Dia Internacional da Mulher: A realidade da violência contra as mulheres no Vale do Sinos

  • Quinta, 17 de Março de 2016

No mês do Dia Internacional da Mulher, o Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, acessou dados públicos para traçar um quadro sobre a realidade das mulheres na região do Vale do Sinos.

Há muitos anos a luta por mais direitos para as mulheres tem marcado a história. Desde movimentos que exigiam o direito ao voto para a população feminina, até mesmo organizações que lutavam contra a jornada dupla de trabalho e a exploração do corpo feminino. O próprio oito de março, Dia Internacional da Mulher, é uma homenagem às operárias que morreram carbonizadas em uma fábrica têxtil no EUA, em 1911, um fato simbólico que demonstrou a crueldade que as mulheres têm sofrido ao longo do tempo. Por isso a data se coloca como um dia de afirmação da luta por mais direitos femininos.

Foto: www.artsonline.monash.edu.au

 

Até os dias de hoje já tivemos muitos avanços, entretanto ainda são muitas as desigualdades vividas pelas mulheres. A professora Marcia Blasi [1] afirma que ainda temos muito a avançar: “O machismo impera no Brasil, no Rio Grande do Sul e nos municípios. Homens e mulheres não são iguais. Isso não é uma teoria, é uma realidade”.

Realidade que se revela em números e estatísticas. E dessa forma demonstram que ainda se tem muito a avançar. Para a professora é necessário que se tornem efetivas as políticas públicas. “É necessário que se torne bem implementada para termos grandes números de atendimentos. Faltam estruturas como casa de passagem para mulheres em situação de violência”, relata.

Seguem apresentados alguns dados sistematizados sobre as realidades vividas pelas mulheres no Vale do Sinos.

A morte de mulheres na região

Em 2015 foi lançado o Mapa da Violência: Homicídio de Mulheres no Brasil com a sistematização de dados sobre os homicídios femininos ocorridos no país. Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, o Brasil está em 5º lugar na taxa de homicídios de mulheres. Com uma taxa de 4,8 a cada 100 mil mulheres. O país tem 48 vezes mais homicídios femininos que o Reino Unido que está em 75ª posição no ranking com 83 países.

Já o Rio Grande do Sul apresenta uma taxa de 3,9 entre os anos de 2009 e 2013. No ranking apresentado pelo Mapa da Violência entre os municípios com a taxa de homicídios femininos, apenas Tramandaí aparece entre os 100 primeiros, na 50ª posição com a taxa média de 12,8. O segundo município do RS a aparecer na lista é Capão da Canoa em 156ª posição, com taxa média de 9,1.

A tabela abaixo apresenta a sistematização dos indicadores de homicídios femininos nos 14 municípios da região do Vale dos Sinos. O primeiro município do Vale do Sinos a aparecer no ranking é o de Nova Santa Rita, na 185ª posição e como apresenta a tabela 01 com uma taxa média de 8,7.

O município com o maior índice de violência, conforme a média apresentada na tabela é Nova Santa Rita. Mas, deve-se considerar que o município tem uma população média de 11 mil habitantes. Em segundo lugar, com a maior taxa de homicídios femininos está o município de São Leopoldo, com uma taxa média de 6,8, tendo sido registrado onze mortes apenas no ano de 2012.

Observando mais a tabela 01 podemos ver que os anos de 2009 e 2012 tiveram um número maior de ocorrências. Canoas, por exemplo, no ano 2009 apresenta um número de 11 homicídios e, no ano de 2013, o número é de 13 ocorrências. Nesse sentido, 2009 e 2012 são os anos com os números mais altos do município. Esse fenômeno se repete no município de Novo Hamburgo, onde os números totais mais altos do Vale do Sinos estão nos anos de 2009 e 2012.

De maneira geral, podemos notar que o ano de 2012 foi marcado por um alto índice de mortes de mulheres na região do Vale do Sinos. Cinco municípios tiveram um número maior de ocorrência no ano de 2012: São LeopoldoCanoasCampo BomPortãoSapiranga. Dois apresentaram maiores números no ano de 2009: Nova Santa Rita e Novo Hamburgo. Dois apresentaram maiores números no ano de 2010: Esteio e Nova Hartz. Um apresentou maior número em 2011: Sapucaia do Sul. Um apresentou maior número no ano de 2013: Campo Bom. Esses números foram apresentados em um panorama geral, sem considerar o número absoluto de habitantes.

A Lei Maria da Penha no Vale do Sinos

Hoje no Brasil existem duas leis que são importantes para compor as políticas públicas de enfrentamento às violências contra as mulheres. Elas são:

Lei Maria da Penha, sancionada no ano de 2006, que prevê os crimes de violência contra as mulheres em ambiente doméstico e familiar;

E a Lei do Femicídio, sancionada no ano passado e que prevê pena mais ampla para crimes contra a vida de mulheres por condições do sexo feminino.

Entender a complexidade da realidade das mulheres hoje na sociedade é um grande desafio. A violência física é só mais uma das formas que exclui e ceifa com a vida da população feminina. Por muitas vezes facilmente identificamos quando o uso de força física é empregado contra uma mulher, resultando em uma violência ou mesmo em morte. Porém, deve-se atentar de que a violência pode ser muito mais silenciosa do que parece. E quando falamos de violência doméstica se torna muito mais complicado de observarmos isso.

Uma dificuldade encontrada em relação ao combate da violência doméstica é a ideia que a vida familiar é privada e diz somente respeito aos membros daquele ambiente. Assim, muitas vezes as vítimas não denunciam seus problemas no ambiente doméstico, pois acham que o Estado não deve ter responsabilidade com isso. A professora Marcia aponta que esta é uma tendência. “As mulheres costumam pensar que as soluções são individuais e devem ser resolvidas dessa maneira. Além de terem medo de fazer as denúncias”, afirma.

É importante que se atente para todos os tipos de violências que podem ser cometidos contra as mulheres no ambiente doméstico. A Lei Maria da Penha apresenta quatro tipos de violência, além da violência física. Entre elas estão enquadradas a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral que afetam e são capazes de prejudicar a vida das vítimas tanto quanto a violência física.

A partir desse entendimento, sobre as tipificações de violência previstas na Lei Maria da Penha, apresentamos a tabela 02. O ObservaSinos acessou os dados da Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio Grande do Sul e sistematizou as informações a partir das denúncias pela Lei Maria da Penha nos 14 municípios da região do Vale do Sinos.

Na tabela 02 são apresentados dados dos anos de 2013, 2014 e 2015. Foram somadas todas as notificações enquadradas na Lei Maria da Penha e comparada às variações durante esses anos. É importante dizer que os dados de 2015 foram coletados somente até o mês de outubro.

Podemos analisar que ao longo desses três anos foram notificados no total 25.485 casos enquadrados em ameaça, lesão corporal, estupro, femicídio tentado e femicídio consumado. Entre os municípios com mais notificações estão Canoas, com 6.316 no total, Novo Hamburgo, com 4.605 no total e São Leopoldo, com 4.586 no total. Vale ressaltar que esses são os municípios mais populosos da região do Vale do Sinos.

Pode-se dizer que houve uma diminuição no Vale do Sinos durante esses anos. Mas, novamente é preciso alertar que o ano de 2015 é composto por dados somente até o mês de outubro. A próxima tabela, abaixo, apresenta outra variação, agora entre os anos de 2013 e 2014 e com as notificações por tipificação.

A tabela 03 apresenta a variação do número durante os anos de 2013 e 2014, com as tipificações da Lei Maria da Penha. Podemos observar um aumento de 90% de registros de lesão corporal no município de Araricá.

Outro município que teve variação nas notificações de lesão corporal para mais no Vale do Sinos foi Nova Santa Rita, apresentando um número de 35%. Entre as variações de lesão corporal apenas cinco municípios tiveram variações para mais. Eles são: Araricá, Campo BomCanoas, Nova Santa Rita e Portão.

Se observarmos as notificações de ameaça, lesão corporal e estupro, no geral do Vale do Sinos, diminuíram. Porém, as de femicídio consumado e tentado aumentaram. O número de femicídio consumado aumentou em 66%. Ao mesmo tempo em que no Vale do Sinos, as notificações somadas tiveram uma diminuição de 1,94%.

Foram também reunidos e analisados dados de ano a ano. A tabela 04 apresenta dados do ano de 2015.

A tabela 04 nos apresenta os números de notificações de violência contra as mulheres durante o período do ano de 2015 até o mês de outubro. São tipificadas as notificações em ameaça, lesão corporal, estupro, femicídio consumado e femicídio tentado. Olhando a tabela 04 o município com maior índice de notificações de ameaça foi Canoas. Deve-se considerar que Canoas é o município mais populoso da região do Vale do Sinos, porém sem desconsiderar que esse número é representativo da situação das mulheres na região.

Os municípios que apresentam números maiores nas notificações de ameaça, depois de Canoas, são Novo Hamburgo e São Leopoldo, com o número de 697 e 666 respectivamente. É importante apontar que Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo são os municípios mais populosos em número de mulheres. Isso gera mais probabilidade de ocorrência de violência contra a mulher nesses municípios. O município de Araricá tem o menor número de população média de mulheres, sendo elas 2.408, enquanto o índice de femicídio consumado é igual ao de municípios mais populosos, como apresenta a tabela 04 acima.

Pode-se dizer também que as maiores notificações de violência com a mulher se encontram enquadradas em ameaça e lesão corporal. Ao todo a região do Vale do Sinos teve um total de 4.094 casos notificados de ameaça e 2.311 casos de lesão corporal. Tendo os maiores números de casos concentrados, como já foi apontado antes, nos municípios de Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo.

Dos 14 municípios do Vale do Sinos sete não apresentaram notificações de femicídio consumado no ano de 2015, até outubro do mesmo ano. Isso apresenta um número relevante considerando que metade dos municípios que compõe a região não apresentaram notificações. O total de ocorrências de femicídios consumados no Vale do Sinos no ano de 2015 foram sete. Número razoável, mas, que deve alertar para as questões de violência de gênero.

Em 2014, como veremos a seguir na tabela 05, o número femicídios consumados foi de 10 ocorrências, portanto os casos foram concentrados em cinco municípios.

Podemos ver que na tabela 05 que aconteceram dez femicídios consumados no ano de 2014. Três casos aconteceram em Novo Hamburgo, outros três em Sapucaia do Sul. Dois aconteceram em Canoas, um em São Leopoldo e um em Sapiranga.

Também é possível perceber uma grande variação no número de notificações enquadradas na Lei Maria da Penha em relação à tabela 04 que apresenta dados do ano de 2015. Porém, é necessário apontar que os dados da primeira tabela foram extraídos somente até o mês de outubro, o que pode explicar a diminuição dos casos, pois, o ano ainda não tinha sido encerrado e por isso as notificações de novembro e dezembro não entraram no banco de dados.

Dessa forma, em comparativo com a tabela 06, que segue a seguir, houve mais notificações no ano de 2013. Porém, no ano de 2014 houve mais femicídios consumados. Como podemos ver, a tabela 06 apresenta um número total de seis femicídios ao longo do ano de 2013, com centralidade no município de São Leopoldo, onde foram registrados três casos.

No ano de 2013 foram registradas 9.573 notificações enquadradas nos crimes previstos pela Lei Maria da Penha. Em 2014, esse número foi de 9.387. Observamos uma tendência a diminuir os registros.

Apesar dessa tendência de decréscimo, visualizamos que houve um aumento nas notificações de femicídio tentado ao longo desses três anos. Apesar de no ano de 2015 termos somente dados até outubro, esse foi o ano com maior número de registro, 49 notificações, enquanto que em 2013 foram 33 e 2014 foram 36.

Outras observações que podem ser feitas são sobre a questão é de que os municípios de Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo aparecem com os maiores números. Isso se dá bastante pela questão de serem municípios com grande população.

Aborto: direito a qual vida?

A questão da interrupção da gravidez é rodeada por muitos tabus. Desde seu debate ético sobre o valor da vida até mesmo sobre as questões que discutem o direito ao próprio corpo. Independente disso, esta é uma realidade que envolve a vida e a morte de mulheres na tentativa de abortos clandestinos. Em 2014 um caso que gerou grande repercussão midiática sobre o tema, foi a morte da jovem Jandira dos Santos. A jovem foi até uma clínica clandestina para realizar o procedimento e no dia seguinte foi encontrada morta.

Apesar dos riscos que estão em volta desse procedimento feito de forma clandestina, além do fato do aborto ser proibido por lei, segundo o artigo 124 do Código Penal, de acordo com o IBGE, estima-se que em 2013, 1 milhão de mulheres, entre 18 e 49 anos, interromperam a gravidez propositalmente. Dentre essas, 33% possuía ensino fundamental incompleto e 33% ensino médio incompleto. Apenas 10% dessas mulheres possuíam ensino superior completo.

Porém, ainda existe muita dificuldade na computação de dados sobre aborto. Um motivo é que os dados são construídos em cima do número de mulheres que se internaram em hospitais depois de fazer o procedimento de aborto. Nesse sentido, há mulheres que usam medicações clandestinas que provocam abortos ”espontâneos” ou mesmo as que não têm complicações após o procedimento e por isso não procuram uma unidade de saúde.

Em questões de dados mais específicos para regiões, à pesquisa feita pelo IBGE apresenta somente os dados para abortos provocados dividido em região norte, nordeste, sudeste, sul e centro-oeste. Para a região sul, como é possível ver abaixo, o número de abortos foi de 74 mil ou de 6,9%. Abortos inseguros é a 5ª maior causa de mortes maternas no Brasil, segundo DataSUS, causando a morte de uma mulher a cada 2,6 dias em média.

Jandira era mãe de outras duas crianças quando decidiu interromper a sua terceira gestação. SegundoPesquisa Nacional do Aborto, 81% das mulheres que interrompem a gravidez já são mães. Falar sobre aborto também nos leva a pensar na situação da maternidade. Em 2015, o ObservaSinos reuniu dados sobre a situação de vulnerabilidade das mães na região do Vale do Sinos.

No ano de 2010 o percentual de meninas de 10 a 17 anos que já tinham filho era de 2,16. Além disso, outro dado preocupante era o de mães chefes de família sem ensino
fundamental completo e com filho menor. O gráfico, que pode ser visto na análise “Mães e filhos estão vulneráveis no Vale do Sinos”, aponta que houve um aumento. Em 2000 o percentual era de 13,37 enquanto que no ano de 2010 subiu para 19,62.

É dessa forma que comemoramos o dia 8 de março e o mês da Mulher. Apontando dados. “Existiram muitos avanços para as mulheres, mas isso não significa que todas foram beneficiadas, há muito ainda a fazer”, afirma a professora Marcia Blasi. Que as aproximações com a realidade sejam inspirações para as mudanças.

[1] Marcia é professora na Faculdades EST - Escola Superior de Teologia. Ela também é coordenadora do Núcleo de Pesquisa de Gênero da EST e professora de Teologia Feminista. Também colabora com debates e palestras sobre o assunto em diversos espaços. O Núcleo de Pesquisa de Gênero da Faculdades EST estuda as relações de gênero e como elas afetam a construção social, também no campo da teologia.

Por: Carolina Lima e Marilene Maia