28 Junho 2013
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Festa de São Pedro e São Paulo. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Atos 3,1-10; Atos 12,1-11
2ª leitura: Gálatas 1,11-20; 2 Timóteo 4,6-8.17-18
Evangelho: João 21,15-19; Mateus 16,13-19
Homens frágeis
É notável que as Escrituras não apresentem os fundadores da Igreja como pessoas perfeitas, sem pontos obscuros nem fraquezas. Imediatamente após a profissão de fé de Pedro, conforme relato do evangelho, e que Jesus atribui não à herança de “Simão filho de Jonas”, mas à origem absoluta de tudo o que existe, vemos quem acaba de ser qualificado de pedra fundamental do edifício eclesial, ser tratado como satanás, o adversário, que é habitado por uma voz que não vem de Deus. Uma pedra de tropeço no caminho do Cristo em direção a Jerusalém e à Paixão (passagem omitida em nossa leitura). No momento decisivo, Pedro renegará o Cristo que, conforme o evangelho da vigília, irá de alguma forma fazê-lo compensar a sua tríplice negação por uma tríplice afirmação de amor. Três: uma das cifras do incalculável. Paulo, sequer, foi poupado: em 2 Cor 12,7-10, confessa ser ele mesmo atormentado por um “espinho na carne”, uma tentação cuja natureza é impossível, enfim, de se determinar. Em Romanos 7,14-24, declara-se habitado, como todo homem, pela “lei do pecado”. O conjunto das Escrituras inclui o pecado, a imperfeição do homem nos desdobramentos do plano da salvação, do triunfo de Deus sobre o nosso mal. Não vamos exigir, pois, dos que nos transmitem o Evangelho e que administram a Igreja uma perfeição de que nós mesmos não somos capazes. O mal que há em nós é assumido e usado por Deus para fazer advir o bem.
Figuras exemplares
Esta utilização do que é mal para produzir o bem é justamente o que se dá na Paixão do Cristo. O paroxismo da perversidade provoca um super-paroxismo do amor. O que se passa na Páscoa de Jesus reproduz-se em nossas existências pessoais e também na história da Igreja. Somos disto os beneficiários e, a partir daí, temos de alimentar a ambição de sermos também os seus imitadores. Fazer surgir no mundo um acréscimo de amor a partir do mal que possamos fazer e que, eventualmente, sejamos as vítimas, é este o “programa” da ética cristã. Graças a Deus, Pedro e Paulo, os fundadores da Igreja, estão aí para nos mostrar que isto é possível. Pecadores, ou seja, produtores do mal e beneficiários do perdão de Deus, mártires que sofreram como Jesus em seus próprios corpos a perversidade dos homens e que, no perdão que lhes concederam, aceitaram dar a sua vida, eles nos traçam o caminho a seguir. Felizmente, não foram perfeitos. Do contrário, o seu exemplo traria o risco de nos desencorajar. A perfeição está no final de uma longa estrada, é um dom que nos foi prometido, não um bem que se possua. Escolher a perfeição poderia ser muito bem que deixássemos de nos preocupar conosco e que nos ocupássemos com os outros: que “olhássemos para fora”. Deste modo, a Boa Nova do primado do amor poderia ser anunciada porque vivida, em Jerusalém (Pedro) primeiro e, depois, até nas extremidades do mundo (Paulo).
Dentro dos muros e fora dos muros
“Os que se tinham como autoridades (os responsáveis pela Igreja de Jerusalém) viram que a mim fora confiada a Evangelização dos incircuncisos, como a Pedro a dos circuncisos” (Gálatas 2,7). Seria preciso aproximar esta afirmação de Paulo do fato de que a Basílica de São Pedro está “dentro dos muros” de Roma, no Vaticano, enquanto a Basílica de São Paulo está “fora dos muros”? Reconhecemos haver na Igreja duas coordenadas, necessárias todas as duas ao traçado de seu arco. De um lado, o cuidado de proteger “o depósito da fé” e, de outro, a mobilidade, a missão junto a outras culturas, a outros modos de pensar e de viver. Não radicalizemos: o Papa é tão ecumênico quanto missionário e os “enviados” não estão dispostos a liquidarem a fé herdada dos apóstolos. Pedro e Paulo devem conjugar seus esforços, mesmo havendo entre eles, às vezes, alguns choques. Atos 15 reporta as primeiras controvérsias sobre o assunto e Gálatas 2,11-14 relata um acerto mais enérgico entre Pedro e Paulo. Mas as tempestades são sempre apaziguadas e a calma volta. Não nos surpreendamos, pois, se, mesmo nos dias de hoje, ficamos sabendo de um enfrentamento deste tipo. As Escrituras relatam estes fatos para nos advertir que eles são inevitáveis e que, cada vez, estão na origem de um aprofundamento da fé.
Um só fundamento, Cristo
“Eu sou de Paulo (...), eu sou de Pedro e eu (Paulo) sou de Cristo” (1 Cor 1,12). É sempre a referência a Cristo que conduz à Paz. Em Gálatas 2,15-21, depois de ter relatado sua altercação com Pedro, Paulo se lança numa longa explicação sobre a salvação somente pela fé. Ele, sem dúvida, atacando a ilusão da salvação pelas obras segundo a Lei, desjudaíza a aproximação com Deus: daí por diante, pode-se chegar ao que anuncia e prepara o judaísmo sem ter de submeter-se às suas tradições. Isto vale também, sem dúvida, para as nossas próprias tradições... De repente, revela-se o essencial: Deus vem a nós e nós vamos a Deus por meio de um só: Jesus Cristo. Ele nos veio pelos judeus, mas é o Verbo em que tudo foi criado e é a vida de tudo o que vive. Vida à prova da morte: a fé revela-se fé no Cristo ressuscitado. Em 1 Cor 1,13-14, Paulo pergunta: “em nome de Paulo fostes batizados?” Em nome nem de Paulo nem de Pedro: o Cristo ultrapassa todos os nossos particularismos, todos os que têm a missão de anunciá-lo. Pedro e Paulo podem ser (com os outros) os fundadores da Igreja, mas não o seu fundamento. Aí, Pedro e Paulo estão de acordo: uma só Pedra angular, o Cristo (1 Cor 3,11 e 1 Pedro 2,4-7)
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Festa de São Pedro e São Paulo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU