16 Fevereiro 2018
Na comemoração dos 90 anos de Pedro Casaldáliga é muito bom lembrar alguns fatos que marcaram sua biografia. Como um dos grandes profetas de nosso tempo, Pedro incomodou não só os grandes fazendeiros da região do Araguaia e o governo militar que lhes dava suporte, como também setores da Igreja que compactuavam com o sistema e o próprio Vaticano, escreve Antônio Canuto, colaborador do Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT, em artigo publicado por Comissão Pastoral da Terra - CPT, 13-02-2018.
Eis o artigo.
Como os profetas bíblicos que diante da situação do povo clamavam por justiça e denunciavam os que se locupletavam à custa dos pobres, Pedro fez o mesmo. Suas denúncias são diretas, cita pessoas com nome e sobrenome.
Por isso provocaram tanta ira dos grandes fazendeiros da região e do próprio governo militar que tentou, mais de uma vez, expulsá-lo do Brasil.
Mas, como os profetas bíblicos, se levanta contra o próprio templo que compactua com o poder opressor e que é cego para a realidade do povo, conformado com a realidade social vigente.
Pedro encontrou sempre apoio muito firme da CNBB, mas foi atacado duramente por colegas de ministério, tanto no Brasil, quanto na América Central. E foi, muitas vezes, advertido pelo Vaticano.
Quando Pedro, em 1970 - ainda não era bispo – lançou um documento intitulado ESCRAVIDÃO E FEUDALISMO NO NORTE DE MATO GROSSO, sobre a situação dos peões, o Núncio Apostólico lhe escreveu: “O que lhe recomendo, é evitar que sua denúncia atinja certos círculos estrangeiros, que poderiam explorá-la para seus conhecidos fins”.
Anos mais tarde, em 1975, a Sagrada Congregação dos Bispos, através do Núncio, chama a atenção de Pedro, pelo livro de poemas, publicado na Argentina, TIERRA NUESTRA, LIBERTAD. Diz o ofício enviado: “Na verdade, a publicação daquelas poesias, cujo vocabulário é, às vezes, explicitamente subversivo, ultrapassa todos os limites da prudência e da oportunidade”.
Logo depois, em 1977, Dom Geraldo Proença Sigaud, bispo de Diamantina (MG), acusou publicamente a Pedro e a Dom Tomás Balduino, bispo da Diocese de Goiás de serem marxistas e de difundirem doutrinas e de terem práticas contrárias às tradições da Igreja. O Vaticano nomeou, então, um Visitador Apostólico para verificar o que na realidade acontecia.
No segundo aniversário da morte do padre Rodolfo Lünkenbein e do índio Simão Bororo, Pedro concedeu uma entrevista ao Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em que criticava a impunidade que cercava este crime, bem como a do assassinato do Pe. João Bosco Penido Burnier. O Núncio então lhe enviou um ofício: “A Santa Sé houve por bem confiar-me o encargo de pedir vivamente e insistentemente a Vossa Excelência que se abstenha de conceder à imprensa, ao rádio e à televisão entrevistas sobre questões políticas”.
A Prelazia produzia a cada ano, material sobre temas a serem debatidos nas Assembleias do Povo - Batismo, Missa, Igreja, Crisma, Familia etc -.
Em 1981, Pedro recebeu correspondência da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, dizendo que “a Doutrina sobre o Batismo e sobre a Missa é apresentada de uma forma parcial e redutiva” e que o pecado era apresentado só na sua dimensão social. Por isso, pede que sejam revisados os textos “com o fim de preservar a pureza da fé em matérias tão importantes”.
Mas o que muito incomodou o Vaticano foram as visitas que Pedro fez à América Central, de modo especial a Nicarágua. Ele tomou esta decisão, em 1985, quando foi se solidarizar com o Pe. Miguel D’Escoto em greve de fome por causa do combate que o governo revolucionário sofria de grupos da direita, apoiados pelos Estados Unidos. Pedro criticou o distanciamento dos bispos da realidade do povo e visitou lugares onde nenhum bispo havia ido.
Em 27 de setembro, Pedro recebeu uma forte chamada de atenção da Congregação para os Bispos.
Neste contexto, a partir de agosto de 1985, passou a ser cobrado por não ir às Visitas ad Limina que os bispos a cada cinco anos deveriam fazer a Roma.
Pedro respondeu não ter intenção de viajar à Europa, pois nunca para lá tinha voltado, nem mesmo quando sua mãe falecera.
Recebeu, então, uma severa advertência da Congregação para os Bispos, que taxou a visita a América Central como “abandono da Diocese”. E voltando às denúncias de Dom Sigaud, dizia que o relatório do Visitador Apostólico apontava ”uma série de carências e desvios de ordem pastoral, doutrinal e disciplinar que pediam séria e pronta correção” e que agora “a Congregação está reexaminando o citado relatório”. Este nunca havia chegado ao conhecimento de Pedro.
Em resposta, Pedro informou que escreveria uma carta pessoal ao Papa. O que fez em 22 de fevereiro de 1986. Uma longa carta de nove páginas.
O assunto da Visita ad Limina, porém, foi se arrastando ainda por muito tempo. E só se concretizou em junho de 1988.
No dia 17 daquele mês, Pedro se encontrou com os Cardeais Bernardin Gantin, da Congregação para os Bispos e com Joseph Ratzinger, da Congregação para a Doutrina da Fé. Praticamente um interrogatório sobre as questões que incomodavam o Vaticano. No dia 21 se encontrou com o Papa.
Ao chegar de volta de Roma, Pedro recebeu uma carta do Núncio dizendo haver um documento relativo à Visita ad Limina que deveria ser assinado por ele. Era final de agosto. Era uma “Intimação” de “caráter reservado e pessoal”. Mas, antes mesmo de Pedro ter reagido a ela, no dia 23 de setembro, toda a grande imprensa brasileira e também no exterior publicava a notícia de que ele havia sido punido pelo Vaticano e que se lhe havia imposto o silêncio.
A quem interessava o vazamento de um documento de “caráter reservado e pessoal”? A Sala de Imprensa do Vaticano se viu obrigada a emitir uma Nota dizendo que o que foi divulgado não correspondia à verdade.
Esta notícia provocou uma onda de solidariedade a Pedro de bispos e instituições do Brasil e de outros países.
O presidente da CNBB, Dom Luciano Mendes de Almeida, em 19 de outubro de 1988, escreveu de próprio punho ao Papa dizendo que Pedro não havia assinado a tal intimação, “esperando poder esclarecer alguns pontos do documento”.
A palavra profética incomoda, e muito, a quem detém o poder. Este não tolera ser questionado. Pedro, sempre amou profundamente a Igreja, por isso mesmo queria que ela voltasse a ser o que Jesus Cristo queria que fosse.
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#90AnosDePedro. Dom Pedro incomodava o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU