13 Outubro 2014
As regras básicas do Sínodo sobre a família, tal como previsto pelo Papa Francisco, não permitem apenas debater, mas a tomada de decisões de forma colegiada. Francisco está em modo de escuta - uma atitude, ele insiste, que requer humildade. Nesta fase, o caminho a frente é intrigantemente incerto.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada no jornal inglês The Tablet, 09-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Desde que ele saiu na varanda da Praça de São Pedro, 19 meses atrás, o Papa Francisco melhorou radicalmente a percepção da Igreja.
Ele ganhou a atenção da mídia mundial e embarcou em um diálogo com o ateu mais proeminente da Itália. Como foi publicado pelo The Tablet, circulavam rumores de que o papa podia ganhar o Prêmio Nobel da Paz.
Mas, enquanto Francisco tem sido bem sucedido em seu testemunho ao mundo, as dificuldades internas na Igreja permanecem. Em muitas partes do mundo, particularmente no Ocidente, uma grande lacuna se abriu entre o ensino sobre a sexualidade e as experiências vividas pelos católicos comuns.
Ao convocar dois sínodos sobre a família, com o primeiro cuja abertura aconteceu em Roma no dia 5 de outubro, essas tensões foram colocadas nitidamente em foco. No entanto, como aponta o Instrumentum laboris - documento de trabalho do Sínodo que reuniu as experiências das Igrejas locais - a maioria dos jovens ainda quer casar e ter filhos como a Igreja encoraja-os a fazer. Em uma vigília de oração na véspera da abertura do Sínodo, Francisco colocou o desafio desta forma: "Como podemos propor com credibilidade a Boa Nova sobre a família?". A credibilidade do que a Igreja ensina é algo que parece estar na mente dos padres sinodais.
Durante as primeiras sessões, na Sala Paulo VI, no Vaticano, os bispos ouviram que a linguagem empregada pela Igreja é, por vezes, muito dura, com um bispo dizendo que as frases "intrinsecamente desordenado" e "mentalidade contraceptiva" não eram efetivas. Ambas apareceram em documentos do Vaticano. Em 1986, o então cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu que a orientação homossexual "deve ser vista como uma desordem objetiva", enquanto a frase "mentalidade contraceptiva" apareceu na Exortação Apostólica do Papa João Paulo II após o último Sínodo sobre a família, em 1980. O cardeal Wilfrid Napier, de Durban, África do Sul, me disse: "Quando falamos de 'situação irregular' estamos colocando as pessoas pra fora? Existe outra maneira de dizer isso e uma nova abordagem que pode ser mais vantajosa?"
Francisco tem, é claro, exortado os padres sinodais a falar ousadamente, sem medo e isso parece estar funcionando. O cardeal Vincent Nichols disse a repórteres na terça-feira que era perceptível que os bispos estavam falando de suas "perspectivas pastorais em vez de estudos acadêmicos". O arcebispo John Dew, de Wellington, Nova Zelândia, acrescentou: "O fato de ele ter dito isso foi muito útil e as pessoas estão falando claramente".
Em sua exortação apostólica, Evangelii Gaudium, o Papa Francisco diz que "as realidades são maiores do que as ideias" e, em sua homilia de abertura do sínodo, ele ressaltou que o sínodo não está sendo realizado "para ver quem é mais inteligente".
Para ajudar os padres sinodais a compreender a realidade na vida real estão casais leigos que fazem suas abordagem no início de cada sessão. E eles não têm medo de apresentá-las com verdades desconfortáveis. "Conhecemos inúmeros adultos divorciados que se uniram a outras comunidades de fé, porque eles não se sentem bem-vindos na Igreja Católica", disseram Jeff e Alice Henzen da diocese de La Crosse, nos Estados Unidos. "E nosso coração dói por causa das famílias monoparentais que lutam para cuidar de seus filhos".
O Sínodo está dizendo que em vez de definir onde foi que as pessoas falharam, deve-se em vez tentar encontrá-las onde estão. A Igreja, explicou o padre sinodal Antonio Spadaro SJ, não deve ser um farol que irradia a verdade, mas aquela que segura a tocha e caminha com as pessoas. É neste contexto que o termo "gradualidade" está sendo amplamente utilizado. O princípio do gradualismo surgiu no Sínodo como um caminho para a Igreja em responder a situações pastorais difíceis. Aplicada à teologia, o conceito diz que uma pessoa pode crescer em proximidade do ensino da Igreja ao longo de sua vida. Exemplos seriam um casal que coabita e que decide se casar ou, como Bento XVI ressaltou em uma entrevista, um prostituto infectado com o HIV e que usa um preservativo. Este último sabe que infectar alguém com HIV é errado e, ao longo do tempo, poderia vir a reconhecer o ensinamento da Igreja sobre o sexo.
O cardeal Nichols descreveu a gradualidade, que também apareceu no Sínodo sobre a Família, em 1980, como "uma lei da teologia moral pastoral que permite e incentiva as pessoas, todos nós, a dar um passo de cada vez na nossa busca pela santidade em nossas vidas". Ele ressaltou que a ideia não deve ser tomada para significar que diferentes leis morais se aplicam em diferentes momentos na vida de uma pessoa. Tradicionalmente entendido, a gradualidade coloca a pessoa em um caminho para aceitar plenamente a doutrina da Igreja.
O cardeal Reinhard Marx, presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha e membro do Conselho de Cardeais que aconselha o papa, referiu-se à gradualidade nas suas últimas observações em apoio à proposta do cardeal Walter Kasper para permitir a comunhão aos católicos divorciados e recasados. Ele disse que há gradualidade "no caminho para o sacramento". E, de acordo com um resumo das discussões na terça-feira, há uma esperança de que "o sínodo possa infundir com coragem e esperança formas ainda imperfeitas da família, de modo que o seu valor possa ser reconhecido, de acordo com o princípio da gradualidade".
O resumo das discussões também apontaram que os padres sinodais querem ver a Igreja como algo "magnético", dizendo que "ela deve funcionar pela atração, com uma atitude de amizade com relação ao mundo".
Há, no entanto, aqueles no sínodo que estão receosos com tal abordagem. A verdade, eles argumentam, não pode ser sacrificada pela misericórdia e ainda não se pode dizer que haverá alguma abertura para permitir a comunhão aos católicos divorciados e recasados. Em seu discurso de abertura do Sínodo, o cardeal húngaro Péter Erdö, relator-geral do Sínodo, disse o sínodo estaria discutindo questões pastorais, não doutrinárias, salientando a impossibilidade da Igreja em reconhecer segundos casamentos. Ele sentia que as tendências sociais estavam tornando mais difícil para as pessoas entenderem isso.
"Muitas pessoas, na atualidade, têm dificuldade para pensar de forma lógica e ler documentos longos", disse ele. O cardeal advertiu contra as Igrejas locais que improvisam pastorais do tipo "faça-você-mesmo".
Naturalmente, não são apenas os problemas enfrentados pela família no Ocidente que o Sínodo está abordando. Cada padre sinodal - principalmente os presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo - apresentou um documento para o Sínodo sobre as suas experiências de vida familiar. A poligamia, as noivas-crianças, a pobreza e a migração são apenas alguns dos desafios apresentados. Por sua parte, o cardeal Napier disse esperar que o sínodo possa fornecer orientações sobre como lidar com a poligamia. "Se vai ser uma mudança nas condições para receber a comunhão por parte das pessoas que estão em situação irregular, como vamos encarar os casos na África, onde a mulher, que é católica, se casa com um homem que mais tarde toma a segunda esposa?", ele perguntou. "Então o que é que ela faz nessa situação? Estas são algumas das situações práticas. Eu não espero que o sínodo responda isso, mas ele poderia nos dar uma direção de pensamento, de princípios".
Talvez a coisa mais importante que saiu do Sínodo até agora é a confiança que Francisco está colocando no processo. Ele é um papa que teve experiência direta, de primeira mão, sobre a tomada de decisão colegial, quando ele supervisionou a redação do documento de Aparecida, de 2007, produzido pelos bispos latino-americanos, que incidiu sobre a evangelização, a justiça social e a aplicação da prática pastoral nos contextos locais.
Francisco tem a intenção de estar presente em cada sessão do Sínodo (exceto nas quartas-feiras quando acontece a audiência geral); ele gosta de chegar cedo e cumprimentar as pessoas à medida que chegam, promovendo um espírito colegial. O papa está planejando ouvir as contribuições, mas não intervir nos debates.
Nos últimos anos, os sínodos foram criticados por oferecer pouco mais do que uma troca de ideias, em vez de ajudar o papa com a tomada de decisão, como o Concílio Vaticano II determinou que eles façam. De acordo com Austen Ivereigh, autor de uma nova biografia papal, The Great Reformer [O Grande Reformador], o papa criou um "sínodo reformado" e é, portanto, "a incorporação da dinâmica do Concílio permanentemente na Igreja".
Embora seja cedo, os resultados já parecem ser evidentes. "Este é o meu quinto sínodo e é uma abordagem totalmente diferente", explicou o arcebispo Dew. "Está claro que o ensino sobre a colegialidade está próximo do coração do Papa Francisco e ele quer usar este Sínodo para expressar isso e colocá-la em ação".
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