A passagem do Papa Francisco na Páscoa nos convida a encontrar Cristo no caminho da Galileia

Foto: Vatican Media

22 Abril 2025

“'Ide para a Galileia', disse Jesus, 'e lá me verão'. A Galileia não era apenas uma localização geográfica, mas o lugar para onde Jesus chamou seus discípulos pela primeira vez, onde o ministério começou. Era o nosso lar. Francisco nos convidou para a Galileia quando advogou pelos pobres, pelos imigrantes, pelas pessoas LGBTQ+ — quando centrou o Evangelho na misericórdia, no encontro e no acompanhamento”, escreve Michael Sennett, em artigo publicado por New Ways Ministry, 22-04-2025.

Michael Sennett é um homem trans católico e paroquiano da Igreja de Santo Inácio em Boston, onde atua no Conselho Pastoral Paroquial e auxilia na formação de ministérios LGBTQ+.

Eis o artigo.

Eu não esperava acordar na segunda-feira de Páscoa com a notícia da morte do Papa Francisco.

Inquieto durante a noite, entrei e saí do sono. Algum tempo depois das 4 da manhã, chequei meu celular e vi a manchete. Sentei-me na escuridão silenciosa, sentindo aquela estranha tensão — vida e morte, tristeza e alegria — logo após a proclamação do Domingo de Páscoa: Cristo ressuscitou.

O Evangelho da Segunda-feira de Páscoa fala exatamente dessa tensão. “Não tenham medo! Ide e dizei aos meus irmãos que se dirijam à Galileia, e lá me verão” (Mateus 28,10). Maria Madalena e a outra Maria fogem do túmulo após encontrarem o anjo, e Jesus as encontra no caminho. Não no destino. Não quando as coisas estão totalmente resolvidas. Mas bem ali, no meio de tudo.

Como católico transgênero nos EUA, tenho medo. Medo da crescente transfobia. Medo de uma legislação que retira a dignidade. Medo da crescente normalização da xenofobia, do racismo e da violência. E agora lamento a perda de um Papa que — embora imperfeito — encontrou muitos de nós em nossa humanidade e nos lembrou do nosso valor.

E, no entanto, ainda sinto alegria. Alegria porque Jesus triunfou sobre a morte. Alegria porque a Ressurreição não é apenas um momento na história, mas uma promessa viva. Alegria porque ainda estamos sendo encontrados no caminho. 

A alegria foi a graça do meu encontro com o Papa Francisco em Roma, em outubro passado, quando fiz parte do grupo da comunidade trans que o New Ways Ministry trouxe a Roma para conversar com ele sobre nossas vidas e jornadas de fé. Hesitei em falar publicamente sobre a visita, exceto por uma ou duas entrevistas. Parte do motivo da minha hesitação é que o encontro era sagrado para mim — algo para guardar com reverência antes de oferecer ao mundo.

Desde aquele dia, uma pergunta que me fazem repetidamente é: "Você o fez mudar de ideia?" Embora eu não possa falar pelos outros no meu grupo, mudar a opinião do Papa Francisco não era o objetivo do encontro. O encontro era o objetivo. Não apenas a graça de conhecer o Papa, mas de sermos recebidos por ele em troca. Ele ouviu. Ele nos viu. Nosso encontro não desfez o dano que as pessoas trans continuam a enfrentar em espaços católicos. Não reverteu as políticas vaticanas ou as posturas cada vez mais hostis do episcopado americano. No entanto, foi um momento de profunda dignidade. O encontro foi uma ação que o Papa Francisco modelou com maestria. Se a notícia do nosso encontro inspirou ao menos um pastor a abrir sua mente e coração à prática sinodal da escuta, isso significa que nossa visita foi um sucesso que vai além das graças que recebemos.

“Ide para a Galileia”, disse Jesus, “e lá me verão”. A Galileia não era apenas uma localização geográfica, mas o lugar para onde Jesus chamou seus discípulos pela primeira vez, onde o ministério começou. Era o nosso lar. O Papa Francisco nos convidou para a Galileia quando advogou pelos pobres, pelos imigrantes, pelas pessoas LGBTQ+ — quando centrou o Evangelho na misericórdia, no encontro e no acompanhamento. Ele nos lembrou onde procurar Cristo: entre os vulneráveis, os marginalizados, os esquecidos. A Galileia são nossos bairros, nossas mesas de jantar, nossos espaços de oração. A Galileia é onde quer que encontremos Cristo no rosto de nossos semelhantes.

O convite para a Galileia permanece. Não fomos feitos para permanecer no túmulo, agarrados à dor. Somos chamados a continuar caminhando. A alimentar os famintos, a vestir os nus, a acolher o estrangeiro e a confortar os enlutados. A nomear e opor-se à guerra, à ocupação e ao genocídio — não com preocupação abstrata, mas com amor real e encarnado. É aqui que veremos Jesus — não numa espiritualidade higienizada, mas na luta por dignidade e libertação.

Não caminhamos sem medo. Enquanto vivo com o peso diário da crescente transfobia, da criminalização da existência queer e das forças entrelaçadas da supremacia branca e do nacionalismo cristão, também vivo com alegria. Não uma alegria superficial que ignora a dor do mundo, mas uma alegria pascal que ousa se erguer mesmo assim. Uma alegria que insiste que a morte não tem a palavra final. Que mesmo diante de uma violência avassaladora, Cristo ressuscitou.

O caminho à frente é incerto. Mas a Ressurreição nos diz que a morte não tem a palavra final. Cristo já está ao nosso encontro no caminho. Então, continuamos caminhando — com medo, às vezes, mas nunca sem esperança.

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