Uma jornada semanal de quatro ou cinco dias é perfeitamente viável na conjuntura brasileira e alinhada às melhores práticas trabalhista mundiais. Iniciativa beneficia o trabalhar sem reduzir a produtividade. “Este modelo é, acima de tudo, um projeto de produtividade, com foco em medir resultados em vez de horas trabalhadas”
Em meio às discussões sobre equilíbrio entre vida e trabalho, a jornada de seis dias (6x1) e a redução da carga horária ganham força no Brasil. A especialista em orientação profissional e treinamentos corporativos garante que uma redução na jornada de trabalho semanal traz múltiplos benefícios, tanto econômicos, sociais como humanos. “A semana de quatro dias propõe uma reestruturação do trabalho que vai além da redução de horas, é uma oportunidade de repensar estruturas econômicas e sociais”, argumenta Gabriela Brasil.
Ela enfatiza que a permanência da escala 6x1 não favorece um modelo sustentável de trabalho e afeta desproporcionalmente pessoas em maior vulnerabilidade social. “Quem mais sofre são os trabalhadores que têm menos recursos financeiros, menos acesso a redes de apoio e vivem mais longe dos centros de trabalho, além de mulheres, que frequentemente acumulam responsabilidades profissionais e domésticas”, explica.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, a autora do livro “Desacelera” reflete sobre os impactos do fim da jornada de seis dias semanais para o trabalhador e as empresas. “Vivemos em uma época em que conversas sobre qualidade de vida e reconquista do nosso tempo estão em primeiro plano”.
No Reino Unido, por exemplo, a semana de trabalho de quatro dias é realidade. Neste ano, mais duzentas empresas aderiram permanentemente a prática. Mais de cinco mil trabalhadores serão beneficiados com redução de horas sem perda salarial.
Gabriela Brasil | Foto: Arquivo Pessoal
Gabriela Brasil é empreendedora, educadora e produtora de conteúdo com foco em organização, produtividade e vida simples. Trabalha há mais de dez anos compartilhando os benefícios da organização, orientando milhares de pessoas em cursos, mentorias e treinamentos corporativos. Graduada em Comunicação com especialidade em Cinema e Mídias Digitais, adquiriu ampla experiência em gestão de projetos e equipes. É criadora da comunidade Trilhas e participa ativamente do movimento global para implementação da semana de quatro dias.
IHU - Como vê e avalia a redução da escala 6x1 e a proposta de escala 4x3 na atual conjuntura brasileira?
Gabriela Brasil - A permanência da escala 6x1 não favorece um modelo sustentável de trabalho e afeta desproporcionalmente pessoas em maior vulnerabilidade social. Quem mais sofre são os trabalhadores que têm menos recursos financeiros, menos acesso a redes de apoio e vivem mais longe dos centros de trabalho, além de mulheres, que frequentemente acumulam responsabilidades profissionais e domésticas.
Ao perpetuar jornadas longas e exaustivas, como a 6X1, fortalecemos um modelo que não é sustentável nem para os trabalhadores, nem para as empresas, nem para a sociedade como um todo. Essa lógica desgasta a força de trabalho e contribui para problemas de saúde, falta de tempo para educação ou lazer, e até para a sobrecarga de sistemas públicos, como o SUS, com casos de doenças relacionadas ao estresse e burnout.
Por outro lado, a transição para um modelo de trabalho mais equilibrado favorece uma sustentabilidade econômica, social e humana. Trabalhadores mais descansados e com maior qualidade de vida geram mais valor e dinamizam a economia ao consumir serviços e participar ativamente da sociedade. Ignorar essa oportunidade é continuar alimentando um sistema que, no longo prazo, não se sustenta.
IHU - Quais são os principais fatores positivos e negativos desta proposta?
Gabriela Brasil - Os principais benefícios da semana de quatro dias refletem não apenas na qualidade de vida dos trabalhadores, mas também no desempenho organizacional e no impacto ambiental. Este modelo é, acima de tudo, um projeto de produtividade, com foco em medir resultados em vez de horas trabalhadas.
1. Aumento da produtividade: • Empresas em diversos setores relataram maior produtividade com equipes mais energizadas, motivadas e focadas em prioridades organizacionais. • O modelo promove entregas mais eficientes e alcance de metas com menos desgaste.
2. Bem-estar e equilíbrio: • Melhor saúde física e mental, com redução de esgotamento, estresse e licenças médicas. • Aumento do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, promovendo maior satisfação no trabalho e na vida.
3. Engajamento e eficiência: • Criação de uma força de trabalho mais capacitada e motivada, com maior foco nas prioridades organizacionais. • Redução de absenteísmo e fortalecimento do engajamento das equipes.
4. Recrutamento e retenção de talentos: • A semana reduzida dá às empresas uma vantagem competitiva na atração de talentos, tornando-as mais desejadas por candidatos
O que eu posso dizer é que a implementação de uma semana de trabalho de 4 dias pode ter impactos financeiros diferentes em pequenas e médias empresas (PMEs), em comparação às grandes.
Enquanto corporações maiores podem ter os recursos para experimentar arranjos de trabalho alternativos, empresas menores podem ter dificuldades para se adaptar devido a restrições operacionais.
Para PMEs, a transição pode ser mais desafiadora devido a recursos limitados e menor margem para absorver riscos financeiros. No entanto, muitas PMEs que adotaram o modelo relataram melhorias em eficiência e satisfação dos funcionários, o que pode levar a um aumento na produtividade e, eventualmente, compensar os custos iniciais.
Em grandes empresas, a transição pode ser mais complexa devido à escala, mas elas também podem ter mais recursos para investir na mudança e colher benefícios em termos de retenção de talentos e inovação, que também é custo alto para a empresa.
Observamos nos nossos pilotos que, independentemente do tamanho, as empresas que planejam cuidadosamente e adaptam o modelo às suas necessidades específicas tendem a ter mais sucesso.
IHU - Trata-se de uma iniciativa inovadora em relação a outros países, ou não?
Gabriela Brasil - Já vimos exemplos pelo mundo de adoção de uma jornada reduzida. A iniciativa proposta no Brasil segue o mesmo movimento de questionamento sobre jornadas longas e exaustivas.
No ano passado o governo do Reino Unido anunciou uma semana de trabalho condensada de 4 dias opcional, propondo dar aos trabalhadores o direito de solicitar uma semana de trabalho de quatro dias. A proposta permitiria que os funcionários trabalhassem quatro dias de 10 horas em vez dos cinco dias padrão de 8 horas. Os empregadores precisariam fornecer razões para recusar um pedido. Essa medida reflete um avanço significativo em termos de legislação trabalhista, permitindo mais flexibilidade e reconhecendo os benefícios dessa abordagem.
O Reino Unido realizou vários testes bem-sucedidos de uma semana de trabalho de quatro dias, incluindo um piloto de seis meses em 2022 com 61 organizações. No piloto de 2022, 89% das empresas continuaram a política um ano depois, e 51% a tornaram permanente.
Em janeiro deste ano, duzentas empresas do Reino Unido aderem permanentemente à semana de trabalho de quatro dias. Mais de cinco trabalhadores serão beneficiados com redução de horas sem perda salarial.
A Islândia é um dos países mais avançados em termos de apoio e implementação da semana de 4 dias. Entre 2015 e 2019, o país conduziu um dos maiores pilotos de semana de 4 dias, envolvendo cerca de 2.500 participantes, sem redução de salários. O sucesso desse experimento levou a uma significativa mudança nas horas de trabalho padrão na Islândia. Hoje, 90% da população desfruta de jornadas de trabalho reduzidas ou outras modificações nos seus horários de trabalho.
Ano passado, Portugal conduziu um piloto nacional de sucesso, com apoio do último governo com resultados muito positivos para empresas e trabalhadores. Também no ano passado vimos o governo polonês anunciar uma semana de 4 dias ou dia de 7 horas por lei.
IHU- Seria possível trabalhar menos horas com a mesma produtividade?
Gabriela Brasil - Sim. Hoje na maioria dos empregos a gente percebe uma relação mais direta entre bem-estar e produtividade do que entre horas trabalhadas e produtividade. Então os projetos da semana de 4 dias, ao redor do mundo, mostram que o esgotamento é um problema de produtividade e não apenas um problema de bem-estar individual.
Nós pedimos para que as empresas olhem para a produtividade, mas também para as medidas financeiras, retenção, bem-estar, qualidade de vida dos funcionários. Ao se concentrar no que a empresa já tem o costume de medir, encontram-se dados para avaliação da melhoria.
Algumas empresas esperam receber um painel de controle para medir a produtividade durante os testes. Encorajamos as organizações a monitorar os "sinais vitais" da saúde da empresa, mas não implementar novas medidas de produtividade ou tentar criar novas maneiras de medir a produtividade individual.
É verdade que as empresas que mudam permanentemente para semanas de trabalho de 4 dias não veem uma queda no desempenho geral da empresa. Se todos conseguem fazer a mesma quantidade de trabalho em 4 dias que faziam em 5, então, por definição, a produtividade da empresa aumentou.
Mas isso não vem de cada trabalhador aumentando sua eficiência por si só. Grande parte do benefício da semana de 4 dias vem da mudança organizacional e sistêmica. Com frequência, procuramos soluções individuais para crises sistêmicas, como aulas de meditação para ajudar os trabalhadores a lidar com ambientes de trabalho tóxicos, por exemplo.
Se queremos que uma semana de trabalho de 4 dias funcione, devemos prestar atenção aos sistemas que as pessoas estão utilizando.
IHU - Há possibilidade de aumento de empregos com o fim da escala 6x1?
Gabriela Brasil - Essa mudança vai além da simples redução de horas: é uma reestruturação do trabalho que propõe um novo modelo de produtividade e bem-estar. Por vezes essa reestruturação do trabalho, com abertura de agenda dos colaboradores, pede por novas contratações, o que pode aumentar a oferta de empregos em alguns setores.
IHU- Quais seriam os impactos na qualidade de vida do trabalhador e no sistema de saúde, por exemplo?
Gabriela Brasil - Os dados que coletamos durante o projeto-piloto no Brasil evidenciam que a semana de 4 dias proporciona uma reestruturação essencial do tempo, espaço, atividades e acordos de trabalho. Essa abordagem permitiu aos participantes recuperar espaços significativos em suas vidas, promovendo maior equilíbrio e bem-estar, abrindo inclusive mais espaço de lazer e descanso.
Acredito que a flexibilidade foi uma característica chave, com empresas adaptando o modelo de diferentes maneiras, seja por folgas em um mesmo dia ou sistemas de turnos e escalas.
• 97% dos participantes expressaram desejo de continuidade no modelo.
• 88% dos líderes apoiaram a iniciativa, demonstrando ampla aceitação organizacional
• Melhorias diretas no trabalho incluem um aumento de 56,6% na execução de projetos, 52,6% no cumprimento de prazos, 80,7% na criatividade e inovação, e 60,3% no engajamento.
• Houve um impacto significativo no bem-estar dos participantes, com reduções de 14,5% no estresse, 45,9% na fadiga e 30,5% na ansiedade relacionada ao trabalho. Além disso, a exaustão foi reduzida em 72,8%, enquanto 43,6% passaram a se exercitar regularmente e 42% relataram um aumento na qualidade do sono, resultando em uma redução de 49,6% nos casos de insônia.
No âmbito pessoal e interpessoal, os dados mostram que os participantes relataram maior energia para família e amigos, maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal, e avanços na colaboração e relacionamentos organizacionais. Por exemplo, 90,1% dos participantes indicaram melhora na colaboração e 49% observaram melhorias nos relacionamentos gerenciais.
IHU - Encontra respaldo o argumento econômico que eliminar a escala 6x1 teria efeito na redução de empregos e o aumento de custos para os negócios, assim aumento de preços para os consumidores e prejuízo para as empresas?
Gabriela Brasil - Convido a analisar o contexto histórico e os impactos positivos que esse modelo pode trazer para responder essa questão. Há 100 anos, Henry Ford implementou a semana de 5 dias nos Estados Unidos, um conceito que transformou profundamente as economias globais. Desde então, as economias se adaptaram, e esse modelo se consolidou na maioria dos países do Ocidente. Mas, enquanto as condições de trabalho e as tecnologias avançaram, nossa forma de organização do trabalho permaneceu a mesma.
O nosso cenário atual é marcado pela tecnologia, pela velocidade da informação, pelo trabalho remoto, pela comunicação assíncrona, por mais mulheres no mercado de trabalho, pela globalização do trabalho, especialmente no campo do conhecimento. Mesmo no campo operacional, há um entendimento crescente de que espaços para descanso e respiro são essenciais não apenas para o bem-estar dos funcionários, mas também para métricas relevantes, como satisfação e engajamento, que contribuem diretamente para a produtividade e os resultados organizacionais.
A semana de 4 dias propõe uma reestruturação do trabalho que vai além da redução de horas, é uma oportunidade de repensar estruturas econômicas e sociais. Essa reorganização gera impactos positivos, como adaptação às novas formas de trabalho e maior equilíbrio e sustentabilidade: O descanso e a satisfação no trabalho se tornam parte de uma estratégia econômica que promove bem-estar e eficiência.
Essas mudanças reestruturam a economia e o trabalho de forma mais alinhada às demandas humanas e sociais, criando um ciclo positivo de produtividade, equilíbrio e crescimento sustentável. Não vejo a semana de 4 dias como uma ameaça à economia, mas uma oportunidade para adaptarmos o trabalho às novas realidades, como já fizemos há um século com a introdução da semana de 5 dias.
IHU - Os pequenos negócios, a saber, seriam afetados de forma diversa dos grandes com esta mudança?
Gabriela Brasil - Para PMEs, a transição pode ser mais desafiadora devido a recursos limitados e menor margem para absorver riscos financeiros. No entanto, muitas PMEs que adotaram o modelo relataram melhorias em eficiência e satisfação dos funcionários, o que pode levar a um aumento na produtividade e, eventualmente, compensar os custos iniciais.
Em grandes empresas, a transição pode ser mais complexa devido à escala, mas elas também podem ter mais recursos para investir na mudança e colher benefícios em termos de retenção de talentos e inovação, que também é custo alto para a empresa.
Observamos nos nossos pilotos que, independentemente do tamanho, as empresas que planejam cuidadosamente e adaptam o modelo às suas necessidades específicas tendem a ter mais sucesso.
IHU – Antes de encerrar, gostaria de trazer e destacar mais algum fato?
Gabriela Brasil - Já vivi uma experiência pessoal que demonstra na prática como a redução da jornada de trabalho pode melhorar o desempenho. Em 2019, conheci a iniciativa da semana de quatro dias apresentada por Andrew Barnes, na Nova Zelândia, em um momento em que eu estava passando por um burnout. Isso me levou a refletir profundamente sobre a forma como eu estava organizando meu tempo e como poderia aplicar a redução da jornada na minha própria rotina.
Com minha experiência em produtividade, organização pessoal e empresarial, comecei a implementar mudanças práticas para trabalhar menos, mas com mais qualidade. Um dos primeiros passos foi adotar a comunicação assíncrona, que otimizou significativamente meus processos. Reduzir o tempo de reuniões e organizar a comunicação com clientes foram mudanças que fizeram toda a diferença, especialmente porque meu dia a dia era baseado em atendimentos. Essa abordagem trouxe mais fluidez e eficiência, permitindo que eu utilizasse melhor meu tempo.
Outra experiência marcante foi a redução de distrações. Em 2018, lancei meu livro (Conexão Essencial: O que acontece quando você usa tecnologia) sobre o uso consciente da tecnologia, que abordava como utilizar ferramentas de forma intencional para otimizar o foco e diminuir o excesso de informações. Na prática, comecei a aplicar esses conceitos no meu dia a dia, ajustando meu fluxo de trabalho, melhorando minha base de conhecimento e criando um ambiente que favorecesse o foco e a presença no momento. Também introduzi hábitos deliberados de descanso, como tirar férias mais frequentes, estabelecer limites claros e adotar uma comunicação não violenta, que melhorou minhas interações profissionais e pessoais.
Essas mudanças não apenas impactaram positivamente meu desempenho, mas também transformaram minha qualidade de vida. Passei a me sentir mais conectada com minhas necessidades, com mais espaço para cuidar do corpo, da mente, do espírito e das relações. Isso, por sua vez, trouxe mais satisfação e qualidade ao meu trabalho, criando um impacto direto nas minhas relações profissionais.
Hoje, essas experiências pessoais refletem nos valores que aplico no meu trabalho e nas conexões que construo com clientes, alunos e parceiros. As pessoas que me procuram compartilham desse mesmo alinhamento de visão sobre produtividade sustentável e cuidado com o ser humano. Essa vivência pessoal, portanto, não foi apenas uma jornada de melhoria no meu desempenho individual, mas também uma forma de fortalecer minha relação com aqueles que valorizam um caminho mais equilibrado e sustentável para o trabalho e a vida.