As Eleições Nacionais 2022: Contexto, Dinâmica e Desafios

Foto: Jeso Carneiro | Flickr CC

28 Março 2022

 

"O contexto em que irá se desenrolar as Eleições Nacionais de 2022 no Brasil ainda não está completamente definido. A Guerra da Ucrânia e seus desdobramentos políticos e econômicos a nível mundial, especialmente no caso de seu prolongamento, introduzem novas incertezas".

 

O artigo é de Dom Francisco Lima Soares, Bispo de Carolina – MA, Pe. Paulo Renato Campos, Assessor de Política da CNBB, Antonio Carlos A. Lobão, PUC/Campinas, Francisco Botelho, CBJP, Gustavo Inácio de Moraes, PUC/Rio Grande do Sul, Manoel S. Moraes de Almeida,Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, Marcel Guedes Leite, PUC/São Paulo, Robson Sávio Reis Souza,PUC/Minas, Tânia Bacelar, UFPE, Maria Lucia Fattorelli, Auditoria Cidadã da Dívida, Melillo Dinis do Nascimento, Inteligência Política (IP) e Ricardo Ismael – PUC/Rio.

 

O texto é publicado por  CNBB, 24-03-2022.

 

Eis o artigo. 

 

1. Introdução: Nova Geopolítica Internacional e a Guerra da Ucrânia.

 

O conflito que explodiu no final de fevereiro com a invasão da Ucrânia pela Rússia é resultado de uma série de disputas políticas, territoriais, étnicas, econômicas e de zonas de influência que tencionam o Ocidente (representado pela OTANOrganização do Tratado do Atlântico Norte) e a Rússia, e que remontam ao fim da antiga URSS. Não adentraremos na análise de tais conflitos, mas o fato é que essa guerra explicita, também, novas concertações mundiais, com o declínio do poder político, militar e econômico dos Estados Unidos da América – que se beneficiou de quase um mundo unipolar desde a queda do Muro de Berlim - os avanços da China e a carência de lideranças europeias que foram incapazes articular a união da Europa com a Rússia.

 

Como escreveu Boaventura de Sousa Santos:

 

Sem dúvida que a inépcia é patente e caracteriza bem o comportamento da União Europeia ao longo destes anos. Foi incapaz de construir uma base sólida para a segurança europeia que obviamente teria de ser construída com a Rússia, e não contra a Rússia, quanto mais não seja para honrar a memória de cerca de vinte e quatro milhões de mortes, o preço que a Rússia pagou para se libertar e liberar a Europa do jugo nazista.[2]

 

Por outro lado, apesar dos inúmeros esforços diplomáticos para impedir a guerra, como aquele realizado pelo presidente da França, Emmanuel Macron[3], o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ignorou todos os apelos para uma solução negociada e decidiu pelo uso do seu aparato militar para invasão do país fronteiriço. Além das inúmeras perdas de vidas, de lado a lado, inclusive de civis, da destruição da infraestrutura de várias cidades ucranianas e das incertezas decorrentes da ocupação de usinas nucleares, a guerra da Ucrânia já provocou até o momento, segundo a ONU, a fuga de mais 2,5 milhões de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças.[4]

 

Iniciado o conflito, cujas proporções, intensidade, duração e consequências não podemos dimensionar, vários líderes globais tentaram ações de mediação. Destaca-se, nessa empreitada, as ações do Vaticano, lideradas pessoalmente pelo Papa Francisco.

 

Em 6/03, no discurso do Angelus, o Papa Francisco disse que o Vaticano está disposto a fazer “tudo” que puder pela paz na Ucrânia. Afirmou que enviou dois cardeais à Ucrânia para ajudar nos esforços humanitários, “não apenas como um sinal da presença do papa, mas de todas as pessoas que querem dizer ‘a guerra é uma loucura, por favor, pare, olhe para essa crueldade!”. O papa pediu, ainda, um “retorno ao respeito ao direito internacional” e que os corredores de evacuação sejam abertos para que os civis possam escapar do conflito. “Na Ucrânia corre um rio de sangue e lágrimas. Não é apenas uma operação militar, mas uma guerra que cria morte e destruição”.[>5]

 

O fato é que o ambiente mundial está sendo fortemente impactado pelo conflito em especial na dimensão econômica pela importância da Rússia (grande produtor e fornecedor de commodities) e suas relações com o resto do mundo, em especial com a Europa, e pelo impacto das medidas restritivas adotadas pelos EUA e União Europeia. A inflação mundial também está sendo alimentada pela guerra.

