31 Mai 2018
“É preciso explicar não só ‘que’ todos os 12 eram homens, mas, acima de tudo, ‘por que’ Jesus teria dito e desejado que fossem ordenados apenas batizados do sexo masculino. Pensar em resolver tal questão com a referência insubstituível ao ‘masculino’ para a ‘representação de Cristo esposo’ parece ser um caminho frágil demais, que, liturgicamente, é objeto de ampla discussão.”
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.
O artigo foi publicado em Come Se Non, 30-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com um artigo publicado nessa quinta-feira, 30, no L’Osservatore Romano, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Dom Luis Ladaria, intervém para reiterar o caráter definitivo da exclusão da mulher da ordenação sacerdotal. E diz que o faz porque “desperta séria preocupação ainda ver surgir em alguns países vozes que põem em dúvida a definitividade dessa doutrina” e para evitar confusões sobre o sacramento da ordem e dúvidas sobre o magistério da Igreja.
Na realidade, os argumentos que ele traz para apoiar esse “esclarecimento” me parecem aumentar a confusão, em vez de diminuí-la. Limito-me a indicar alguns pontos fracos da argumentação, aos quais apresento considerações mais articuladas de hermenêutica dos documentos mais recentes.
1. Começo pelo fim do artigo: citando Jo 15, 10, Ladaria escreve a propósito de Cristo que “somente a fidelidade às suas palavras, que não passarão, assegura o nosso enraizamento em Cristo e no seu amor”. É curioso que, no fim de um texto que quer confirmar com autoridade o impedimento à ordenação sacerdotal da mulher, ele se refira à “fidelidade à palavra de Cristo”, ignorando o fato, aqui decisivo, de que, sobre o tema específico, Cristo não disse absolutamente nada.
O silêncio interpretado como palavra explícita e o fato traduzido em discurso normativo não parecem ser uma solução teológica capaz de sustentar com autoridade a pretensão de uma tradição “irreformável”.
Como explicava J. Ratzinger, na publicação do documento de 1994, é preciso explicar não só “que” todos os 12 eram homens, mas, acima de tudo, “por que” Jesus teria dito e desejado que fossem ordenados apenas batizados do sexo masculino. Pensar em resolver tal questão com a referência insubstituível ao “masculino” para a “representação de Cristo esposo” parece ser um caminho frágil demais, que, liturgicamente, é objeto de ampla discussão.
2. Em segundo lugar, assevera-se que o “sexo masculino” faria parte da “substância do sacramento” da ordem. E Ladaria alega, como prova dessa afirmação apodítica, a citação de uma passagem que o Concílio de Trento dedica não à ordem, mas à eucaristia, e no qual se afirma que “a Igreja sempre teve o poder de estabelecer e modificar na administração dos sacramentos, sem prejuízo de sua substância, aqueles elementos que considerasse mais úteis para quem os recebe...” (DH 1.728).
Esse texto deveria servir, de acordo com Ladaria, para provar que pertence à substância do sacramento da ordem o sexo masculino do ordenando. Mas, como é evidente, o texto citado não fala, de fato, do sacramento da ordem, mas simplesmente formula uma distinção entre substância imutável e formas modificáveis, que deixa totalmente em aberto se o sexo masculino é “substancial” para a ordenação.
Ao contrário, o contexto da passagem tridentina poderia justificar justamente uma leitura invertida: se o Concílio de Trento diz que é possível que “as duas espécies eucarísticas” não sejam “de substância” no rito da comunhão, como o sexo feminino poderia não ser incluído na “substância” do rito da ordenação? Em outros termos, se onde Jesus falou com extrema precisão, pudemos nos sentir livres para mudar, como é possível que, onde ele se calou, nos sentimos absolutamente vinculados a não mudar? Aqui, talvez, se poderia citar o Código de Direito Canônico, n. 1.024 (“Só o batizado de sexo masculino pode receber validamente a sagrada ordenação”), que, no entanto, não é absolutamente imutável, sendo justificado apenas por fatos e por silêncios, não por palavras explícitas.
3. A questão da fidelidade a Cristo, portanto, é resolvida com uma dupla passagem que parece ser altamente problemática: por um lado, interpreta-se um fato – o sexo masculino dos 12 apóstolos – como uma indicação normativa; por outro lado, pensa-se o sacramento introduzindo na sua substância um “sexo masculino” que excluiria qualquer margem de modificabilidade por parte da Igreja.
Mas a primeira afirmação é conjectural, enquanto a segunda é uma construção sistemática totalmente discutível. Seria totalmente plausível pensar que hoje – nas condições históricas e culturais de boa parte do mundo – possa ser uma grave forma de infidelidade em relação ao Senhor não reconhecer gradualmente toda a riqueza ministerial e carismática que batizadas do sexo feminino poderiam reservar à ação e à autoridade da Igreja. E que, por sua vez, a verdadeira fidelidade pode ser descoberta na capacidade da Igreja de sair dos próprios costumes históricos, reconhecendo que os identificou por muito tempo, mas hoje erroneamente, como tradições normativas vinculantes.
4. Sobre o tema da relação entre ordo et sexus, parece-me que os limites da posição expressada pelo prefeito merecem ser esclarecidos, de modo que um debate eclesial amplo e articulado possa ajudar a olhar mais longe e a prosseguir com um passo mais seguro. De fato, precisamente no debate que acompanhou os trabalhos da comissão vaticana sobre o diaconato feminino, um belo artigo do Pe. Giancarlo Pani, na revista La Civiltà Cattolica (3.999/2017, p. 209-221), tocou em dois pontos sobre os quais eu gostaria de propor agora brevemente algumas reflexões:
a) Primeira observação: quando a tradição atesta “fatos”, pode-se prudentemente deduzir deles a possibilidade ou a necessidade. Mas, quando o que se atesta é uma “ausência de fatos”, nem sempre é prudente deduzir a sua não necessidade ou impossibilidade. Citando essa bela expressão de Y. Congar, Pani adverte contra fáceis generalizações, hoje muito difundidas.
b) Pergunta-se depois: o pronunciamento da Ordinatio sacerdotalis, que diz em 1994 uma palavra forte sobre a exclusão das mulheres do ministério, deve ser colocado em que nível de autoridade? A breve discussão relatada por Pani reacende o interesse pelas implicações que, indiretamente, essa solução envolve na discussão sobre o diaconato feminino.
Como se sabe, as questões em torno da “ordenação das mulheres” surgiram oficialmente, no catolicismo, muito tarde: a partir de 1975, primeiro o Papa Paulo VI e depois João Paulo II intervieram com documentos de alta autoridade, mas não empregando o nível máximo do magistério irreformável. Sobre esse ponto, a falta de clareza da recepção depende da não linearidade dos próprios pronunciamentos magisteriais.
5. Uma breve reconstrução da sequência de pronunciamentos pode ser útil aqui:
a) Em 1975, rescrito de Paulo VI à carta do arcebispo de Canterbury;
b) Em 1976, Inter insigniores, declaração da Congregação para a Doutrina da Fé;
c) Em 1994, Ordinatio sacerdotalis, carta apostólica do Papa João Paulo II;
d) Em 1995, a Congregação para a Doutrina da Fé responde a uma dúvida sobre o grau de autoridade magistral da Ordinatio sacerdotalis;
e) Ainda em 1995, é publicado um comentário “esclarecedor” sobre a resposta da Congregação para a Doutrina da Fé;
f) Nos últimos anos, surgiu também a pretensão por parte de algumas vozes de estender a exclusão pronunciada pela Ordinatio sacerdotalis ao diaconato.
6. É evidente que o grau máximo de “irreformabilidade”, garantido pelo magistério infalível, é elaborado aqui em duas frentes:
a) por um lado, faz-se valer a tradição uniforme, que sempre, em toda a parte e por todos teria sido observada, na exclusão da possibilidade de ordenação da mulher. Isso, no entanto, não leva em conta estruturalmente que, a partir da Pacem in terris, o papel da mulher é oficialmente considerado de modo novo, teológica e antropologicamente, e que esse elemento, reconhecido como tipicamente moderno, introduz critérios de juízo, formas de atribuição de autoridade e graus de liberdade dos sujeitos que, antes, eram simplesmente impensáveis e inéditos. As respostas unívocas da tradição até o século XIX, se poderia dizer, respondem a uma pergunta diferente da nossa. E são pouco úteis para responder, significativamente, à pergunta nova.
b) por outro lado, encontramos um pronunciamento de autoridade por parte do magistério do Sumo Pontífice, que poderia ter intervindo ex cathedra para estabelecer a posição da Igreja, mas que, em vez disso, escolheu fazê-lo “de modo negativo”, não assumindo positivamente a própria autoridade na decisão, mas, ao contrário, negando a si mesmo a faculdade de intervir. Também aqui se poderia dizer: se ele quisesse ter utilizado a sua máxima autoridade, o papa poderia ter feito. Como, ao contrário, não o fez, o que devemos deduzir? Prudência? Reserva? Cautela? Clarividência?
7. Pode-se observar que cada um dos lados da possível “definitividade irreformável” não parece suficientemente garantido pelos documentos publicados nesses 40 anos. E isso por uma dupla razão:
a) A tradição universal implícita, precisamente porque sente a necessidade de um pronunciamento sobre a matéria, não pode presumir resolvê-lo imediatamente na evidência dos fatos da tradição. Se os fatos da tradição tivessem sido realmente unívocos, se as opiniões tivessem sido tão pacíficas, se a fé tivesse permanecido tão serena, se tivéssemos encontrado de modo incontestável – sempre, em toda a parte e por todos, também no último século – a orientação de excluir a mulher do ministério sacerdotal, por que havia a necessidade dessa série de documentos?
b) Por outro lado, os documentos novos, pretendendo assumir um “dado pacífico” e, portanto, mover para o passado a questão e a sua solução, não se atribuem o poder de defini-lo, mas simplesmente se limitam a declarar a própria “ausência de autoridade” diante de uma tradição que presumem reconstruir como linear e aproblemática. Talvez esses textos não escutaram a pergunta nova e, por isso, podem considerar que seja suficiente a resposta clássica, formulada com toda a devida certeza, mas para responder a uma pergunta diferente! A demanda de “ministério no feminino” não surge como um capricho em uma tradição que a ignora na indiferença, mas se apresenta como o crescimento de uma consciência cultural, social e eclesial, que deve ser honrada e à qual Igreja é obrigada a responder assumindo-a francamente, sem evasão ou indiferença. Se ela quer negá-la, que a negue: mas tem o ônus da prova. E deve oferecer argumentos sólidos, não meros fatos ou ausências de fatos.
8. O esforço da argumentação que estou assinalando me parece brilhar de modo particular em uma passagem do “esclarecimento” oferecido pela Congregação para a Doutrina da Fé, uma especificação da sua própria resposta à dúvida em torno da Ordinatio sacerdotalis.
Note-se: a Congregação, primeiro, escreve uma resposta a uma dúvida e, contextualmente, anexa um comentário como esclarecimento da resposta que ela mesmo redigiu. No texto do “Comentário”, pode-se notar claramente essa impressionante oscilação entre as pretensões de clareza de uma tradição – que, na realidade, tornou-se problemática – e a ausência de autoridade que o papa reconheceria a si mesmo sobre o assunto:
“Deve ser, portanto, sublinhado que o caráter definitivo e infalível deste ensinamento da Igreja não nasceu da carta Ordinatio sacerdotalis. Nela, como explica também a resposta da Congregação para a Doutrina da Fé, o Romano Pontífice, tendo em conta as circunstâncias atuais, confirmou a mesma doutrina mediante uma declaração formal, enunciando de modo quod semper, quod ubique et quod ab omnibus tenendum est, utpote ad fidei depositum pertinens. Neste caso, um ato do Magistério ordinário pontifício, em si mesmo não infalível, atesta o caráter infalível do ensinamento de uma doutrina já em posse da Igreja” [disponível aqui, em português].
O Comentário da Congregação, como parece evidente, levanta a pretensão de definir como “definitivo e infalível” um ensinamento da Igreja que não estaria contido na Ordinatio sacerdotalis, mas que estaria “a montante” dela. O documento papal, portanto, que em si mesmo é abertamente reconhecido como “não infalível”, deveria ser simplesmente entendido como um ato de constatação – fora e antes de si – da infalibilidade de uma tradição, que, no entanto, precisamente por causa da sua natureza problemática, requereu a intervenção magisterial. Existe aqui uma dura e incontornável tensão entre o documento novo e os fatos da tradição. Os fatos da tradição pedem do documento um pronunciamento, para que assuma uma “pergunta nova”, que surgiu a partir do desenvolvimento civil, cultural, antropológico e eclesial do último século: uma nova concepção da mulher, da sua subjetividade e da sua autoridade; mas o documento diz que os fatos da tradição seriam por si só autoevidentes, renunciando a explicar o seu porquê e como, e assumindo, em vez disso, apenas a perspectiva clássica, não a nova.
Talvez a chave hermenêutica mais sensível dessa ousada reconstrução esteja no breve, mas precioso inciso: “tendo em conta as circunstâncias atuais”. Essa delimitação temporal e contextual, que contrasta com o semper ubique ab omnibus da linha seguinte, permite assumir o porte do documento como “não infalível”, condição que não é de todo substituível em um segundo momento por esclarecimentos a posteriori, pronunciados em um nível hierárquico não dotado autonomamente de autoridade infalível.
Em outros termos, se o papa não disse apertis verbis que assume uma decisão tecnicamente infalível – como, por exemplo, Pio XII fez para o dogma da Assunção de Maria – nenhuma autoridade diferente de um papa que fala ex cathedra poderá pretender “reconhecer” como infalível aquilo que infalivelmente não foi definido. Caso contrário, teríamos o paradoxo – ou, pior, quase a mistificação – de um documento declarado abertamente como não infalível, quanto uma explicação ainda menos infalível carregada de uma irreformabilidade que seria, nesse caso, garantida apenas por aquela “tradição universal”, que, na realidade, é tão pouco pacífica e incontestável a ponto de ter feito surgir a demanda de um pronunciamento por parte do Magistério. Não estamos longe, aqui, de um círculo vicioso e de uma autoimplicação que se aproxima muito da autorreferencialidade.
E também não é difícil de entrever, nessa objetiva contorção argumentativa, um certo embaraço em relação à questão, assim como a não escondida tensão entre a vontade de encerrar unívoca e autoritariamente a discussão e a impossibilidade positiva – junto com a prudência negativa – de assumir nesse âmbito uma posição absolutamente irreformável.
9. Portanto, em 1994, nas circunstâncias do momento, o Papa João Paulo II considerou que não tinha a autoridade para modificar uma tradição que, tecnicamente, ele não declarou como definitiva, e que assim não pode ser declarada por outros sujeitos eclesiais de grau inferior ao seu. A única coisa definitiva é a falta de autoridade declarada naquele momento, que deve ser assumida com grande seriedade.
Mas nada impede que outro papa, “em outras circunstâncias de outro momento”, leia diversamente a tradição, pois não está vinculado por um juízo definitivo sobre a tradição, mas apenas pelo juízo definitivo sobre a ausência de autoridade assumido com autoridade por um antecessor seu. Se a doutrina irreformável fosse imediatamente a da tradição pré-moderna, não teria sido levantada a questão de um pronunciamento sobre a matéria. A escolha de um pronunciamento meramente negativo, com o qual se declara que “não se tem a faculdade” de modificar a tradição, deixa em aberto a possibilidade de uma declaração diferente, em um contexto novo, quando realmente se queiram assumir não apenas velhas respostas para velhas perguntas, mas sim uma nova resposta para uma pergunta que seja reconhecida – aberta e corajosamente – na sua decisiva novidade.
A pergunta sobre o eventual reconhecimento de autoridade a sujeitos batizados de sexo feminino deve ser honrada com respostas à altura, não com sopas requentadas, baseadas em argumentos frágeis, em citações bíblicas e magisteriais não pertinentes e fundamentadas em preconceitos do passado.
O fato de a mulher ser “sujeito assunto plenamente autorizado” é uma realidade maravilhosa com a qual a Igreja poderá e deverá se enriquecer: não é uma construção insidiosa do pensamento moderno que deve ser mantida à distância e da qual se deve desconfiar. Negar à mulher – por natureza e/ou por autoridade – todo reconhecimento ministerial oficial é uma estratégia meramente defensiva e autorreferencial, vazia de profecia e sem futuro.
10. No entanto, e independentemente desse debate ainda em aberto, permanece sempre a distinção da questão da “ordenação sacerdotal” da “ordenação diaconal”, que não pode ser considerada incluída no raciocínio produzido pela discussão que foram consideramos até aqui. Portanto, mesmo para além da conclusão a que se chegasse na avaliação da Ordinatio sacerdotalis, seria sempre preciso reconhecer que o documento examinado não diz nada a propósito de uma eventual ordenação diaconal, quando fosse estendida a sujeitos batizados de sexo não masculino, mas feminino. A menos que se considere, com a lógica do plano inclinado, que toda concessão inicial, mesmo que mínima, poderá, depois, em cascata, se tornar incontrolável. E que a Igreja só pode florescer na medida em que a mulher permanece definida pela categoria medieval da “condição de sujeição” e do “defeito de autoridade”, segundo aquela definição tomista que já ressoa a partir de um mundo que não existe mais:
“No sexo feminino, não pode ser significada uma ‘eminência de grau’, pois a mulher tem uma condição de sujeição e, por isso, não pode receber o sacramento da ordem” (Tomás de Aquino, S. Th., Suppl, 39, 1, c).
Essa conclusão se impõe a Tomás a partir de uma leitura antropológica, cultural e social que hoje não tem mais nada a ver com o Evangelho. Infelizmente, ela continua exercendo alguma influência e muito fascínio sobre as palavras preocupadas, mas também preocupantes, do prefeito Ladaria.
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Ladaria e o sexo feminino: teologia de autoridade com uma ''ratio'' demasiadamente frágil. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU