05 Novembro 2025
“O carisma tipicamente diocesano, denominado diocesaneidade, representa o rosto mais próximo da sinodalidade. É na vivência concreta da vida eclesial que se aprende a caminhar em conjunto, a escutar o Espírito e a discernir, em comunhão, os passos da evangelização e da missão”, escreve Humberto Robson de Carvalho, padre da Arquidiocese de São Paulo (pároco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida – Região Episcopal Santana), mestre em Educação, especialista em Espiritualidade, Catequese e Liturgia e graduado em Filosofia, Pedagogia e Teologia.
Junto com Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, escreveu Padre Diocesano: Testemunha do Mistério Pascal (Paulus, 2024) e Sacerdócio e envelhecimento (Paulus, 2025).
Eis o artigo.
A diocesaneidade, mais do que conceito, é experiência viva que permeia toda a existência da Igreja. Não se limita a estrutura organizacional ou a simples arranjo territorial. Ao contrário, manifesta-se como expressão concreta da dimensão teológica e eclesial, que interpela pastores, consagrados e leigos ao contínuo processo de escuta, discernimento e vivência comunitária da fé. Trata-se do carisma tipicamente diocesano, traduzido no sentido de pertença, comunhão e participação na vida da Igreja local.
Embora presente desde os primórdios da Igreja, a consciência mais clara sobre sua riqueza teológica tem se desenvolvido ao longo do tempo. Atualmente, os fiéis são convidados a redescobrir a beleza e a profundidade da diocesaneidade como dom e tarefa. Dom, por ser graça divina que reúne o povo santo em torno do bispo, sucessor dos apóstolos; tarefa, por exigir corresponsabilidade, participação ativa e espírito de comunhão. A expressão diocesaneidade é relativamente recente no vocabulário teológico-pastoral, tendo surgido no Sínodo dos Bispos, em 1990, e sido oficializada por São João Paulo II, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores Dabo Vobis, em 1992. [1]
A diocese não se configura apenas como território, mas como comunidade de comunidades, corpo vivo no qual cada batizado é chamado a ser presença atuante e testemunha do Evangelho. A diocesaneidade revela a espiritualidade de pertença, que convida os fiéis a reconhecerem sua participação no mesmo rebanho, guiado pelo pastor, e a peregrinarem juntos na história como Igreja de Cristo. [2]
Essa espiritualidade é alimentada pelo encontro, não qualquer encontro, mas aquele que nasce da escuta, do acolhimento mútuo e da partilha sincera. Trata-se de sair de si para ir ao encontro do outro e, simultaneamente, permitir-se ser encontrado. Nesse movimento de abertura e doação, constrói-se a comunhão, em que dons, alegrias, dores, esperanças e fragilidades se entrelaçam e sustentam a vida da Igreja local. Na concretude da vida diária, os diocesanos são convidados a encontrar-se com o Cristo em cada uma das realidades particulares da Igreja local à qual se dedicam amorosamente. [3]
A diocesaneidade configura-se como chamado permanente à unidade na diversidade. Convida à vivência da solidariedade e da corresponsabilidade, reconhecendo que cada pessoa tem lugar e missão na construção do Reino. Cada fiel é protagonista na missão evangelizadora da diocese, que, por sua vez, expressa concretamente a Igreja universal em cada tempo e lugar.
O sentido de pertença, a vivência da sinodalidade e o zelo pelo projeto pastoral diocesano são elementos constitutivos da diocesaneidade. Na fraternidade cultivada nos encontros entre os membros da diocese, expressa-se a comunhão conforme o desejo e o projeto de Jesus. A comunhão e a participação nascem da convicção espiritual de que o caminhar da Igreja e a edificação do Reino ocorrem em conjunto. O caminho cristão está sempre vinculado ao caminho da Igreja diocesana. [4]
O amor esponsal pela diocese representa o itinerário espiritual que impulsiona os cristãos, especialmente aqueles envolvidos diretamente na missão evangelizadora, como seminaristas, diáconos, presbíteros, consagrados (as), bispos, a aprofundarem sua consciência eclesial como evangelizadores em comunhão com toda a sua diocese. A esponsalidade é a espiritualidade do amor que se doa mutuamente, do amor que os fiéis dedicam à Igreja. Nessa dinâmica, o vínculo entre Igreja e fiéis desenvolve-se como espiritualidade de participação e comunhão, sinal de todo o povo de Deus. [5]
O carisma tipicamente diocesano, denominado diocesaneidade, representa o rosto mais próximo da sinodalidade. É na vivência concreta da vida eclesial que se aprende a caminhar em conjunto, a escutar o Espírito e a discernir, em comunhão, os passos da evangelização e da missão. A diocesaneidade, configura-se como chamado constante à unidade na diversidade, à solidariedade e à corresponsabilidade, impulsionando cada fiel a reconhecer-se como coparticipante da missão evangelizadora da diocese, que é, em última instancia, manifestação da Igreja universal na história.
Notas
[1] CARVALHO, H. R., PEREIRA, E., COSTA, E. Diocesaneidade, esponsalidade e incardinação. São Paulo: Paulus, 2020, p. 18-19;
[2] CARVALHO, H.R. Seminarista diocesano: vocação, carisma e missão. Aparecida: Santuário, 2025, p. 33-34;
[3] CARVALHO, H. R, LORENS, F. Espiritualidade do padre diocesano. São Paulo: Paulus, 2022, p. 87-95;
[4] LORSCHEIDER, A. Identidade e espiritualidade do padre diocesano. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 17-18;
[5] CARVALHO, H.R., PEREIRA, E., COSTA, E. Diocesaneidade, esponsalidade e incardinação. São Paulo: Paulus, 2020, p. 49-82.
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