 

O Brasil já está sendo afetado pela subida dos preços, em especial o do petróleo & gás. Os itens mais pressionados são o “coração” do índice de inflação brasileira (IPCA) por centrarem-se em alimentação e transportes. O ambiente de incertezas também vai contribuir para o baixíssimo crescimento econômico brasileiro previsto para este ano em cerca de 0,5% na maioria das previsões. Ainda que o conflito bélico se encerre, possivelmente o conflito comercial deverá permanecer por muito tempo, estabelecendo um desafio para o abastecimento, em consequência para os preços de muitos produtos básicos. Desse modo, a inflação permanecerá pressionada a despeito do aumento dos juros como medida antiinflacionária.

 

2. Brasil: Crises Econômica, Sanitária e Ambiental ampliam a Crise Social

 

Como apontado na Análise de Conjuntura de número 14 (fevereiro de 2022), intitulada “Desafios múltiplos e a necessária serenidade para o futuro”[6], o cenário de 2022 será dominado pela perspectiva das eleições nacionais e estaduais, com uma economia ainda em marcha lenta enquanto o principal indicador para a população mais carente, o de inflação, permanecerá em patamares altos ao longo do ano.

 

Ainda no campo econômico, o Banco Central aprofunda a política de juros ascendentes, que compromete o crescimento da economia e não garante o resultado anti-inflacionário - uma vez que a inflação está sendo impulsionada por aumento de custos e não pelo da demanda -, nesse contexto, proporcionando ganhos apenas aos agentes que atuam na esfera financeira da economia (instituições financeiras e rentistas). Toda a economia produtiva do país, bem como a geração de emprego e renda, está prejudicada por essa política monetária do Banco Central, aprofundando a crise instalada desde 2014[7]. A elevação dos juros tem provocado grave impacto no crescimento da chamada dívida pública[8], que tem sido usada para justificar privatizações de patrimônio público, contrarreformas e cortes de investimentos necessários ao nosso desenvolvimento socioeconômico.

 

Há ainda um estoque de desempregado(a)s, acima de 12 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, sem contar que o grau de informalidade continua muito elevado e voltou a subir em 2021. O país tinha 38 milhões de trabalhadores(as) sem vínculo formal no terceiro trimestre de 2021, representando 40,6% da população ocupada sendo que esse percentual era de 38,0% no mesmo período de 2020. Enquanto deterioram as condições de vida e subsistência dos trabalhadores(as) e dos(as) pobres, os segmentos onde se situam as empresas que mais lucram, mesmo em tempos de pandemia, são os de extração de minérios (VALE e ANGLO AMERICAN); Bancos (ITAU, SANTANDER, BRADESCO, CAIXA, BANCO DO BRASIL); bebidas (ANBEV); energia elétrica (ELETROBRAS) e petróleo (PETROBRAS). Já os segmentos onde estão as empresas que mais ampliaram seu faturamento, muitas delas multinacionais, são do setor financeiro (Banco ABC Brasil, BNP PARIBAS, NUBANK, CCB Brasil, ALLIANZ Seguros, XP Inc.); saúde (DASA Medicina Diagnóstica e ELF Medicamentos); mineração (ANGLO AMERICAN) e varejo (GPA, ligada ao grupo francês Casino).

 

A análise supracitada, de fevereiro de 2022, ainda destacava que a piora nos índices de desigualdade, renda e oportunidades expõe a fragilidade do tecido social nacional. Levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que, em 2019, a taxa de crianças fora das escolas era de 1,4%, tendo esse percentual, em 2020, saltado para 5,5%. Ou seja, quase quadruplicou! Estima-se que 19 milhões de pessoas estejam em condições de fome. Isso sem anotar as catástrofes ocorridas no país em decorrência das mudanças climáticas que vitimaram milhares de famílias em vários estados brasileiros desde outubro de 2021, como o severo regime de chuvas em algumas regiões de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, e secas avassaladoras, como no Rio Grande do Sul.

 

3. O Governo Bolsonaro e a Produção de Crises

 

Como se não bastassem as múltiplas crises que o país (e o mundo) atravessam nos últimos anos e os terríveis efeitos da pandemia da Covid-19 que já ceifou a vida de mais de 650 mil brasileiros e cujas consequências às famílias, à sociedade e até mesmo à economia ainda são difíceis de serem mensuradas, observamos desde a assunção do presidente Jair Bolsonaro ao poder, em 2019, uma estratégia de governo belicosa, de tensionamento do tecido social e sistemáticas afrontas à ordem democrática e às instituições republicanas.

 

Na análise de conjuntura de junho de 2021 já chamávamos a atenção “que o Governo Bolsonaro faz parte de um fenômeno mundial de ascensão de governos extremistas, autoritários e, em alguns casos, com traços neofascistas. São governos que, para implantar seus projetos econômicos neoliberais, atacam as instituições democráticas, com vistas à implementação de regimes políticos autoritários. Bolsonaro, com o apoio de militares das Forças Armadas e das polícias estaduais, das milícias, da maçonaria, do fundamentalismo religioso, e de alguns segmentos empresariais, vem desenvolvendo uma política de ataques às instituições democráticas, principalmente o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Às vezes, os ataques são retóricos; em outras, expressam-se sob a forma de incentivo e participação popular em manifestações; e ainda, materializam-se em medidas concretas, como foi o caso da ampliação do acesso das pessoas a armas de fogo (IN: Os desafios da conjuntura brasileira, página 13).[9]

 

Em abril de 2021, este grupo de Análise de Conjuntura mostrou o recrudescimento dos grupos de apoio às ações geradoras de conflito social protagonizadas pelo presidente de República e diferenciou a figura de Bolsonaro do que vem sendo denominado de bolsonarismo. Destacou que o bolsonarismo, como a nova extrema-direita na Europa e nos Estados Unidos, não “caiu do céu”, mas tem uma história por trás; tem uma lógica interna e busca seus objetivos e que Bolsonaro e o bolsonarismo utilizam do discurso religioso para manter mobilizada suas bases sociais mais radicais e os segmentos religiosos que apoiam seu governo. (IN: O povo de Deus sofre com a doença e a fome; página 25).[10]

 

Em maio do ano passado, analisando o desmonte do Estado e das políticas públicas alertamos que Bolsonaro seguia apresentando projetos de emendas à Constituição, projetos de Lei e de reformas de segmentos do setor público, objetivando transferir ao setor privado a atuação hoje pública, com o discurso de que a concorrência privada é capaz de gerar mais eficiência e melhores condições de oferta do serviço ou produto. O grande problema com o desmonte do Estado no Brasil é que uma parcela muito grande da população, por não conseguir se ocupar no setor produtivo, depende totalmente do Estado para sua sobrevivência (IN: O desmonte do Estado brasileiro e o retrocesso civilizatório, página 3).[11]

 

Na análise de conjuntura de junho do ano passado destacávamos que além da discussão sobre o papel das Forças Armadas junto ao governo Bolsonaro, há um debate público sobre as muitas tentativas de Bolsonaro de politização das polícias estaduais, principalmente das polícias militares. Some-se a esse debate a relação da família de Bolsonaro com milicianos(as) (muitos(as) deles(as) policiais no exercício da atividade e ex-policiais) (IN: O desmonte do Estado brasileiro: desafios da conjuntura, página 08).

 

Em setembro, voltamos a registrar que a crise política é causada por diversos fatores e atores. Provavelmente, os maiores responsáveis são o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro e seus adeptos. Estes estão estruturados, muitas vezes organizados, em torno de um determinado segmento da população brasileira, que tem sua base em homens brancos, a maior parte acima dos 40 anos, com forte presença religiosa, em especial de determinadas denominações neopentecostais, e com acentuada presença em alguns setores, como militares, policiais militares, pequenos empresários e produtores agropecuários, e de alguns segmentos do comercio e serviços, mais concentrados nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste (IN: Uma conjuntura de crises e tensões; página 02).

 

E lembramos também que Jair Bolsonaro tem uma dupla estratégia. De um lado, se tudo der certo para ele e errado para democracia, promover uma espécie de autogolpe com uma “ruptura constitucional” que colocará o país em uma gravíssima crise. Os discursos presidenciais apontam para este cenário, apesar de não conseguir tração social nem apoio, exceto de seus grupos radicalizados. Jair Bolsonaro tem, no seu projeto (inclusive de questionamento das urnas eletrônicas), o objetivo de tumultuar as eleições de 2022. Por outro lado, o campo democrático tem jogado dentro das regras. Portanto, trata-se de uma competição desigual a apontar graves problemas sociais e políticos nos próximos meses (IN: Uma conjuntura de crises e tensões; página 03).

 

Na última Análise de Conjuntura de 2021, em outubro, anotamos: o cenário mais evidente deste período é que Jair Bolsonaro ainda é fraco demais para conseguir um autogolpe, e a oposição é fraca demais para conseguir um impeachment. A já combalida economia brasileira sentirá ainda por um bom tempo os efeitos negativos dos discursos presidenciais. Projeções internacionais, como aquelas feitas pelo FMI em janeiro passado, preveem um ano de 2022 com crescimento do PIB da ordem de 0,3%, e a CEPAL estima que o Brasil será, neste mesmo ano, a economia de menor crescimento no continente latino americano (0,5% contra média de 2,1% na América Latina). As relações institucionais continuam abaladas e o grande vencedor no Congresso Nacional foi o Centrão, que tem em Arthur Lira (PP-AL) seu grande articulador. Frente à deterioração acentuada das condições de vida da população, da afronta à dignidade humana e social, os ganhos obtidos pelos governos anteriores para a qualidade de vida do povo brasileiro vão se esvaindo rapidamente (IN: A complexidade do quadro político e seus desdobramentos; página 05).

 

4. O Calendário Eleitoral e a Disputa Presidencial

 

4.1) Sobre as Etapas do Processo Político-Eleitoral

Em outubro deste ano, o eleitorado brasileiro, composto por aproximadamente148 milhões de brasileiras e brasileiros[12], terá a possibilidade de votar para presidente da República, governador(a) de Estado, Senado Federal (senador(a)), Câmara dos Deputados (deputado(a) federal) e Assembleia Legislativa (deputado(a) estadual). As Eleições Nacionais são fundamentais para que o país possa enfrentar seus desafios nesta década; entre eles destacam-se a questão do desemprego, da pobreza, da desigualdade e das limitações na oferta de serviços públicos sociais (saúde, educação, transporte, moradia, saneamento básico, segurança pública, entre outros).

 

 

 

O calendário eleitoral definido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cujas datas mais importantes estão apresentadas no Quadro 1, aponta para três etapas principais em 2022. Incialmente, entre março e a realização das convenções partidárias (previstas para o período de 20/07 a 05/08), teremos a janela de migração partidária, a definição dos candidatos e candidatas, e as alianças eleitorais nacionais e estaduais. Na etapa seguinte, entre agosto e final do primeiro turno (02/10), irão ocorrer as campanhas nas ruas e na internet, os debates entre candidatos nos meios de comunicação, a propaganda gratuita no rádio e TV, as conversas nas escolas, no trabalho, na família, etc, e a decisão do voto. Finalmente, quando houver necessidade, nas eleições majoritárias (presidente e governador), os dois candidatos mais votados no primeiro turno se enfrentarão numa rodada final.

 

É importante destacar que até 4 de maio acontece o alistamento na Justiça Eleitoral, o que para jovens de 16 e 17 anos é optativo. Essa faixa do eleitorado tem baixa adesão eleitoral até o momento, e representa um grupo social com peso na eleição 7 presidencial e nas eleições legislativas. Neste momento, ganha relevância a conscientização das famílias e dos jovens acerca da importância do processo eleitoral.

 

Não resta dúvida que a justiça eleitoral terá papel relevante no processo em curso. O TSE, em especial, deve assegurar a lisura do pleito e fazer cumprir a vontade popular manifestada nas urnas. Não deve também perder de vista o combate às fake news, fenômeno que cresceu com expansão das redes sociais, e tem se manifestado de forma recorrente no Brasil. Além disso, precisará ficar atento a presença de organizações criminosas com atuação nos centros urbanos (milícias, tráfico de drogas e outras), impedindo muitas vezes a livre manifestação dos eleitores, e a movimentação dos(as) candidato(a)s no território que controlam. Ainda com relação ao TSE, é importante dizer que a instituição será presidida até agosto pelo Ministro Edson Fachin, e a partir de então pelo também Ministro Alexandre Moraes, ambos do Supremo Tribunal Federal (STF).[13] Os dois magistrados citados sucederão o Ministro Luís Roberto Barroso, que esteve à frente do TSE nas últimas eleições municipais, e que deixa um legado relevante, com destaque para adoção de mecanismos para o enfrentamento da desinformação nas eleições, bem como implementação de medidas que asseguram maior transparência e segurança ao processo eleitoral, com a utilização de urnas eletrônicas.[14]

 

4.2) Mudanças e Continuidades nas Regras do Jogo

 

Alguns aspectos merecem ser sublinhados sobre as regras que nortearão as Eleições Nacionais de 2022. Com relação ao financiamento das campanhas eleitorais, o Congresso Nacional decidiu, e o STF ratificou, que o Fundo Eleitoral será no valor de R$ 4,9 bilhões de reais.[15] Montante bastante expressivo, muito superior ao da eleição de 2018 (R$ 1,7 bilhões de reais), ainda mais quando perdura a proibição da contribuição empresarial para partidos e candidato(a)s, e que o eleitorado tem pouca tradição em fazer doações dessa natureza, ainda mais em tempos de baixo crescimento econômico.

 

O Fundo Eleitoral deverá ser distribuído entre os partidos políticos, levando em conta sobretudo o tamanho das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados, e depois no Senado Federal.[16] Aqui existem duas preocupações principais. Na distribuição dos recursos podem ser favorecidos os atuais detentores de mandato, e cúpulas partidárias, dificultando as chances de surgimento de novas lideranças políticas. Além disso, será preciso ficar atento aos valores que serão destinados aos negros e mulheres, de tal sorte a cumprir as resoluções do TSE.[17]

 

O legislativo brasileiro deliberou por uma inovação nestas eleições: a possiblidade de formação de uma federação partidária. Como o próprio nome indica, neste caso dois ou mais partidos políticos devem estabelecer uma aliança em todos os estados da Federação, de modo a funcionar como uma única legenda nas eleições e ao longo dos próximos quatro anos.[18] Não é uma tarefa trivial conseguir estabelecer uma federação partidária diante da diversidade estadual reinante em muitos partidos no Brasil. Não seria exagero dizer que são 26 subsistemas partidários, para não falar daquele do Distrito Federal.

 

Além disso, a federação partidária exige uma estabilidade na aliança por quatro anos depois das eleições, viável quando predomina uma homogeneidade ideológica e programática entre seus integrantes. Para os pequenos partidos, que novamente encontram-se ameaçados pela cláusula de barreira[19], a federação partidária pode ser uma alternativa inadiável.

 

Não custa lembrar ainda que continuam proibidas as coligações partidárias nas eleições proporcionais (deputado federal e deputado estadual), instrumento que permitia a soma de votos de dois ou mais partidos para fins da definição das vagas em disputa.[20] Em outras palavras, no registro das candidaturas, cada agremiação política deve apresentar uma lista de candidatos a deputado federal e outra a deputado estadual, e seu desempenho eleitoral depende exclusivamente dos seus(suas) próprios(as) candidato(a)s.

 

4.3) O Cenário Eleitoral e as Instabilidades Políticas e Institucionais

 

Como observado anteriormente, a pauta da reeleição do atual mandatário esteve presente na vida política nacional desde o momento que Jair Bolsonaro foi eleito, ainda em 2018. Mas, o fato (concreto) é que, novamente, estamos num ano de eleições majoritárias. Neste sentido, o pleito já desperta uma intensa disputa política e há muita preocupação por parte dos analistas sobre o que poderá ocorrer nos próximos meses, considerando inclusive que o presidente, em reiteradas vezes, ameaçou não “passar a faixa presidencial” caso perca as eleições em outubro. As ameaças se dão, geralmente, num contexto de questionamento da lisura e segurança do processo de votação.[21]

 

Como é notório, não é possível fazer qualquer previsão sobre o resultado das urnas. Fatores dos mais diversos poderão influenciar o quadro eleitoral, principalmente a partir do início da campanha, no segundo semestre.

 

Alguns analistas têm demonstrado uma estabilidade nos indicadores de voto dos dois principais postulantes ao cargo, Lula e Bolsonaro, e apostado que essa será a disputa que definirá as eleições presidenciais deste ano. O presidente do Instituto Vox Populi, especializado em pesquisas de opinião pública, Marcos Coimbra, compilou a média de todas as pesquisas eleitorais divulgadas em 2021 e 2022. Na sua avaliação, o cenário é de uma estabilidade quase absoluta, conforme se vê no gráfico abaixo:

 

 

Nesse cenário, a possibilidade de a disputa ocorrer entre Lula e Bolsonaro tornasse ainda maior pelo fato de ambos os concorrentes terem um alto nível de fidelização dos eleitores: pesquisa Quaest/Genial, de 09/02/2022, mostrou que quase 6 entre 10 entrevistados consideram sua escolha de voto definitiva. De acordo com a pesquisa, 58% dos ouvidos responderam que sua decisão está tomada, ante 40% que não descartam mudança caso algo aconteça.[22]

 

Alguns setores da sociedade insistem na possibilidade de uma “terceira via”. Como analisamos no documento de fevereiro deste ano, na dianteira dessa disputa pela (até agora inglória) terceira via, que envolve vários candidatos, estão o ex-juiz, líder da operação Lava-jato, e ex-ministro da justiça de Bolsonaro, Sérgio Moro, que faz esforço explícito para atrair eleitores da direita e extrema-direita descontentes com Bolsonaro; e Ciro Gomes, por outro lado, cuja estratégia é buscar um eleitorado mais à esquerda e ao centro descontentes com o PT. Ambos apostam suas fichas no antipetismo. Porém, como apontamos acima e também constatou Felipe Nunes, diretor da Quaest, os eleitores de Lula e Bolsonaro são os mais engajados e já estão com os votos decididos, o que impede o crescimento dos candidatos da chamada terceira via[23] (IN: 2022: desafios múltiplos e a necessária serenidade para o futuro; páginas 5-6).

 

5) A Relevância das Eleições Legislativas de 2022

 

5.1) O Eleitorado e Representação Política

 

No Brasil, as eleições para o Poder Executivo (presidente e governador(a)) acontecem simultaneamente com aquelas para o Poder Legislativo: Congresso Nacional (deputado(a) federal e senador(a)) e Assembleias Legislativas Estaduais (deputado(a) estadual). Isso termina, muitas vezes, fazendo com que as escolhas para as casas legislativas ocupem posição secundária na dinâmica eleitoral, com espaço reduzido na pauta dos meios de comunicação e, mais importante, na atenção do próprio eleitorado. Não sem motivo, o próprio TSE faz divulgação recorrente na mídia sobre a importância da representação política no legislativo nacional e estadual.

 

A despeito das dificuldades para uma melhor compreensão do sistema eleitoral adotado no Brasil para as eleições parlamentares, especialmente para definição das cadeiras que cada partido político terá direito ao final da apuração[24] , o eleitorado terá oportunidade, com seu voto, de promover uma renovação nas casas legislativas. A participação popular é decisiva para a ampliar a representação das mulheres, da população negra, da juventude, das lideranças das periferias urbanas, dos povos tradicionais (indígenas, quilombolas, etc) e de outros grupos sociais sub-representados no parlamento. Isto para não falar da necessidade de renovação da pauta legislativa, muitas vezes descolada dos interesses da maioria.

 

O(A) eleitor(a) precisa dedicar mais tempo para se informar sobre os candidatos e candidatas aos cargos legislativos, sem deixar para última hora essa escolha, e tampouco não votando. Deve procurar, por exemplo, conhecer a trajetória do seu eventual candidato (a) no mundo público e político, principais propostas, as lutas nas quais está envolvido(a) e os grupos sociais que busca representar.

 

Além disso, o voto não pode ser resultado de um jogo individual e personalista. O(A) parlamentar eleito(a) não vai agir sozinho(a); ele ou ela irá integrar uma bancada partidária e apoiar, ou fazer oposição, a um governo nacional ou estadual. É necessário, portanto, buscar informações também sobre o partido político escolhido pelo(a) candidato(a), como este se localiza no espectro ideológico (esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita) quando atuando nas casas legislativas[25], quais suas alianças eleitorais e quem são seus (suas) candidatos(as) nas eleições para o Poder Executivo, entre outros aspectos.

 

5.2) O Congresso Nacional e o Presidencialismo Brasileiro

 

 

A Tabela 1 mostra um total de 23 partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados, evidenciando uma elevada fragmentação partidária. A União Brasil é resultado da recente fusão entre o PSL e o DEM, constituindo a maior bancada. Entretanto, existem outros partidos com 5% ou mais de cadeiras no parlamento: PT, PP, PL, PSD, Republicanos, MDB, PSDB, PSB e PDT. O jogo parlamentar envolve principalmente estas agremiações, com espaço também para a movimentação de dois blocos partidários: Bloco PSC/PTB e Bloco Novo/Cidadania/PV. Os demais partidos políticos ganham maior peso nas votações apertadas, e nas relatorias de projeto de lei relevantes, como no caso da Lei das Fake News, cujo relator é o deputado federal Orlando Silva (PCdoB/SP).[26]

 

O atual presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Arthur Lira (PP/AL), eleito para o biênio 2021/2023, é aliado do Governo Bolsonaro e principal liderança do Centrão. Embora não exista um número preciso, estima-se que este bloco parlamentar de centro-direita reúna entre 170 e 220 integrantes, tendo como principais partidos o PP, PL e Republicanos.[27] O crescimento do Centrão no atual mandato presidencial deve-se, entre outros aspectos, aos problemas de governança federal, acentuados na crise sanitária, e ao receio de Bolsonaro de enfrentar um processo de impeachment.[28]

 

Entretanto, a atuação do Centrão no Congresso Nacional é antiga, vem desde a Assembleia Nacional Constituinte[29]. Isto significa que devemos buscar razões mais estruturais para explicar a presença e a força do bloco parlamentar. Ente outros fatores, devem ser destacadas as características do presidencialismo brasileiro[30]. O presidente da República eleito enfrenta dificuldades de estabelecer uma base de apoio no Congresso Nacional, diante da fragmentação partidária, do insuficiente número de deputados e senadores nos partidos com afinidade ideológica e programática, e da sobrevivência de uma cultura política parlamentar assentada no fisiologismo. A governabilidade não tem sido assegurada apenas com o resultado alcançado na disputa presidencial. A coalizão governamental será construída a partir de uma negociação, envolvendo a nova composição de forças políticas no Congresso Nacional. Desta forma, a base parlamentar governista tem sido uma frente multipartidária, ideológica e programaticamente heterogênea e, muitas vezes, estimulada pela distribuição de cargos públicos e emendas parlamentares, sem correspondência com o interesse público.

 

A Tabela 2 revela a presença de 13 partidos no Senado Federal, com destaque para as bancadas do MDB, PSD, Podemos, PT, PSDB, PP, PL e União Brasil. Ela indica ainda que 1/3 das cadeiras da casa legislativa estarão em disputa nas eleições deste ano. Isto deve ser motivo de preocupação sobretudo para o MDB, grupo político com seis vagas submetidas ao sufrágio popular.

 

A atuação do Centrão no Senado Federal, no Governo Bolsonaro, tem sido mais limitada. De alguma forma, a instituição política, presidida pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), procura agir como poder mais independente em relação aos interesses do Palácio do Planalto, rejeitando inciativas do governo federal aprovadas na Câmara dos Deputados, como na votação da reforma trabalhista o ano passado[31].

 

6) Considerações Finais

 

O contexto em que irá se desenrolar as Eleições Nacionais de 2022 no Brasil ainda não está completamente definido. A Guerra da Ucrânia e seus desdobramentos políticos e econômicos a nível mundial, especialmente no caso de seu prolongamento, introduzem novas incertezas.

 

Na disputa presidencial, até agora a polarização política entre Lula e Bolsonaro tem se mantido, o que faz com que alguns analistas apostem na manutenção deste cenário no final do primeiro turno. Entretanto, outros entendem como prematuro antecipar as preferências do eleitorado, tendo em vista que ainda estamos na etapa de definição das candidaturas e alianças eleitorais, longe do início das campanhas nas ruas e na internet, dos debates nos meios de comunicação e da propaganda no rádio e TV, que acontecerão a partir de agosto deste ano, e que despertam muita atenção entre as brasileiras e os brasileiros.

 

Ainda com relação a eleição presidencial, é importante questionar os candidato(a)s, entre outros temas, sobre a intenção de cumprir o mandamento constitucional (Art. 26 do ADCT da CF/88), que trata da auditoria da dívida pública, até hoje não cumprido[32], tendo em vista que o Tribunal de Contas da União[33] já alertou para o fato de que a dívida pública não tem servido para investimentos no país.

 

Igualmente importante são as eleições para o Congresso Nacional e Assembleias Legislativas Estaduais. O(A) eleitor(a) deve dar atenção ao processo de escolha do(a) senador(a), deputado(a) federal e deputado(a) estadual. Nos próximos quatro anos muitas decisões relevantes serão tomadas nas casas legislativas, em particular no Congresso Nacional. O processo eleitoral é uma oportunidade de qualificar a representação política.

 

 

É bom lembrar que existem discussões relevantes que estão ocorrendo no atual Congresso Nacional, e que continuarão presentes na pauta da próxima legislatura. Destacamos, por exemplo, os alguns temas socioambientais: o Marco Temporal de Terras Indígenas – PL 490/2007 na Câmara; o PL 191/2020 na Câmara, que versa sobre a Mineração em Terras Indígenas; o PL 2159/2021 no Senado, que trata do Licenciamento Ambiental e que tem a senadora Kátia Abreu como relatora e os PLs 510/2021 no Senado e 2633/2021 da Grilagem de Terras, que tem como relator o filho da referida Kátia Abreu, o senador Irajá Abreu. Sem dúvida, o pior deles, o PL 6299/2002, que libera o pacote de veneno e o uso indiscriminado de agrotóxicos na produção de alimentos do Brasil, já foi aprovado na Câmara e tramita no Senado. Devese ficar de olho na PEC 37/2021 – PEC do CLIMA (Segurança Climática), cuja uma pauta positiva será apreciada na Câmara dos Deputados, bem como a PEC 233/2019 no Senado. Outra matéria positiva é o PL Brasil Carbono Neutro – PL 6539/2019 na Câmara.

 

Além disso, é preciso assegurar maior espaço no Poder Legislativo para as mulheres, população negra, juventude, lideranças das periferias urbanas, dos povos tradicionais (indígenas, quilombolas, etc) e de outros grupos sociais sub-representados no parlamento nacional e estadual. Trata-se de um grande desafio. Mas nem por isto, menos fascinante.

 

Notas:

[1] É um serviço para a CNBB. Não representa, contudo, a opinião da Conferência.

[2]Link aqui.

[3] Link aqui.

[4] Link aqui.

[5 ]Link aqui.

[6 ]Link aqui.

[7]Link aqui.

[8] Link aqui.

[9]Link aqui.

[10]Link aqui.

[11]Link aqui.

[12]Link aqui.

[13]Link aqui.

[14] Link aqui.

[15] Link aqui.

[16] Link aqui.

[17] Link aqui.

[18] Link aqui.

[19] Segundo a clausula de barreira definida para as eleições 2022, os partidos precisarão de ao menos 2% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, ou conseguir eleger 11 deputados federais distribuídos em nove estados. Este desempenho é requisito para ter acesso ao fundo partidário e tempo no rádio e TV. Link aqui.

[20] Link aqui.

[21] Links aqui; aqui, e aqui.

[22] Link aqui. 

[23] Link aqui.

[24] Para melhor entendimento do sistema eleitoral adotado no Brasil, ver NICOLAU, Jairo. Sistemas Eleitorais. 6ª ed. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2012.

[25] Uma boa discussão sobre o posicionamento ideológico dos partidos políticos no Congresso Nacional, no período de 1990 a 2009, pode ser encontrada no livro: POWER, Timothy J.; ZUCCO JR., Cesar (organizadores). O Congresso por ele mesmo; autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011.

[26] Link aqui.

[27] Link aqui.

[28] Link aqui.

[29] Sobre as origens do “Centrão”, ver LOPES, Julio Aurélio Vianna. A Carta da Democracia: O Processo Constituinte da Ordem Pública de 1988. Rio de Janeiro, Toopboks, 2008.

[30] Ver ABRANCHES, Sergio. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo, Companhia das Letras, 2018.

[31] Link aqui.

[32] Link aqui.

[33] Ver palestra em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Link aqui.

 

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