16 Fevereiro 2018
É verdade que o perdão aos inimigos é o ato mais sublime de amor, mas não é fácil ser capaz de tanto.
O artigo, dedicado a D. Pedro Casaldáliga, é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 16-02-2018.
Sempre me impressionaram as mães pobres das favelas do Rio que acabam perdoando os assassinos dos seus filhos. É verdade que o perdão aos inimigos é o ato mais sublime de amor, mas não é fácil ser capaz de tanto.
Entre essas mães, Wania Moraes, que dias atrás teve que enterrar seu filho de 13 anos atingido por uma bala perdida, foi ainda mais longe. Diante do cadáver do pequeno Jeremias, chegou a confessar em voz alta: “Quero que Deus abençoe quem atirou no meu filho”. E acrescentou: “Estou feliz porque sei que ele está perto de Deus”.
São palavras graves nos lábios de uma mãe diante do filho morto. Palavras que já vi criticadas por algum especialista em teologia que as tachou de “alienação religiosa”. São intelectuais incapazes de interpretar os mecanismos de defesa de uma mulher simples no paroxismo da sua dor de mãe ao perder um filho violentamente. Será que preferiam vê-la se retorcendo em uma cena teatral, derramando rios de lágrimas e amaldiçoando a Deus por não ter salvado o seu filho inocente?
Todos temos o direito de procurar, nos momentos de dor extrema, algo que nos impeça de enlouquecer. Se essa mãe foi amparada nesse momento por sua fé religiosa, ninguém tem o direito de condená-la.
A mãe do pequeno Jeremias, um jovem que no inferno da favela sonhava com um futuro melhor preparando-se para ser pastor evangélico, estava orgulhosa daquela possibilidade para seu filho, melhor do que se acabasse tentado pelas sereias dos traficantes de drogas.
Já ouvi mães dessas favelas dizerem: “Prefiro meu filho morto que bandido”. Ninguém deve se arvorar no direito de julgar o coração de uma mãe quando sonha com o futuro do fruto de seu ventre. Esse é um sacrário inviolável.
Existe a fé do teólogo e a fé das pessoas simples. Estudei teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, o centro internacional dos jesuítas, que propunha uma visão moderna da religião. Quem, entretanto, me ensinou a fé vivida, sem complicações teológicas, foi a atitude da minha mãe perante sua filha morta aos 41 anos, vítima de um câncer, e que deixava cinco filhos pequenos.
Minha mãe era professora primária na Espanha, e toda a vida optou por ensinar naqueles lugares aonde o Governo não obrigava os professores a irem, por serem perigosos ou difíceis de viver. Ao se despedir da sua filha, antes de fechar o ataúde, beijou-a na testa e, sem derramar uma lágrima, lhe disse: “Espere por mim. Eu sou a mais velha daqui e serei a primeira a reencontrá-la”. Um familiar se aproximou com um copo de água e um comprimido de valium. Minha mãe lhe disse, serena: “Não é preciso, minha fé me sustenta”. Confesso que preferi sempre aquela fé simples à de meus estudos acadêmicos de teologia.
Desejo dedicar esta coluna ao missionário e bispo catalão Pedro Casaldáliga, que hoje completa 90 anos e a quem considero um santo em vida. Dedicou sua existência, em Mato Grosso, à defesa dos camponeses pobres e dos índios, vítimas do capitalismo selvagem. Sempre mal visto pelo Vaticano, Pedro, por coerência com sua fé, viveu e continua a viver, embora hoje abatido pela doença, encarnado com os pobres e perseguidos, compartilhando suas necessidades e seus perigos.
Tenho certeza de que ele entende, sem julgar, a fé extrema dessas mães pobres que, como Wania, vítimas da violência que lhes arranca seus filhos, abandonadas pelos poderes que deveriam defendê-las, não encontram outro consolo para sobreviver senão se refugiar no mistério.
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Pedro e a fé das pessoas simples - Instituto Humanitas Unisinos - IHU