13 Outubro 2014
Com o Sínodo sobre a família chegando à metade do caminho com uma nota positiva, o Papa Francisco tomou a decisão inédita e altamente significativa de adicionar seis padres sinodais altamente qualificados à equipe que irá escrever o seu relatório final. Essa decisão pode vir a ser um divisor de águas.
A reportagem é de Gerard O'Connell, publicada no sítio da revista America, dos jesuítas dos EUA, 11-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Em quase todos os sínodos, ao longo dos últimos 49 anos, o relatório final era elaborado pelo relator, o secretário especial e o secretário-geral. Presumia-se que o relatório final do Sínodo de 2014 iria seguir o exemplo e ser elaborado pelo cardeal húngaro Péter Erdö (relator), pelo teólogo italiano e arcebispo Bruno Forte (secretário especial) e pelo cardeal Lorenzo Baldisseri da Itália (secretário-geral), que está participando do Sínodo pela primeira vez. Esse já não é o caso.
O Vaticano anunciou no dia 11 de outubro que o Papa Francisco decidiu acrescentar seis padres sinodais altamente qualificados para auxiliar nessa onerosa e tão importante tarefa. São eles: os cardeais Gianfranco Ravasi (da Itália, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura) e Donald William Wuerl (arcebispo de Washington, EUA), os arcebispos Victor Manuel Fernandez (Reitor da Universidade Católica de Buenos Aires e principal consultor teológico do papa em Aparecida em 2007), Carlos Aguiar Retes (Presidente do CELAM), Peter Kang U-IL (Presidente da Conferência Episcopal da Coreia) e o padre Adolfo Nicolás Pachón (Superior Geral da Companhia de Jesus).
O relatório final será o texto chave que sairá desse Sínodo Extraordinário, e será baseado no que foi falado nos discursos e debates. É um documento mais importante, pois servirá de base para a discussão nas conferências episcopais e Igrejas ao redor do mundo de agora até o Sínodo de outubro de 2015. Servirá como o equivalente a um documento de trabalho em preparação para o próximo Sínodo, que espera-se virá com propostas importantes sobre a pastoral da família no século XXI, incluindo as que se referem à maneira que a Igreja responderá às questões da coabitação, admissão de católicos divorciados e recasados à comunhão, outras situações irregulares, uniões homossexuais e muito mais.
O papa jesuíta tomou essa decisão importante no momento que a primeira parte do sínodo sobre a família terminou com uma nota otimista e os participantes partem para a segunda fase crucial onde discutirão, em dez pequenos grupos lingüísticos, as questões-chave e, em seguida, expressarão suas opiniões majoritárias e minoritárias sobre elas.
Nesta primeira semana, os 253 participantes do Sínodo falaram utilizando tanto textos preparados ou de forma espontânea sobre um ou outro tema do documento de trabalho que tinha sido designado para esse dia especial. Eles já concluíram essa parte, mas já várias coisas ressaltam que valem a pena mencionar.
Para começar, os participantes que participaram de sínodos anteriores confirmam que o clima de liberdade e o método operativo dessa vez é significativamente diferente dos sínodos do passado, e eles confirmam que isso está produzindo resultados positivos.
Cada participante com quem eu converso privadamente, bem como aqueles que se reuniram com a imprensa, deram crédito total ao Papa Francisco pela criação de um clima de liberdade onde todo mundo sente-se totalmente livre para dizer o que realmente pensa sobre um determinado assunto. "As pessoas estão muito relaxadas, e até mesmo fazem piadas", comentou o arcebispo Diarmuid Martin, de Dublin. Ele disse que o papa tem contribuído grandemente para esse clima, não só defendendo que eles falassem livremente e corajosamente desde o primeiro dia, mas também por chegar cedo todos os dias, cumprimentando os participantes quando eles chegam, e interagindo com as pessoas nos intervalos.
É sabido que, em sínodos do passado, uma censura discreta, mas eficaz, foi exercida por autoridades do Vaticano, mas o que era ainda mais grave e prejudicial para a realização de um debate aberto e honesto era a "auto-censura" exercida pelos próprios bispos nesses encontros. Dom José Maria Arancedo, presidente da Conferência Episcopal Argentina, afirmou isso francamente em uma entrevista, em 9 de outubro, quando, referindo-se a sínodos anteriores, disse: "A pior censura é a auto-censura".
Um segundo fator muito importante que diferencia este sínodo dos anteriores é que o método "indutivo" em vez do "dedutivo" tem prevalecido. O arcebispo Paul-André Durocher, presidente da Conferência Episcopal do Canadá, destacou este aspecto particular em um encontro no Vaticano no dia 9 de outubro.
"O que está acontecendo no Sínodo é que estamos vendo uma maneira mais indutiva de refletir, a partir das situações reais das pessoas ... e descobrindo que a experiência vivida pelas pessoas é também uma fonte teológica, um lugar de reflexão teológica", afirmou.
"Os bispos estão falando como pastores", muitos participantes confirmaram. Eles estão falando a partir de sua experiência pessoal e de sua honesta convicção sobre uma ampla variedade de assuntos. Às vezes, eles estão fazendo isso com grande paixão, também a partir das experiências matrimoniais de seus próprios pais, sejam elas felizes ou não.
Os bispos do Oriente Médio e da África, assim como os casais daquela parte do mundo, falaram, muitas vezes, de um jeito de cortar o coração, sobre o terrível impacto da guerra e da violência nas famílias, enquanto os bispos da Ásia, África e América Latina falaram dos efeitos destrutivos da pobreza e da imigração sobre inúmeras famílias.
Um grande número de bispos falou sobre a situação das crianças em casamentos desfeitos - "os filhos pingue-pongue" que vivem se intercalando entre as casas dos pais separados, e aqueles em situações de guerra e de violência, resultando na imigração. Eles falaram sobre como a Igreja está respondendo, em diferentes países, a tais situações e o que mais ela pode fazer.
Vários bispos reafirmaram que a Igreja deve mostrar amor e respeito aos homossexuais e lésbicas. Houve um consenso de que a Igreja não pode considerar a união de pessoas do mesmo sexo como casamento, mas deixou claro que não deve haver discriminação contra os filhos de tais uniões.
Muitos padres sinodais e alguns casais sublinharam a necessidade de uma preparação adequada dos casais que desejam se casar na Igreja e da necessidade de apoiar os casais depois de casados e com filhos. Outros sublinharam a necessidade de estar perto das viúvas e viúvos e daqueles que não têm famílias.
Não há consenso sobre a questão da indissolubilidade do matrimônio, mas há uma variedade de posições quando se trata de aplicar este princípio aos casos concretos. "Temos que exercer as nossas responsabilidades pastorais nas áreas cinzentas", disse o arcebispo Martin em uma coletiva de imprensa no Vaticano no dia 11 de outubro.
Não foi nenhuma surpresa ver diferentes posições surgirem entre os padres sinodais sobre tais questões como a relação entre a doutrina e a prática pastoral, como unir a misericórdia com a justiça, como medir a fé quando um casal deseja contrair matrimônio e a possibilidade de um caminho penitencial, que pode abrir a porta para a recepção dos sacramentos da reconciliação e da comunhão pelos católicos divorciados e recasados. Como já era evidente antes do Sínodo começar, há duas posições diferentes sobre a questão da admissão à comunhão de católicos divorciados e recasados; o que ainda não está claro é o nível de apoio para cada posição.
O Papa Francisco há muito tem favorecido o método indutivo; foi o que funcionou bem na reunião de Aparecida das Conferências Episcopais da América Latina e do Caribe (CELAM), em 2007, onde ele foi o editor-chefe de seu documento final, que agora é um texto fundamental para a compreensão de seu pensamento. Ele está convencido de que o processo de sinodalidade pode dar frutos - mesmo os mais inesperados - se todos os padres sinodais participarem dele com corações e mentes que estejam abertos para aquilo que o Espírito está dizendo nas diferentes situações no mundo de hoje.
Vale ressaltar que este clima de liberdade promovido pelo papa e a metodologia da sinodalidade que ele promoveu, ajudou a evitar a polarização no Sínodo, e levou os participantes a pensar que uma síntese e um eventual consenso podem ser alcançados, mesmo sobre as questões mais controversas, até o final do processo sinodal, em 2015.
Nesta segunda-feira, 13 de outubro, o cardeal Péter Erdö, relator do Sínodo, apresentará um relatório à assembleia resumindo as mais de 240 palestras ou apresentações escritas dadas durante a primeira semana. Seu relatório servirá de base para as 15 horas de discussão em 10 grupos lingüísticos (3 em italiano, 3 em inglês, 2 em francês e 2 em espanhol) durante os três dias seguintes. Ele também irá ajudar na estruturação do relatório final do Sínodo.
As observações feitas pelos dez grupos linguísticos serão inseridas nessa estrutura e isso resultará no relatório final, já mencionado, que será elaborado pelos padres sinodais mencionados anteriormente (a equipe original dos três mais os seis novos membros nomeados pelo papa).
Os padres sinodais vão votar e aprovar o relatório final na tarde de 18 de outubro. Esse texto será entregue ao papa e, eventualmente, enviado às Conferências e Patriarcados Episcopais de todo o mundo, e também é esperado que ele seja liberado para a imprensa.
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Papa, em decisão inédita, mas significativa, adiciona 6 padres sinodais à equipe que escreverá o relatório final do Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU