23 Fevereiro 2016
O Metropolita do Patriarcado de Moscou (Hilarion) lança a ideia: o caminho mais simples para redescobrir que católicos e ortodoxos compartilham a mesma fé passa pelos santuários, os santos e suas relíquias, a venerar conjuntamente. A proposta de levar a Moscou as relíquias dos santos Padroeiros de Roma. “Concordamos no fato que a unidade se faz caminhando”, tinha dito o Papa Francisco após o encontro com o Patriarca de Moscou Kirill no aeroporto cubano.
A reportagem é de Gianni Valente, publicado por Il sismógrafo, 22-02-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Passados poucos dias após aquele abraço, parece que o caminho mais simples e direto para redescobrir que católicos e ortodoxos compartilham da mesma fé apostólica seja aquele que passa pelos santuários, os santos e as suas relíquias, a venerar conjuntamente.
Foi o Metropolita Hilarion de Volokolamsk, “número dois” do Patriarcado, que revelou os caminhos pelos quais poderão estender-se os próximos passos compartilhados entre a Igreja de Roma e a Igreja de Moscou: “no decurso da reunião do Papa e do Patriarca” – assim confiou o Chefe do departamento sinodal para as relações com o exterior do Patriarcado de Moscou, numa entrevista publicada pela Interfax – “foi dito que devemos estar mais abertos uns aos outros no que diz respeito às peregrinações”.
O aceno à prática das peregrinações, lançado por Hilarion na sua entrevista, constitui até hoje a única referência circunstanciada aos conteúdos tocados no longo colóquio cubano entre Kirill e o Papa Francisco. Outras considerações acrescentadas por Hilarion na mesma entrevista deixam intuir que precisamente as peregrinações e a devoção aos santos serão um terreno privilegiado sobre o qual realizar a “série de iniciativas” comuns que o próprio Papa Francisco privilegiou em sua breve intervenção seguida ao encontro com o Patriarca russo, definindo-as “válidas” e realizáveis.
Hilarion, respondendo a Interfax, quis sublinhar que a via das peregrinações e da devoção comum aos santos já é seguida pelo povo de Deus – católicos e ortodoxos – que tomou a iniciativa espontaneamente, seguindo o próprio sensu fidei e sem esperar disposições e solicitações da parte das hierarquias.
O Metropolita do Patriarcado de Moscou mencionou em particular o fluxo de peregrinos ortodoxos que visitam em Bari as relíquias de São Nicolau, e recordou os peregrinos católicos que visitam os santuários ortodoxos, acrescentando que se trata somente de “intensificar estes fluxos” já em ato, porque “é muito importante que as pessoas se encontrem, e que uns possam ter acesso aos santuários que se encontram no território dos outros”.
Depois, Hilarion reconheceu como realizável precisamente a translação temporária à Rússia das relíquias dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, junto àquelas de São Tiago, confiando que a primeira troca de relíquias se poderá realizar “neste ano”, na certeza que os cristãos russos “ficarão muito contentos”, e que “também as relíquias da Igreja ortodoxa russa poderão ser levadas “por algum tempo” aos Países ocidentais.
As palavras de Hilarion parecem carregadas de implicações: entre as relíquias evocadas para serem expostas à devoção dos russos ortodoxos, aquelas dos santos Pedro e Paulo, padroeiros da Igreja de Roma, representam também o fundamento martirial do ministério do sucessor de Pedro.
Enquanto a pista ecumênica da recíproca hospitalidade nos santuários e da troca das relíquias revela ao primeiro olhar potencialidades enormes, se só se toma em conta a grande devoção testemunhada pelos ortodoxos russos pela Mãe de Deus, pelos santos e também pelos testemunhos visíveis e tangíveis de sua vivência terrena.
Somente no inverno de 2012, três milhões de ortodoxos russos se puseram em procissão para venerar em Moscou e em São Petersburgo a Cintura da Mãe de Deus, uma relíquia mariana chegada à Rússia por excepcional concessão do mosteiro de Vatopedi do Monte Alhos, onde é custodiada.
“Nenhuma manifestação em toda a história, nem política, nem esportiva, havia jamais reunido tanta gente quanto a exposição da Cintura da Santíssima Mãe de Deus”, disse naquela ocasião o patriarca Kirill, exaltando aquela multidão imensa vinda “em busca de um milagre”, e reconhecendo que “o contato com o milagre é a realidade da nossa vida eclesial. E se hão existisse este contato, não existiria a demonstração da existência de Deus na experiência”.
Entre os santos venerados com particular devoção pelos russos há numerosos Papas reconhecidos como santos na Igreja indivisa, como são Clemente. O corpo do quarto Papa da história foi transportado da Criméia a Roma pelos Santos Cirilo e Metódio, os Apóstolos dos povos eslavos: uma igreja dedicada a São Clemente Papa de Roma está entre as mais conhecidas do distrito central de Moscou, enquanto na basílica romana dedicada àquele Papa santo são conservadas as relíquias de São Cirilo.
De relíquias que podem acender a gratidão devota dos fiéis ortodoxos russos estão repletas a Itália e a Europa. Enquanto o professor Alberto Melloni levantou a hipótese que também o Santo Sudário possa um dia ser enviado a Moscou “como gesto de amor a uma Igreja que não o guarda como “encontrado”, mas como mãe de todos os ícones, signo da visibilidade da carne de Cristo, sobre a qual se fundamenta a unidade da Igreja”.
A via dos santuários, da devoção mariana e da veneração reservada também às relíquias dos santos das multidões dos fiéis representa um caminho privilegiado à comunhão com os irmãos ortodoxos, e é também muito cara e familiar ao atual Bispo de Roma.
Bergoglio a seguiu e sugeriu a todos com fervor apostólico já como bispo, quando se imergia como celebrante, pregador de homilias e confessor nas peregrinações multitudinárias ao santuário argentino da Virgem de Lujan e àquele buenairense de São Caetano, o Santo “do pão e do trabalho”.
Não é por nada que um dos primeiros textos do Papa argentino traduzidos ao russo e distribuídos em milhares de cópias em Moscou e nas outras cidades da Rússia seja uma coletânea de homilias marianas por ele pronunciadas por ocasião das peregrinações dos jovens argentinos a Nossa Senhora de Lujan.
O volume em cirílico, intitulado Mãe, presenteia-nos o teu olhar, elaborado pela Academia Sapientia et Scientia, em colaboração com a Universidade estatal das relações internacionais de Moscou (MGIMO), contém um prefácio do mesmo Hilarion de Volokolamsk.
O Metropolita ortodoxo, partindo do título do livro, sublinha entre outros aspectos que a palavra “olhar é uma das palavras que se repetem mais frequentemente nestas meditações”, e confirma com anotações pessoais a afinidade percebida com o Papa Francisco a partir do olhar dirigido conjuntamente à Mãe de Deus: “A Igreja da qual sou pároco no centro de Moscou”, conta Hilarion “é conhecida pelo nome de um ícone da Madona que ali é custodiada. O ícone se chama “alegria de todos os sofredores”; e representa a Mãe de Deus circundada por uma multidão de pessoas que sofrem, enfermos, homens e mulheres que procuram ajuda, proteção, cura”.
Hilarion descreve o fluxo contínuo dos fiéis que se dirigiam solicitando socorro ao ícone milagroso também nas décadas soviéticas seguidas à guerra, fluxo que agora aparece como sempre mais intenso: “a devoção à Mãe de Deus é um dos tesouros espirituais comuns da Ortodoxia e do Catolicismo”, confirma o Metropolita, que também é considerado a mente mais “política “ do atual organograma patriarcal, e é conhecido pela espinhosa desconfiança por ele reservada ao diálogo teológico levado em frente pela Comissão mista católico-ortodoxa (co-presidida da parte ortodoxa pelo Metropolita Ioannis de Pergamo, do patriarcado ecumênico de Constantinopla).
As palavras de Hilarion sobre a hospitalidade recíproca nos santuários e sobre o compartilhamento das relíquias fazem intuir que o abraço de Cuba não será somente um “grande evento” fim em si mesmo e auto-apagante. Aquele encontro parece imediatamente sugerir desenvolvimentos concretos. Para católicos e ortodoxos, uma praxe pastoral inspirada pelo fato comum com os santos e Maria pode ajudar a reconhecer–se reciprocamente na comum fé apostólica, e representa um passo objetivo em direção à plena unidade sacramental.
Tal unidade que não pode ser confiada somente às tratativas teológicas conduzidas em circuitos necessariamente elitistas. Mas, não pode sequer ser reduzida a pactos de aliança e batalhas “antropológicas” contra as derivas da modernidade. Corremos o risco de permanecer afastados todos os detratores em serviço permanente que têm querido contar o abraço de Cuba como mera ação de política eclesiástica, negando a priori ao encontro entre Kirill e Bergoglio todo potencial desenvolvimento positivo no caminho da unidade entre as Igrejas.
Até Hilarion, tão pouco inclinado a mesuras ecumênicas, parece abrir-se à hipótese que “a unidade se faz caminhando”, quando em sua entrevista cita o líder cubano que o fez de hóspede no encontro no aeroporto de Havana: “O Presidente Raul”, refere Hilarion, “apelou ao provérbio que toda estrada, também a mais longa, começa com um primeiro passo. Este primeiro passo já foi dado, e agora espero que nesta longa estrada os fiéis das duas tradições se porão a caminhar juntos, sem dever fazer nenhum compromisso com a própria consciência, sem compromissos doutrinais, mas defendendo aquilo que para nós é comum”.
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Após o abraço de Cuba, católicos e ortodoxos unidos na “via dos santuários” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU