21 Novembro 2025
Após nove anos como presidente da Corref (Conferência de Religiosos e Religiosas da França), que se tornou a cara da luta contra a violência sexual na Igreja da França, Véronique Margron passa o bastão após dois mandatos. Ela teve que enfrentar o terremoto da Ciase (Comissão Independente sobre os Abusos Sexuais na Igreja) e o envelhecimento acelerado das Congregações.
A reportagem é de Héloïse de Neuville, publicada por La Croix, 18-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Exausta, mas não desanimada. Seu segundo mandato à frente da Corref termina na sexta-feira, 21 de novembro. A Irmã Véronique Margron tem dificuldade em lembrar sua ingenuidade em novembro de 2016. Ela acabara de ser eleita presidente daquela federação, composta por 479 institutos religiosos na França, e acreditava que havia sido colocada no comando de “uma pequena associação a serviço dos superiores maiores das comunidades”. Mas, dois meses após sua eleição, quando o “escândalo Preynat” estourou, as primeiras cartas de vítimas de violências sexuais na Igreja começaram a chegar à sua mesa. Nove anos depois, os testemunhos continuam a chegar, e essa teóloga dominicana de 67 anos passou seus dois mandatos sob a pressão da crise das violências sexuais e do relatório da Ciase, publicado em 2021.
Além de ser a força motriz por trás dessa revolução institucional, no centro da crise ela foi “a figura de consolo e de escuta da Igreja Católica”, afirma o historiador das religiões Denis Pelletier. “É a mulher que, naquele momento da história da instituição, carregou em suas costas uma imensa dor.” De fato, durante esses nove anos à frente da Corref, junto com os esforços para aprovar medidas contra todos os tipos de abuso nas comunidades religiosas, Véronique Margron lembra-se de ter se encontrado com mais de 200 vítimas.
Por que a senhora? "O fato de eu não ser homem, padre ou bispo, teve um papel importante para muitas das vítimas. Havia uma espécie de confiança que só foi possível por esse motivo", analisa ela mesma. Observadores vão além: "Ela teve a inteligência do momento, demonstrou uma profundidade humana que lhe permitiu, naquele evento inesperado, inventar uma voz, uma direção" acredita o historiador Denis Pelletier. Sua amiga Natalia Trouiller destaca, acima de tudo, sua tenacidade na luta espiritual: “Ela é a mulher de fé que admiro. Véronique Margron continua acreditando que o mal não vencerá, mesmo tendo estado literalmente imersa nele, nadando através dele por quase dez anos”.
Contudo, seu zelo em denunciar os crimes cometidos dentro da Igreja não lhe rendeu apenas amigos no mundo católico. Houve aqueles que a consideraram demasiado 'midiática', demasiado crítica em relação à Igreja. Aqueles que pensam que ela 'exagerou' em relação aos abusos estão aliviados por estar sendo virada 'a página Margron'. Mas o mons. Éric de Moulins-Beaufort, Arcebispo de Reims e ex-presidente da Conferência Episcopal Francesa, enfatiza sua 'estima' pela mulher que teve que enfrentar as dolorosas revelações do relatório Sauvé.
A outra luta de Véronique Margron, menos midiática, foi a de acompanhar o envelhecimento das congregações. Em 2024, com seu conselho administrativo, ela lançou a "Corref & Compagnie" para acompanhar instituições religiosas frágeis ou em fase terminal – governança, gestão patrimonial, recursos humanos, apoio espiritual e psicológico. Mas outro observador da vida religiosa expressa irritação: "Ela se concentra apenas nas congregações em fim de vida, mas as novas dinâmicas lhe escapam". Véronique Margron pode ser chamada de "administradora do declínio"? Ela prefere o termo "cumprimento" a "destino": "Estou convencida de que o Deus em que acredito faz algo frutífero com essas vidas que lhe são doadas. A maior transmissão é invisível". Então, ela acrescenta, referindo-se às revelações dos últimos anos: "Sabemos o quanto o poder, os números e a juventude nos fascinam... E o quanto esses não são critérios evangélicos. Essa tarefa de acompanhamento nos reconduz à verdade do Evangelho". Éric de Moulins-Beaufort completa seu retrato espiritual: “A Irmã Véronique é mais sensível à ação realmente benéfica do que à ação espetacular. Ela sabe enxergar a fecundidade oculta naquilo que é minúsculo”. Véronique Margron continuará sendo priora provincial de sua congregação – as Irmãs Dominicanas da Caridade da Apresentação – e olha para o futuro sem planos preestabelecidos, exceto, em primeiro lugar, “aliviar o peso que carrega nos ombros”, admitindo, porém, estar “um pouco preocupada” com a forma como seu corpo reagirá à mudança de ritmo.
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