14 Novembro 2017
“Para além da conclusão a que se chegasse na avaliação da Ordinatio Sacerdotalis, seria preciso reconhecer sempre que tal documento não diz nada a propósito de uma eventual ordenação diaconal, quando estendida a sujeitos batizados de sexo não masculino, mas feminino.”
A análise é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua. O artigo foi publicado por Come Se Non, 09-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No debate que acompanha os trabalhos da comissão vaticana sobre o diaconato feminino, um belo artigo do Pe. Giancarlo Pani, na revista La Civiltà Cattolica (3.999/2017, p. 209-221) tocou – quase per transennam – dois pontos sobre os quais eu gostaria de propor brevemente algumas reflexões:
a) primeira observação: quando a tradição atesta “fatos”, pode-se deduzir prudentemente a sua possibilidade ou necessidade. Mas, quando o que é atestado é uma “ausência de fatos”, nem sempre é prudente deduzir a não necessidade ou a impossibilidade. Citando essa bela expressão de Y. Congar, Pani adverte contra fáceis generalizações, hoje muito difundidas.
b) perguntamo-nos, depois: o pronunciamento da Ordinatio Sacerdotalis, que diz, em 1994, uma palavra forte sobre a exclusão das mulheres do ministério, deve ser colocado em que nível de autoridade? A breve discussão relatada por Pani reacende o interesse pelas implicações que, indiretamente, essa solução envolve na discussão sobre o diaconato feminino.
Como se sabe, as questões em torno da “ordenação das mulheres” surgiram oficialmente muito tarde no catolicismo: a partir de 1975, primeiro o Papa Paulo VI e, depois, João Paulo II intervieram com documentos de alta autoridade, mas não empregando o nível máximo do magistério irreformável. Sobre esse ponto, a falta de clareza da recepção depende da não linearidade dos próprios pronunciamentos magisteriais. Uma breve reconstrução da sequência de pronunciamentos pode ser útil aqui:
a) em 1975, Rescrito de Paulo VI à carta do arcebispo de Canterbury;
b) em 1976, Inter Insigniores, declaração da Congregação para a Doutrina da Fé;
c) em 1994, Ordinatio Sacerdotalis, carta apostólica do Papa João Paulo II;
d) em 1995, a Congregação para a Doutrina da Fé responde a uma dúvida sobre o grau de autoridade magisterial da Ordinatio Sacerdotalis;
e) ainda em 1995, é publicado um Comentário “esclarecedor” à resposta à Congregação para a Doutrina da Fé;
f) nos últimos anos, surge também a pretensão, por parte de algumas vozes, de estender a exclusão pronunciada pela Ordinatio Sacerdotalis também ao diaconato.
É evidente que o grau máximo da “irreformabilidade” garantido pelo magistério infalível é elaborado aqui em duas frentes:
a) por um lado, faz-se valer a tradição uniforme, que sempre, em toda a parte e por todos deveria ser observada, na exclusão da possibilidade de ordenar da mulher. Isso, no entanto, não leva em consideração estruturalmente que, a partir de Pacem in terris, o papel da mulher é oficialmente considerado de modo novo, teológica e antropologicamente, e que esse elemento, reconhecido como tipicamente moderno, introduz critérios de julgamento, formas de atribuição de autoridade e graus de liberdade dos sujeitos que, antes, eram simplesmente impensáveis e inéditos. As respostas unívocas da tradição até o século XIX, se poderia dizer, respondem a uma pergunta diferente da nossa. E são pouco úteis para responder, significativamente, à pergunta nova.
b) por outro lado, encontramos um pronunciamento de autoridade por parte do magistério do Sumo Pontífice, que poderia ter se pronunciado ex cathedra para estabelecer a posição da Igreja, mas que, em vez disso, optou por fazer isso “de modo negativo”, não assumindo positivamente a própria autoridade na decisão, mas negando a si a faculdade de intervir. Também aqui se poderia dizer: se tivesse querido utilizar a sua máxima autoridade, o papa poderia ter feito isso. Como não o fez, o que devemos deduzir? Prudência? Reserva? Cautela? Clarividência?
Pode-se observar que cada um dos lados da possível “definitividade irreformável” não parece estar suficientemente garantido pelos documentos publicados nesses 40 anos. E isso por um duplo motivo:
a) a tradição universal implícita, justamente porque sente a necessidade de um pronunciamento sobre o assunto, não pode presumir resolvê-lo imediatamente na evidência dos fatos da tradição. Se os fatos da tradição tivessem sido realmente unívocos, se as opiniões tivessem sido tão pacíficas, se a fé tivesse permanecido tão serena, se tivéssemos encontrado de modo incontestável – sempre, em toda a parte e para todos, também no último século – a orientação de excluir a mulher do ministério sacerdotal, por que seria necessária essa série de documentos?
b) por outro lado, os documentos novos, pretendendo assumir um “dado pacífico” e, portanto, deslocar para o passado a questão e a sua solução, não se atribuem o poder de defini-lo, mas simplesmente limitam-se a declarar a própria “ausência de autoridade” diante de uma tradição que presumem reconstruir como linear e não problemática. Talvez esses textos não escutaram a pergunta nova e, por isso, podem considerar que a resposta clássica é suficiente, formulada com toda a certeza devida, mas para responder a uma pergunta diferente! A pergunta sobre o “ministério no feminino” não surge como um capricho em uma tradição que a ignora na indiferença, mas sim como o crescimento de uma consciência cultural, social e eclesial, que deve ser honrada e à qual a Igreja é obrigada a responder, assumindo-a francamente, sem evasão ou indiferença. E, se quiser negá-la, que a negue: mas tem o ônus da prova. E deve oferecer argumentos sólidos, não meros fatos ou ausências de fatos.
Parece-me que o defeito de argumentação que estou assinalando brilha de modo particular em uma passagem do “esclarecimento” oferecido pela Congregação para a Doutrina da Fé, aclarando a sua própria resposta à dúvida em torno da Ordinatio Sacerdotalis.
Observe-se: a Congregação, primeiro, escreve uma resposta a uma dúvida e, contextualmente, anexa um comentário como esclarecimento da resposta que ela mesma redigiu. No texto do “Comentário”, pode-se notar claramente essa impressionante oscilação entre as pretensões de clareza de uma tradição – que, na realidade, se tornou problemática – e a ausência de autoridade que o papa reconheceria a si mesmo sobre o tema:
“Deve ser, portanto, sublinhado que o caráter definitivo e infalível deste ensinamento da Igreja não nasceu da carta Ordinatio Sacerdotalis. Nela, como explica também a resposta da Congregação para a Doutrina da Fé, o Romano Pontífice, tendo em conta as circunstâncias atuais, confirmou a mesma doutrina mediante uma declaração formal, enunciando de modo quod semper, quod ubique et quod ab omnibus tenendum est, utpote ad fidei depositum pertinens. Neste caso, um ato do Magistério ordinário pontifício, em si mesmo não infalível, atesta o caráter infalível do ensinamento de uma doutrina já em possesso da Igreja.”
O Comentário da Congregação, como parece ser evidente, avança a pretensão de definir como “definitivo e infalível” um ensinamento da Igreja que não estaria contido na Ordinatio Sacerdotalis, mas que estaria “a montante” dela. O documento papal, portanto, que em si é abertamente reconhecido como “não infalível”, deveria simplesmente ser entendido como um ato de constatação – fora e antes de si – da infalibilidade de uma tradição, que, no entanto, precisamente por causa da sua natureza problemática, pediu a intervenção magisterial.
Existe aqui uma dura e incontornável tensão entre o documento novo e os fatos da tradição. Os fatos da tradição pedem ao documento um pronunciamento, para que assuma uma “pergunta nova”, que surgiu a partir do desenvolvimento civil, cultural, antropológico e eclesial do último século, mas o documento diz que os fatos da tradição seriam evidentes, renunciando a explicar o seu porquê e o seu como, e assumindo, em vez disso, apenas a perspectiva clássica, não a nova.
Talvez a chave hermenêutica mais sensível dessa árdua reconstrução está no breve, mas precioso inciso: “tendo em conta as circunstâncias atuais”. Essa delimitação temporal e contextual, que contrasta com o "semper ubique ab omnibus" da linha seguinte, permite assumir o porte do documento como “não infalível”, condição que não é, de fato, substituível, em uma segunda leitura, por esclarecimentos a posteriori, pronunciados em um nível hierárquico não dotado autonomamente de autoridade infalível.
Em outras palavras, se o papa não disse apertis verbis que tomou uma decisão tecnicamente infalível – como, por exemplo, Pio XII para o dogma da Assunção de Maria –, nenhuma autoridade além de um papa que fale ex cathedra poderá pretender “reconhecer” como infalível aquilo que infalivelmente não foi definido.
Caso contrário, teríamos o paradoxo – ou, pior, a mistificação – de um documento declarado abertamente como não infalível, que uma explicação ainda menos infalível carrega de uma irreformabilidade que seria garantida, neste fato, apenas por aquela “tradição universal”, que, na realidade, é muito pouco pacífica e incontestada, a ponto de ter feito surgir a demanda por um pronunciamento por parte do Magistério.
Não estamos longe, aqui, de um círculo vicioso e de uma autoimplicação que se aproxima muito da autorreferencialidade. E também não é difícil de entrever, nessa objetiva contorção argumentativa, um certo embaraço em relação à questão, assim como a tensão não escondida entre a vontade de encerrar unívoca e autoritariamente a discussão e a impossibilidade positiva – junto com a prudência negativa – ao assumir, nesse âmbito, uma posição absolutamente irreformável.
Portanto, em 1994, nas circunstâncias do momento, o Papa João Paulo II considerou que não tinha a autoridade para modificar uma tradição que, tecnicamente, ele não declarou como definitiva e que não pode ser declarada como tal por outros sujeitos eclesiais de grau inferior ao seu.
A única coisa definitiva é a falta de autoridade declarada naquele momento, que deve ser assumida com grande seriedade. Mas nada impede que outro papa, “em outras circunstâncias de outro momento”, leia a tradição de forma diferente, já que não está vinculado por um julgamento definitivo sobre a tradição, mas apenas pelo julgamento definitivo sobre a ausência de autoridade assumido com autoridade por um antecessor seu.
Se a doutrina irreformável fosse imediatamente a da tradição pré-moderna, não se teria posto a questão de um pronunciamento sobre o assunto. A escolha de um pronunciamento meramente negativo, com o qual se declara que “não se tem a faculdade”, deixa aberta a possibilidade de uma declaração diferente, em um contexto novo, quando realmente se quiser assumir não só velhas respostas para velhas perguntas, mas uma nova responda para uma pergunta que seja reconhecida – aberta e corajosamente – na sua novidade.
No entanto, e independentemente desse debate ainda em aberto, permanece sempre a distinção da questão da “ordenação sacerdotal” e da “ordenação diaconal”, que não pode ser considerada como incluída no raciocínio produzido pela discussão que consideramos até aqui.
Portanto, mesmo para além da conclusão a que se chegasse na avaliação da Ordinatio Sacerdotalis, seria preciso reconhecer sempre, contudo, que tal documento não diz nada a propósito de uma eventual ordenação diaconal, quando estendida a sujeitos batizados de sexo não masculino, mas feminino.
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Ordo et sexus: impedimentos ou oportunidades? Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU