não ter o poder de incluir o feminino no serviço eclesial, do mesmo modo e com a mesma segurança ela deveria reconhecer que também não tem o poder de excluir o feminino do serviço. Deveria apenas aceitar, com toda a humildade de que é capaz, que não tem poder algum sobre a lógica última da diferença sexual. Que é um mistério grande, complexo, mas, precisamente por isso, aberto a um desenvolvimento histórico que ninguém pode fixar definitivamente em um papel ou em uma função, senão Deus somente. Que profere a sua palavra irrevogável de salvação não apenas nos documentos de um escritório romano, mas também na história civil de novas dignidades a serem promovidas, nas consciências de sujeitos finalmente reconhecidos por inteiro, assim como no bom faro do seu povo a caminho.
Escutar essas autoridades, esses “sinais dos tempos”, com parrhesia e sem qualquer paternalismo, poderia tornar verdadeiramente profética também a palavra do magistério, para que saiba abrir espaços e dar a palavra, em vez de fechar portas e impor silêncios.
Essas portas apressadamente fechadas e esses silêncios autoritariamente impostos são as dinâmicas clericais típicas – não apenas masculinas, mas principalmente masculinas – que geram monstros.
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Por uma verdadeira declaração de incompetência: em torno a uma ''eclesiologia a duas vozes''. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU