14 Novembro 2024
Não é “despolitização”. Eles desejam autonomia, mas também apoio ao trabalho hoje isolado e precário. Mobilizam-se de forma mais flexível e valorizam a diversidade. Assistência aos “plataformizados” e comunicação inovadora podem ser o começo para a renovação de bases.
O artigo é de Clemente Ganz Lúcio, Diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), publicado por Outras Palavras, 11-11-2024.
A sindicalização é uma ação contínua e essencial no trabalho de base dos dirigentes e ativistas sindicais. Os desafios para atrair e engajar trabalhadores de todas as idades são constantes, mas os jovens sempre representam uma barreira a ser enfrentada. Os debates indicam a necessidade de inovações nas estratégias que visam à filiação dos trabalhadores aos sindicatos, ampliando, assim, a representatividade, a proteção e o poder sindical. Estudos da OCDE indicam que a baixa taxa de adesão sindical entre os jovens é um fator importante na queda global da densidade sindical. De acordo com o levantamento, apenas 7% dos sindicalizados na área da OCDE são jovens e a adesão a sindicatos tende a seguir uma curva em “U” invertido, atingindo seu ponto mais alto em trabalhadores com cerca de 40 anos.
Para que um trabalhador decida se sindicalizar é fundamental que se sinta conectado ao sindicato e veja valor em sua atuação e, com o jovem, não é diferente. O que cabe considerar é quais são as características que marcam as atuais novas gerações que chegam para ingressar no mundo do trabalho remunerado. As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais definem a visão de mundo e as novas gerações desenvolvem abordagens existenciais e de modo de vida que se diferem das gerações anteriores.
O desenvolvimento da relação com o sindicato passa pela presença constante e significativa dos dirigentes no ambiente de trabalho, pela apresentação dos benefícios que a filiação pode proporcionar e pela demonstração do impacto positivo que o sindicato pode ter nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores. Quando um sindicato é percebido como ativo e eficaz, capaz de melhorar salários, defender direitos e cuidar das condições de trabalho, ele se torna mais atrativo também para os jovens, que buscam suporte e segurança em suas trajetórias profissionais.
O sindicato também tem o desafio de se apresentar como um espaço de encontro, de acesso e de promoção de atividades culturais e recreativas, de lazer, de momentos lúdicos, com sessões de cinema, teatro, atividades de literatura e de música, com atividades esportivas, entre outras possibilidades. Nesses espaços e momentos as pessoas se conhecem, relacionam-se, criam identidades e confiança.
Segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho, jovem é a população na faixa etária de 15 a 24 anos. As políticas públicas no Brasil consideram juventude a população na faixa etária de 15 a 29 anos. É longa a extensão da faixa etária da juventude, compreendendo a possibilidade de identificar-se vários recortes que estarão associados a outras características como a inserção educacional, a formação profissional acumulada, a experiência em curso ou vivida de transição escola – trabalho, a necessidade ou urgência de um emprego e de renda etc. E a sua situação econômica, suas carências e necessidades, suas expectativas com o presente e o futuro.
A juventude é uma diversidade complexa de vivências, é um período de arriscar-se, de colocar-se no e para o mundo, de conquistar autonomia, de estabelecer relacionamentos. Vencer o desafio de agregar-se, relacionar-se, posicionar-se, estabelecer metas, tomar iniciativa, ser recebido e incluído. A juventude irrompe suas demandas, seus anseios, seus sonhos e esperanças e é com elas que o sindicato deve saber trabalhar.
Chegar ao mundo do trabalho é vencer barreiras que estão associadas à educação formal recebida, à qualificação profissional, à origem de classe, de gênero, de raça. Chegar para a procura do primeiro emprego em um mercado de trabalho aquecido é uma coisa, outra é chegar com o desemprego bombando. Procurar o primeiro emprego, ser demitido ou pedir demissão pela primeira vez gera expectativas, ansiedade e causa insegurança, algumas das questões que afligem os jovens.
A dificuldade em sindicalizar os jovens sempre esteve relacionada ao menor tempo de vida laboral, à experiência de ingresso no mundo do trabalho, à falta de experiência e de cultura da ação coletiva e do seu valor. Além disso, muitos dos direitos trabalhistas e sociais conquistados ao longo das décadas acabam sendo vistos como “naturais” pelas novas gerações, que não vivenciaram a luta histórica que os garantiu. Nesse contexto, a formação e a comunicação sindical têm o papel de revelar a origem desses direitos e reforçar a importância de preservá-los e expandi-los.
Além do contexto histórico e de acesso à informação, há outros fatores que desmotivam a sindicalização entre os jovens. A crescente flexibilização do trabalho, com o aumento de contratos temporários e empregos informais, a alta rotatividade e a precariedade das condições laborais, dificultam a sindicalização de todos os trabalhadores. Muitos jovens são empregados em setores menos organizados sindicalmente, como serviços, comércio e trabalho informal, onde a rotatividade é alta e os direitos são mais frágeis. O medo da demissão e a insegurança podem afastá-los, mas de outro lado, seu ímpeto para enfrentar desafios e querer mudanças, podem atraí-los.
O trabalho em plataformas digitais, que cresceu enormemente entre os jovens, apresenta um obstáculo significativo para o sindicalismo. Muitos desses trabalhadores, como motoristas e entregadores, atuam sem vínculo formal e enfrentam dificuldades para se organizarem, devido à dispersão geográfica e ao isolamento característico desse modelo de trabalho. A OCDE destaca que o aumento do trabalho não padronizado representa um desafio adicional, pois esses trabalhadores têm menor probabilidade de serem sindicalizados do que os trabalhadores assalariados clássicos.
A percepção dos jovens em relação aos sindicatos é mista, embora de acordo com a OCDE, em 23 de 32 países analisados, a confiança dos jovens em sindicatos é superior à dos trabalhadores mais velhos, porém muitos ainda veem as entidades sindicais como distantes ou antiquadas. Ou seja, reconhecem a importância dos sindicatos, mas não se sentem representados.
É comum que os jovens valorizem a liberdade individual e a flexibilidade, o que às vezes entra em conflito com a visão dominante do sindicalismo, que enfatiza o coletivo e as ações coordenadas. Mesmo assim, os jovens demonstram interesse em participar de ações coletivas, como manifestações e arrecadações para causas sociais, o que aponta para uma base potencial para engajamento. É fundamental compreender que são muitas as portas de entrada para a vida sindical e a maior parte delas está relacionada às múltiplas atividades e oportunidades oferecidas em termos culturais, esportivos, de lazer e de espaços de encontro.
A literatura sobre a participação da juventude no movimento sindical destaca uma série de desafios e tendências que refletem a complexidade do mercado de trabalho atual e as mudanças nas expectativas dos jovens.
Uma parte da juventude vê os sindicatos como instituições distantes ou desconectadas das realidades e desafios do mercado de trabalho moderno. A literatura aponta que, para muitos jovens, a linguagem e as estratégias sindicais tradicionais parecem pouco atrativas e inadequadas para lidar com os novos tipos de trabalho, como o digital e o por plataformas. Esse descompasso entre expectativas e abordagem sindical é um dos principais motivos da baixa adesão. Por isso, é importante atuar em espaços educacionais para esclarecer e fomentar a sindicalização, especialmente para os jovens que estão ingressando no mercado de trabalho e desconhecem as alternativas de organização coletiva. É preciso compreender que é necessário construir uma forma específica de informar e formar os jovens. Esta precisa ser dinâmica, participativa, divertida e interativa. Outra atuação importante é oferecer um bom serviço de intermediação para o emprego, inclusive com apoio em termos de orientação profissional.
Pesquisas indicam que os jovens tendem a preferir formas de mobilização mais flexíveis e descentralizadas, como movimentos sociais e ativismo digital. Eles demonstram um alto grau de engajamento em causas sociais, ambientais e de direitos civis, o que sugere uma disposição para a ação coletiva, mas em formatos que diferem do sindicalismo clássico. Neste caso, a inserção dos sindicatos em movimentos diversos, culturais, sociais e políticos, abre a possibilidade de conexão entre a diversidade de processos sociais que se conectam também com a vida sindical.
A literatura destaca que existe um certo paradoxo pois, enquanto os jovens valorizam a liberdade e autonomia no ambiente de trabalho, muitos também reconhecem a importância do apoio coletivo. Pesquisas mostram que os jovens atualmente têm uma percepção de individualismo maior do que os jovens de gerações anteriores, mas ao mesmo tempo são inclinados a apoiar movimentos de justiça social e igualdade, o que pode ser uma base potencial para a sindicalização, desde que os sindicatos ajustem suas abordagens. Nesse mundo que fortalece o individualismo, cabe ao sindicato oferecer possibilidades múltiplas de encontros e ações conjuntas e coletivas oportunizadas pelas atividades culturais, recreativas, esportivas, comunitárias e de solidariedade.
Estudos sugerem que os jovens se sentem mais atraídos por sindicatos que promovem a inclusão e a diversidade e que adotam uma postura progressista em questões de justiça social. Os sindicatos que integram pautas econômicas e sociais e oferecem um espaço de acolhimento para minorias têm mais sucesso em atrair jovens, que desejam ver representadas suas preocupações com temas como igualdade de gênero, antirracismo e direitos LGBTQIAPN+.
A expansão do trabalho em plataformas, como transporte e entrega, traz novos desafios para o sindicalismo, pois esses trabalhadores muitas vezes não possuem vínculo empregatício formal e estão dispersos geograficamente. A literatura enfatiza que é necessário inovar nos modelos de organização sindical para alcançar esses trabalhadores, considerando que muitos deles são jovens que enfrentam um ambiente de trabalho isolado e precário. A oferta de serviços como assessoria jurídica, oportunidades de qualificação, orientação profissional e assistência saúde pode atrair os jovens que enfrentam condições de trabalho precárias. Abrir os sindicatos para trabalhadores autônomos e temporários, oferecendo serviços que os ajudem a se organizar, realizar manutenções e negociações com empresas plataformizadas, é uma estratégia importante para também alcançar um público jovem.
Os sindicatos que utilizam comunicação digital, como redes sociais e plataformas online, têm mais sucesso em alcançar jovens. A digitalização das atividades sindicais, incluindo campanhas, assembleias virtuais e canais de suporte online, pode criar um ambiente mais atraente e acessível para os jovens, facilitando o engajamento e a compreensão do papel dos sindicatos e desenvolvendo uma comunicação direta e transparente sobre os benefícios da filiação sindical.
Embora muitos jovens ainda vejam os sindicatos como pouco atrativos, existe confiança nas organizações sindicais, o que representa um potencial para engajá-los no movimento sindical, desde que este adote estratégias que se alinhem com suas demandas e expectativas.
A literatura destaca que, embora a sindicalização entre jovens enfrente desafios significativos, há um potencial inexplorado. Orientar o sindicalismo para responder às preocupações específicas dos jovens, oferecer um ambiente inclusivo e diversificado, e investir em formas inovadoras de comunicação e organização podem ser estratégias eficazes para revitalizar o movimento sindical e envolver uma nova geração de trabalhadores.
A sindicalização dos jovens é um desafio para o movimento sindical global. No entanto, as demandas dos jovens por segurança, dignidade e condições de trabalho justas são similares às dos trabalhadores de gerações anteriores, mesmo que as formas de engajamento sejam diferentes. Um sindicalismo que se adapte às necessidades e às perspectivas da juventude poderá renovar suas bases e fortalecer sua representatividade.
Os sindicatos têm a responsabilidade de construir um futuro que ofereça oportunidades justas para os jovens e promova uma cultura de solidariedade e apoio mútuo. Diante das pressões por maior individualismo e flexibilização crescente das relações de trabalho, é crucial que o movimento sindical se aproxime dos jovens para demonstrar que a união e a ação coletiva são as melhores ferramentas para a defesa e conquista de direitos.
[1] OCDE (2019), “Negotiating Our Way Up: Collective Bargaining in a Changing World of Work”, OECD Publishing, Paris, disponível aqui.
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Por que os jovens se distanciaram dos sindicatos? Artigo de Clemente Ganz Lúcio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU