08 Outubro 2014
É muito mais do que uma assembléia sobre os problemas da família o Sínodo dos bispos iniciado ontem no Vaticano. É o primeiro teste da linha do Papa Francisco de colocar a Igreja diante do mundo contemporâneo como “hospital de campo” para sanar as feridas existenciais dos homens e das mulheres da época atual, além dos limites estritamente confessionais. O oposto de uma Igreja que condena em nome de uma abstrata doutrina. A um ano e meio de sua eleição Bergoglio se encontra confrontado com os presidentes das 193 conferências episcopais do mundo, e 23 representantes das Igrejas orientais, além de 25 chefes dos dicastérios da Cúria romana.
A reportagem é de Marco Politi, publicada pelo jornal La Repubblica, 07-10-2014.
As suas intervenções, os seus silêncios, as suas nuances darão a medida do consenso em torno do Pontífice argentino. Um militante como o ‘cielino’ [pol., da CL (Comunhão e libertação)] Antonio Socci lançou – precisamente na véspera da reunião – acusações de presumidas irregularidades cometidas no conclave. Uma bolada. Porque era de todos sabido que uma votação, na qual resultava haver uma cédula a mais, tinha sido imediatamente anulada e se tinha passado à seguinte votação. Mas, o objetivo era de alimentar a campanha de deslegitimação em prejuízo de Francisco, em curso há meses.
Andrea Riccardi, líder da Comunidade de Sant’Egidio, informa que um cardeal comentou há tempo: “Francisco lotou as praças e as igrejas. Desempenhou sua função. Agora é hora de ir de arruinar a Igreja”. O clima em certos setores do Vaticano e da Igreja universal é este. Nas próximas duas semanas poderemos ver se a estratégia de Francisco se afirmará, ou se um acúmulo de resistências e medos tentará freá-la. A assembléia inicia com uma dura inovação, em contra-tendência às aberturas e à transparência deste pontificado. Não serão distribuídas – como há mais de quarenta anos – as sínteses das intervenções em aula. Cotidianas conferências de imprensa darão o sentido do que ocorre, mas sem nomes e cognomes.
Num outro plano, este será um Sínodo completamente diverso dos outros. Francisco quer transformar a assembléia num corpo autenticamente consultivo, que se associe em nome da “colegialidade” (princípio sancionado pelo Concílio Vaticano II) à ação de governo do Pontífice. Por isso o Papa solicitou intervenções escritas preliminares, centradas sobre os diversos pontos do documento preparatório (divórcio, contracepção, aborto, convivências, uniões de fato, casais homossexuais, crianças no interior de uniões homossexuais, poligamia, papel eclesial e social da família, eventualidade de conceder a comunhão aos redesposados) e discursos em aula, finalizados para redigir um documento-base, em vista de uma segunda assembléia de bispos sobre a família, convocada para fins de 2015. É o gesto político do Papa Francisco. Criar um clima vivaz de debate como no tempo do Concílio.
Deixar outro ano de tempo para que todas as articulações eclesiais possam mobilizar-se participando da discussão – na trilha da sondagem universal lançada pelo Papa no ano passado – e dar, enfim, aos bispos a faculdade de apresentar em 2015 uma série de propostas pastorais concretas sobre todos os temas candentes. As polêmicas da véspera tem sido acolhidas positivamente por Francisco precisamente em nome de sua intenção de favorecer um clima semelhante ao Concílio Vaticano II e ao propósito de “aggiornamento” de João XXIII.
Cinco cardeais, guiados pelo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Müller – a quem se associou o ministro das Finanças vaticanas Pell – contestaram duramente a hipótese de conceder a comunhão aos divorciados redesposados. Está bem assim, comentou privadamente o Papa.
Ontem Francisco enfatizou em aula: “Falai claro. Ninguém diga: isto não se pode dizer... pensarão de mim assim ou assim...”. Francisco contou um episódio. Após o último consistório de fevereiro (no qual o cardeal Kasper levantou a hipótese da comunhão também aos divorciados redesposados após um percurso de arrependimento) “um cardeal me escreveu dizendo: "que pena que alguns cardeais não tiveram a coragem de dizer algumas coisas por respeito ao Papa...”.
Isto não é bom, sublinhou Francisco. Falar “sem temor e escutar com humildade” tem sido sua exortação.
Dois sinais importantes ocorreram na véspera. O cardeal Tettamanzi (ex-arcebispo de Milão, indicado em 2006 numa sondagem secreta como candidato preferido à presidência da CEI) se pronunciou a favor da subministração dos sacramentos aos divorciados redesposados como “sinais da misericórdia de Deus”. Enquanto o cardeal Kasper sublinhou em “Avvenire” que a Igreja respeita as convivências gays “estáveis e responsáveis”. São duas das novidades que poderão emergir no final do percurso sinodal. O próprio cardeal Erdö, relator do Sínodo, disse ontem que os divorciados redesposados fazem parte da Igreja e se pode estudar a práxis das Igrejas ortodoxas (que admitem segundas uniões). Erdö também re-propôs um papel mais destacado para as mulheres.