22 Novembro 2024
No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT art. 129ss.) e a Constituição Federal institui as férias remuneradas e descanso semanal (art. 7º). Negar o descanso aos trabalhadores é violar a Constituição!
O artigo é de Élio Gasda SJ.
Élio Gasda, doutor em Teologia pela Universidad Pontifícia Comillas (Madri), pós-doutorado em Filosofia Política (Universidade Católica Portuguesa), professor da área de Ética Teológica e Práxis Cristã e diretor da Coleção Theologica FAJE, em artigo publicado por Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE, 20-06-2024.
Nosso tempo tornou-se refém de uma economia que impôs a tirania do tempo útil. Tempo é dinheiro, não se pode perder. Tem gente se “matando de tanto trabalhar”. Isso é vida? Somos mais importantes que o trabalho. O problema não é trabalhar, mas somente trabalhar.
A evolução das tecnologias e das máquinas e a riqueza produzida deveria melhorar as condições de trabalho e, consequentemente, nossa condição socioeconômica. Porém, há um desequilíbrio absurdo entre descanso e trabalho.
A disputa pelo controle sobre o tempo é tão importante quanto as outas lutas por direitos sociais. O direito ao descanso foi conquistado com muita luta... e essa luta continua, companheir@!
O Direito do Trabalho nasce com a limitação da jornada laboral no século XIX. As mobilizações sindicais resultaram na Primeira Convenção de 1919 da OIT, que estabeleceu o critério de 8 horas diárias de expediente. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reconheceu o descanso como direito universal inviolável (art. 24 e 39). Negar o descanso aos trabalhadores é violar os direitos humanos!
No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT art. 129ss.) e a Constituição Federal institui as férias remuneradas e descanso semanal (art. 7º). Negar o descanso aos trabalhadores é violar a Constituição!
O Brasil é um dos países onde mais se trabalha no mundo. Mais de 2/3 dos empregados formais trabalham na escala 6x1 e recebem menos de 2 salários mínimos. Descansar virou luxo! O fim da escala 6x1 está na ordem do dia porque os trabalhadores não suportam mais. Desemprego, altíssimas taxas de informalidade, salários miseráveis, milhões de jovens sem trabalho, pressão por resultados imediatos, ausência de fiscalização e desmonte da legislação trabalhista, insegurança, doença mental, estresse, durnout, depressão. Quem trabalha na escala 7x0 não sabe quando começa e termina sua jornada. Em regimes assim, análogos à escravidão, a palavra trabalho assume seu sentido original do Latim tripaliare (torturar). Derivada de tripalium, é um instrumento de tortura feito de três pedaços de madeira. Efetivamente, “o dinheiro governa com o chicote do medo” (Papa Francisco). O fim da escala 6x1 é um grito de socorro.
O principal ensinamento da Bíblia sobre o trabalho encontra-se na Lei do Descanso (Shabbat). No livro do Êxodo (20, 8-11), o Sábado remete ao repouso divino do sétimo dia da criação: No descanso, não só no trabalho, somos feitos à imagem e semelhança de Deus. (Gen. 1,27). Deuteronômio 5, 12-15 relaciona o Descanso com a experiência de um grupo de trabalhadores explorados. Organizados por Moisés, conquistam a libertação de um regime de escravidão que os proibia de descansar para não interromper as grandes obras. Por isso, “a memória e a experiência do Sábado constituem um baluarte contra a escravização do homem ao trabalho contra toda forma de exploração” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 258). O descanso do povo trabalhador é uma prefiguração do repouso eterno (Hebreus 4, 8-10).
A Doutrina Social da Igreja sempre defendeu o direito ao descanso. No Século XIX, Papa Leão XIII, solidário à duríssima realidade dos trabalhadores explorados nas fábricas, defendeu o descanso com veemência (Rerum novarum, n. 30). O descanso é tão importante que mereceu uma citação no Concílio Vaticano II: “O esforço responsável e árduo dedicado ao trabalho deve ser seguido por tempo de repouso e descanso que permita cultivar a vida familiar, cultural e religiosa” (Gaudium et spes, n. 67).
Descansar significa mais do que interromper o trabalho. O direito ao descanso se apoia no primado da pessoa sobre as coisas e do trabalho sobre o capital (Laborem exercens, n. 11). É a pessoa trabalhadora, e não a economia, o primeiro critério para determinar o tempo de descanso.
A redução do tempo de trabalho sem redução de direitos envolve a questão mais ampla da organização do trabalho. Com o fim da escala 6x1 busca-se um objetivo de longo prazo: trabalhar menos, trabalhar todos, produzir o necessário, redistribuir tudo. Isso exige uma mudança de mentalidade sobre os fins da economia.
Descanso é um ato de resistência! Trabalhar sem descansar é indecente, é uma crueldade. Cabe ao povo trabalhador lutar para que a ditadura do mercado não elimine o descanso. E que toda sociedade se coloque em Movimento pela Vida Além do Trabalho!
“Vale mais a palma da mão cheia de descanso do que duas mãos cheias de trabalho e de perseguir vento” (Eclesiastes 4,6).
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O descanso, o trabalho e a escala 6x1. Artigo de Élio Gasda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU