10 Abril 2025
"Essa guerra comercial faz parte de uma guerra muito mais ampla, em que o trumpismo, que vai sobreviver ao fim do governo Trump, é uma expressão importante, mas não a única. O que está em jogo na nossa época é a definição para onde e como irá a ordem mundial", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
Segundo ele, "teologias críticas e, em particular, a Teologia da Libertação têm ou ainda deve assumir a tarefa de ajudar a interpretar, a partir da perspectiva da fé cristã, o que está acontecendo no mundo, mais do que focar nas questões internas das igrejas".
Têm os Estados Unidos da América, sob o governo Trump, poderes econômico, político e militar suficientes para reorganizar a ordem geoeconômica mundial de acordo com os seus interesses e vontade? Quase com certeza (pois nunca podemos afirmar sobre o futuro com toda certeza) essa guerra comercial, que parece estar somente começando, vai mudar as feições do mundo. A pergunta, em outras palavras, é: o governo Trump vai conseguir vencer e impor ao mundo os seus objetivos dessa guerra político-econômica?
É quase impossível prever o resultado, pois ainda não está claro para muitos quais são os objetivos específicos dessa guerra anunciada como a da “libertação” dos Estados Unidos. O objetivo geral é, como vem sendo prometida, “Tornar América Grande Novamente” (MAGA), mas a realização de objetivos gerais, – que deve expressar o horizonte utópico que dá sentido e força espiritual para um grupo social – exige a explicitação concreta dos objetivos específicos relacionados aos meios necessários em um dado contexto sócio econômico. E o que o seu governo anuncia é trazer de volta os empregos perdidos nos últimos 25 anos por conta do processo de globalização econômica, mercado pela ideologia neoliberal, e pela revolução tecnológica (incluindo o uso de inteligência artificial nas empresas). E o meio para isso seria o aumento dos impostos de importação.
É possível fazer voltar o relógio da história e recuperar empregos industriais de baixo nível de tecnologia que os trumpistas desejam e são capazes de operar nas fábricas? Não. Se as empresas aceitarem a pressão e levarem a produção industrial para os EUA, levarão também robôs. E os funcionários que complementarão os trabalhos automatizados precisam ser tecnologicamente bem preparados. No tempo de hoje, mais do que o baixo salário dos trabalhadores da China ou Índia, o diferencial para as fábricas de alta tecnologia é o seu nível educacional.
Porém, líderes carismáticos e populistas, não importa muito de direita ou esquerda, se caracterizam por não levar muito a sério a realidade com que está enfrentando. O “povo”, ou a “massa”, não deseja análises de realidade, de limites e possibilidades, mas sim líder que anuncia e promete a realização dos seus desejos. É por isso que líderes populistas e os seus seguidores são contra as ciências, sejam elas naturais ou as sociais. Tudo é reduzido à vontade (de poder) e a fé no líder.
Quando o líder populista ainda está na oposição, não há necessidade de “mostrar” o resultado, a sua eficiência. Basta a capacidade de retórica e carisma. No poder, a realidade aparece, mesmo quando os seus seguidores querem manter-se cegos. Quando a fome, a conta do mercado ou a frustração do desejo não realizado chega à vida real, a resposta rápida e a mais eficiente é o apontar os culpados, os bode-expiatórios (imigrantes, comunistas, LGBT+, pobres criminosos...), e realizar ritos sacrificiais.
O problema é que, mesmo em situações em que acusações de bodes expiatórios funcionam, essas soluções, que mantêm a união do grupo ou da sociedade em torno dos seus mitos, são falsas. Com isso, a realidade dos problemas vai bater nas portas de todos. Você pode reprimir ou esconder os problemas debaixo do tapete, mas volta. Enquanto isso, os pobres e os bode-expiatórios inocentes dessas acusações são mortos, sacrificados.
Essa guerra comercial faz parte de uma guerra muito mais ampla, em que o trumpismo, que vai sobreviver ao fim do governo Trump, é uma expressão importante, mas não a única. O que está em jogo na nossa época é a definição para onde e como irá a ordem mundial.
Eu penso que teologias críticas e, em particular, a Teologia da Libertação têm ou ainda deve assumir a tarefa de ajudar a interpretar, a partir da perspectiva da fé cristã, o que está acontecendo no mundo, mais do que focar nas questões internas das igrejas. É claro que temas internos das igrejas são também importantes, mas – com o risco de ser mal-entendido – eu penso que o mais urgente é a retomar a tradição das comunidades cristãs de libertação de começar a conversa com uma análise da realidade, realidade essa que mudou profundamente nos últimos 20 anos, e interpretar teologicamente as forças espirituais que estão em conflito.