No Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 47.646 pessoas foram vítimas de estupro, sendo que 90% desses casos foram com mulheres. O número representa uma queda de quase 7% em relação ao registrado em 2013 (51.090). Assim, com informações oficiais das secretariais estaduais da Segurança com base na lei de acesso à informação, isso equivale a um caso a cada 11 minutos, em média, no país. Entretanto, esses dados apresentam problemas, por que o Fórum estima que aproximadamente 90% dos casos de estupro no país não chegam à polícia.
Nessa situação, para a diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno, é difícil afirmar se houve realmente uma redução no tipo de crime, já que a subnotificação é extremamente elevada no país. “É o crime que apresenta a maior taxa de subnotificação no mundo. Então é difícil avaliar se houve de fato uma redução da incidência”, declara Bueno. Na mesma linha, a socióloga Andreia Soares afirma que “é preciso encorajar as mulheres a reduzir a subnotificação dos casos de estupro. Esses números nos ajudam a fazer pressão e nos permitem argumentar em prol de políticas públicas para combater o problema”.
Ao mesmo tempo, o Fórum acredita que possam ter ocorrido entre 136 mil e 476 mil casos de estupro no Brasil no ano passado. Essa projeção está baseada em estudos internacionais, que apontam que 35% das vítimas desse tipo de crime prestam queixa na polícia. Ao tentar chegar mais próximo dessa realidade, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA tem uma visão mais pessimista, estima que apenas 10% dos casos chegam ao conhecimento da polícia, já o número de estupros no Brasil pode chegar a quase 600 mil por ano, significando que a cada 1 minuto uma pessoa é estuprada no país.
O debate acerca do estupro ganhou espaço novamente na sociedade quando uma jovem de 16 anos foi estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro. Segundo o Instituto de Segurança Pública, órgão ligado à Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, afirma que as principais vítimas de estupro são menores de 14 anos e mais de 30% dos casos de violência sexual vêm de um agressor conhecido. Além dessas informações, o estudo ainda traz, pela primeira vez, dados sobre o assédio sexual. No Estado do Rio, 134 mulheres denunciaram assédio sexual. Embora o tipo de pena para esse caso seja de dois anos de detenção, foi verificado que 72% das denúncias foram enquadradas como crimes de menor potencial ofensivo.
O mesmo aconteceu com a chamada importunação ofensiva ao pudor, quando, em 2015, 610 mulheres denunciaram casos que abrangem desde “encoxadas” no transporte coletivo até a gravação das partes íntimas da vítima. Nesses casos, a pena é mais branda ainda, existindo apenas uma multa na forma de castigo. Os abusos sexuais são os únicos em que as mulheres lideram o número de vítimas. A lesão corporal dolosa, quando é um ato intencional, é a mais comum no Rio de Janeiro, representando 64% das denúncias. A maioria das mulheres é agredida nas suas próprias casas. De acordo com os dados do Sistema Único de Saúde - SUS, duas em cada três vítimas de violência foram mulheres que precisaram de atendimento médico por violências domésticas, sexuais e/ou outras no ano de 2014. A cada dia desse ano, 405 mulheres procuraram atendimento por alguma violência sofrida.
“A cultura na qual a outra pessoa é tratada como uma coisa que pode ser usada, pode ser descartada e que pode ser violentada. Na base dessa cultura, existe justamente um modo de pensar, de ver o outro e tratar o outro como se fosse justamente uma coisa”, afirma a filósofa Marilu Cabañas. |
O ObservaSinos, Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, comprometido com a análise e o debate sobre as realidades, reuniu dados sobre o número de mulheres estupradas no Vale dos Sinos, a partir de indicadores da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul para os 14 municípios do Vale do Sinos. Na região, de 2012 a setembro de 2015, 593 mulheres foram estupradas, conforme os dados expostos na Tabela 1. Esses casos vêm sendo reduzidos gradativamente, de 205 casos em 2013, para 64 no ano passado. Ao analisar esses dados brutos, percebemos, obviamente, que os municípios de maior população vão apresentar os maiores números de casos, como ocorre em Canoas (150), Novo Hamburgo (118) e São Leopoldo (108). Se analisarmos pela ótica da taxa de mulheres vítimas sobre o número de habitantes, percebemos que Araricá apresenta uma taxa de 8,31, seguido por Portão (4,45) e Dois Irmãos com 3,59.
Essa redução pode ser atribuída a uma série de políticas de empoderamento das mulheres nos últimos tempos. Em 2005, por exemplo, desde a criação da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, houve mais de 4,5 milhões de atendimentos. No primeiro semestre de 2015, a Central fez 364.627 atendimentos, uma média de mais de 2 mil atendimentos por dia. Destes, 32.248 foram relatos de violências físicas e psicológicas sofridas por mulheres. Além desse fator, a secretária para Autonomia Feminina da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Ministério da Cidadania, Tatau Godinho, acrescenta que a Lei Maria da Penha, os juizados especiais de atendimento à mulher, os centros de atendimento e a Casa da Mulher Brasileira incentivam muitas brasileiras a terem coragem de denunciar. “Foi um longo processo até a criação de um aparato de polícia, justiça e saúde com atendimento específico para as que sofrem violência”, explica Tatau.
Para Soares, coordenadora do estudo, o “perfil das vítimas não muda e continua reproduzindo padrões culturais machistas. A maioria das mulheres vítimas de violência tem trabalho e renda e grau de instrução, o que derruba a ideia de que só a mulher da favela ou pobre é vítima de violência doméstica”. Nesses casos, a coordenadora do estudo avalia que endurecer as penas não é, necessariamente, o melhor caminho: “Eu acredito que conscientizar é uma via mais rápida. Muitas dessas mulheres não entendem que tenham sofrido violência, por conta de uma educação que se acostuma a esse tipo de hábito. É preciso colocar em debate se essas violações devem ser julgadas de uma forma mais dura. Deve partir da sociedade”.
Em 2009, houve alteração no Código Penal, passando a considerar, além da conjunção carnal sem consentimento, atos libidinosos como crime de estupro. Em outras palavras, o estupro é definido como a prática não consensual do sexo, imposta por violência ou qualquer outra forma de ameaça. Portanto, qualquer ato de prática sexual sem consentimento de alguma das partes é caracterizado como estupro envolvendo ou não penetração. Em 2015, foi aprovado um projeto de lei na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmera dos Deputados que dificulta o acesso das vítimas de estupro ao atendimento médico nessas situações. Trata-se do PL 5069, que exige que as vítimas passem primeiro por uma delegacia para depois fazerem o corpo de delito e somente depois seguir para o hospital, com os devidos documentos que comprovam que elas, de fato, foram estupradas. Esse projeto de lei ainda precisa ser aprovado no Plenário da Câmera.
O presidente interino Michel Temer deu perda de status às pastas ligadas às questões sociais na Secretaria das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, passando a fazer parte do Ministério da Justiça. Sobre essa perda, a coordenadora da Rede de Desenvolvimento Humano - Redeh, Shuma Schumaher, vê um como um grande retrocesso para as mulheres. Para ela, nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, houve um pequeno reconhecimento dos anos históricos de luta pelos direitos das mulheres. Além dessa questão, o governo interino não conta com quase nenhuma mulher, mesmo sendo a maior parte da população e do eleitorado. Assim como a representação de negros, indígenas ou movimentos sociais, anulando qualquer possibilidade de diversidade. A socióloga e pesquisadora Clara Araújo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ considera que existe um “grau de conservadorismo muito grande, com concepções familistas e paternalistas sobre quais são os papéis das mulheres na sociedade ”.
Nessa mesma perspectiva de redução de gastos, embora seja uma economia simbólica reduzir ministérios, o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, decretou o fim da Secretaria de Políticas para Mulheres, que tinha sido criada em 2011. "Há derrota em todas as frentes. Perde a luta das mulheres por estar sendo homogeneizada pelos arrependidos e arrependidas de sempre e agora perde ainda mais, em função da ausência de organização massiva, ao ver a pouca conquista (ainda que institucional), estar indo para o ralo", lamenta Bruno Lima Rocha, professor da Unisinos. Atualmente, conforme as informações disponibilizadas nas páginas das prefeituras dos 14 municípios do Vale dos Sinos, existem apenas secretarias, departamentos, coordenadorias ou órgãos do tipo destinados especialmente a políticas públicas para mulheres, sendo em Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Sapiranga.
Por João Conceição e Marilene Maia