09 Março 2022
Quinze reatores nucleares em meio a uma guerra. Não é o cenário mais tranquilizador. O território ucraniano conta com quatro usinas nucleares cuja potência responde por quase a metade da capacidade elétrica do país, o que deixa clara a importância delas como objetivos militares.
A reportagem é de Pablo Rivas, publicada por El Salto, 08-03-2022. A tradução é do Cepat.
As instalações de Zaporizhia, a maior usina do país, com seis reatores, saltaram para o primeiro plano global quando o avanço russo provocou o incêndio de um dos edifícios do complexo. Embora o fogo tenha sido eliminado em poucas horas e as autoridades ucranianas se apressaram a garantir que os reatores não foram danificados e que os níveis de radiação não aumentaram, algo que foi confirmado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o medo de um novo desastre nuclear na Europa percorreu o mundo.
Zaporizhia se soma a Chernobyl, ocupada no dia 24 de fevereiro, na lista de instalações nucleares ucranianas em poder das forças russas. Os combates na região também desencadearam o alarme internacional. Embora seja sólido o sarcófago construído em torno do reator quatro, cenário do desastre de 1986, a ideia de projéteis ou mísseis impactando contra o mesmo não é a mais animadora.
Além disso, as autoridades ucranianas alertaram que a segurança dos depósitos de rejeitos radiativos estava comprometida, lembrando a possibilidade de propagação internacional da poeira nuclear. Finalmente, nada aconteceu na tomada do complexo em termos de poluição nuclear.
Agora, três centrais a mais, todas em atividade, estão no tabuleiro do teatro de guerra: Rivne, com quatro reatores, no noroeste do país, Ucrânia Sul, com três, a 175 km da cidade costeira de Odessa, e Khmelnitski, 320 km a oeste de Kiev, com duas. Todas elas gerenciadas pela operadora ucraniana Energoatom.
No total, o país tem oito de seus 15 reatores em funcionamento, segundo a última informação da AIEA, incluindo os dois de Zaporizhia. E a usina de Rivne é considerada o próximo objetivo russo no que diz respeito à infraestrutura nuclear ucraniana, dada sua proximidade com a Bielorrússia, base de operações das forças de Putin, e sua potência e importância para o Governo ucraniano.
Mas as usinas não são as únicas instalações nucleares do país em perigo. Toda uma série de complexos está associada à atividade nuclear. No último domingo, a operadora nacional ucraniana alertava que o edifício do Instituto de Física e Tecnologia de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, tinha recebido o impacto de projéteis russos, ficando danificado. O espaço de pesquisa possui um reator nuclear experimental que produz radioisótopos para aplicações médicas e industriais.
Do lado de Moscou, denunciaram que o incidente era na verdade um atentado das forças ucranianas. “Os nacionalistas colocaram explosivos no reator da instalação nuclear experimental”, apontaram fontes do Ministério da Defesa russo.
O diretor-geral da AIEA, Rafael Mariano Grossi, afirmou que o incidente não provocou um aumento dos níveis de radiação no local. Grossi destacou que “dado que o material nuclear da instalação é sempre subcrítico e o estoque de material radioativo é muito baixo, a avaliação da AIEA confirmou que os danos que foram notificados não tiveram qualquer consequência radiológica”.
O enésimo incidente bélico em uma instalação nuclear, em apenas duas semanas, encheu a paciência da agência nuclear internacional: “Já aconteceram vários episódios que comprometeram a segurança nas instalações nucleares da Ucrânia”, apontou Grossi. Para o diretor-geral, o incidente de domingo demonstrou mais uma vez os riscos que as instalações nucleares da Ucrânia enfrentam durante o conflito, “o que acrescenta urgência a uma iniciativa do AIEA destinada a garantir a segurança nuclear tecnológica e física no país”.
Organizações ambientalistas de todo o planeta também se posicionaram de forma crítica. Na Espanha, o Movimento Ibérico Antinuclear (MIA), uma federação que reúne diferentes organizações contrárias a esse tipo de energia, lembrou que as nucleares são um ponto frágil na segurança de um país, em caso de guerra. “Sejam um alvo intencional ou não, é um perigo que a indústria nuclear e seus apoiadores políticos não querem enfrentar, mas é muito evidente que faz parte do risco que envolve essa energia”, denunciaram em um comunicado após o ataque a Zaporizhia.
O MIA classificou o ato de guerra como “totalmente injustificável” e lembrou que “o risco nuclear afeta o território ucraniano e, dependendo dos ventos, os países vizinhos Moldávia, Romênia, a própria Rússia e o Mar Negro. A usina é resfriada com águas do Rio Dnieper, cujo curso desemboca nesse mar cerca de 220 km ao sul, ligado ao Mediterrâneo pelo estreito de Bósforo ou Istambul”.
Outra perigosa ação bélica em instalações nucleares aconteceu, segundo o Governo ucraniano, no dia 27 de fevereiro, em Kiev. O Governo afirmou que mísseis tinham atingido uma instalação de eliminação de rejeitos radiativos na capital, mas que não ocorreu nenhuma emissão radioativa. “Isso aconteceu um dia após um transformador elétrico ficar danificado em uma instalação de descarte final semelhante, perto de Kharkiv”, observa a AIEA.
Nesta segunda-feira, a agência alertou que permanece sem comunicação com empresas e instituições que utilizam fontes de radiação de categorias 1 a 3 da cidade portuária oriental de Mariupol, incluindo seu centro de oncologia, razão pela qual “não é possível confirmar sua segurança tecnológica e física”.
“Devemos agir para ajudar a evitar um acidente nuclear, na Ucrânia, que pode ter consequências severas para a saúde pública e o meio ambiente. Não podemos nos dar ao luxo de esperar”, apontou Grossi, que se colocou à disposição das autoridades para viajar até a usina nuclear de Chernobyl, ou para qualquer lugar, para obter o compromisso das partes em conflito com a segurança tecnológica e física de todas as usinas nucleares da Ucrânia.
O diretor aproveitou para denunciar que na instalação de Chernobyl o atual turno de trabalhadores, composto por uns 210 técnicos e guardas, ainda não pôde ser trocado. Também recordou que, hoje, não é possível fornecer peças de reposição ou medicamentos para a maior usina do país, Zaporizhia, uma instalação sob o comando de um comandante militar russo, algo que, segundo afirmou, “contraria um pilar indispensável da segurança nuclear”.
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A guerra dos quinze reatores nucleares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU