18 Agosto 2023
"No cântico dessa jovem mulher devemos saber escutar o canto de todas as mulheres sem nome, das mulheres que ninguém recorda, as mulheres que se consideram inúteis se não forem propriedade de um homem, que são humilhadas pela sua escolha materna, que são entregues a uma vida de segunda escolha – ou mesmo nenhuma escolha – que a economia mundial mantém firmemente refém. Sim, hoje é também a festa da assunção das mulheres, violadas e desgastadas, feridas na dignidade da sua condição e humilhadas em seu cuidado da geração".
O artigo é do cardeal italiano Matteo Maria Zuppi, arcebispo de Bolonha e presidente da Conferência Episcopal Italiana, publicado por Avvenire, 14-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A festa da assunção de Maria ao céu ajuda-nos, com a doçura de nos dirigirmos a uma mãe, a erguer o olhar e a olhar para o céu. Às vezes, isso nos causa espanto, vertigem: relativiza a ditadura do nosso eu, acostumado a virar tudo para si. Se não olhamos para o céu não compreendemos a terra e fazendo isso - nunca se deixa de aprender a contemplar o mistério - nos ajuda a ver o dom que é cada pessoa. A Assunção de Maria é o seu nascimento no céu. É a Páscoa de Maria, depois daquela de seu Filho. A morte é o nascimento para a vida do céu, filhos em seu Filho que veio do céu para "nos levar" para o céu com ele.
Rezava a tradição que, aproximando-se o dia do fim da vida terrena da mãe de Jesus, os apóstolos espalhados pelo mundo, avisados pelos anjos, reuniram-se em torno do leito de Maria. E enquanto contavam as maravilhas da evangelização, Maria adormeceu. E Jesus veio tomá-la nos braços para levá-la consigo para o céu. No Oriente, essa cena tornou-se o ícone que descreve a festa de hoje: Maria estendida na cama com os apóstolos ao seu redor em oração e Jesus no centro que segura uma menina nos braços: é a alma de Maria, que se tornou "pequena" para o Reino, e que Jesus conduz ao seu lado para o trono. Poderíamos dizer que a festa de hoje recorda o último trecho daquela viagem que Maria iniciou logo após a saudação do anjo, como lemos no Evangelho da Festa deste ano. Hoje Maria chegou ao seu destino: a Jerusalém celeste. É a primeira criatura humana a entrar no mundo de Deus, seguindo seu Filho crucificado e ressuscitado. Traz consigo também a plenitude do seu corpo transfigurado por obra do Espírito de amor, e é uma mulher, uma mãe. A maternidade, que marcou o seu corpo por amor, entra na glória de Deus. O esplendor do vínculo materno, que o corpo conserva para sempre, enriquece de ternura e de alegria o mundo de Deus.
É a razão do Magnificat de Maria que se torna – deve se tornar – também o nosso Magnificat. Deus derruba os poderosos de seus tronos, pousando o seu olhar - para sua humilhação - justamente na humilde jovem de Nazaré. No cântico dessa jovem mulher devemos saber escutar o canto de todas as mulheres sem nome, das mulheres que ninguém recorda, as mulheres que se consideram inúteis se não forem propriedade de um homem, que são humilhadas pela sua escolha materna, que são entregues a uma vida de segunda escolha – ou mesmo nenhuma escolha – que a economia mundial mantém firmemente refém. Hoje, essas mulheres são abraçadas por mãos afetuosas e fortes que as erguem e as conduzem ao céu. Sim, hoje é também a festa da assunção das mulheres, violadas e desgastadas, feridas na dignidade da sua condição e humilhadas em seu cuidado da geração. É também a assunção de Dosso Fati e da pequena Marie, sua filha, que morreram de fome e sede no deserto. Sim, a assunção de Maria ao céu de Deus fala-nos de um corpo transfigurado que nada nem ninguém poderá mais desfigurar.
A Mãe do Senhor nos precede e todos nós, filhos de Deus e desta mãe, tenhamos ânimo. Que os jovens tomam coragem: como Maria, são os primeiros a serem convidados a elevar o olhar, a acelerar o passo - Maria "apressada" foi ter com a idosa Isabel -, a visitar os irmãos e as irmãs, vencendo as montanhas e superando os vales. Ainda tenho impresso em meus olhos a enorme extensão dos jovens em Lisboa reunidos em torno do Papa Francisco. Um movimento jovem incrível e significativo - não corporativo, mas realmente universal - que se manifestou para o mundo inteiro. Havia muitos jovens italianos. A presença do Papa Francisco confirmou a emoção e a gratidão de um sinal que surpreendeu a própria Igreja: refresca-a, reanima-a, restitui-lhe a alegria com que, como uma humilde serva, ela carrega o Senhor no seu ventre. Os jovens da JMJ sentiram a vibração dessa presença do Corpo do Senhor, e nos transmitiram a irradiação do mistério do destino cumprido desta vida para cada filho e filha que vem a este mundo.
Os jovens da JMJ, com seu andar feliz, trazem de volta o encanto em suas casas, em suas ruas, em suas cidades, em suas aldeias. Também na nossa Itália. O empenho de fazer do nosso país uma terra hospitaleira para todos, a decisão de alimentar uma fraternidade vital entre os povos, está no coração dessa novíssima geração, muito mais do que nas nossas mais adultas.
Temos que reconhecer isso. A eles cabe a tarefa e a força de inspirar um novo futuro. Eles são a nossa esperança. A sua redescoberta do insubstituível contato com os corpos vivos de tantos irmãos e irmãs, que nos dá a certeza da feliz diversidade dos indivíduos e da comum humanidade de todos, promete tornar-se imparável e irreprimível.
A “religião” da guerra – assim como qualquer guerra de religião – aparecerá cada vez mais como um transtorno mental a ser tratado. A guerra deve se tornar insuportável. O algoritmo mercantil de competição e da exclusão, que justifica os privilégios e impõe os descartes, com eles deve estar com os dias contados. Esses jovens, que quando crescerem serão solicitados a habitar o nosso país e a própria Europa, não o suportarão mais. E é saudável também para nós, adultos, dar espaço à sua audácia, ao seu desejo de um futuro mais limpo, mais fraterno, mais hospitaleiro.
A jovem Maria de Nazaré é um exemplo para todos, especialmente para os mais jovens. Sim, os jovens reunidos em Lisboa estão diante de nós: levantaram-se a tempo e partiram apressados para o futuro. Contra todas as previsões acidiosas de insuperável desorientação, tomaram a iniciativa de nos despertar para o sentido do caminho da terra que habitamos para que seja bela e habitável por todos, ninguém excluído.
A Mãe do Senhor, reconciliada para sempre com o corpo vivo que deu à luz ao Filho, certamente sorri do céu, satisfeita com o surgimento de um novo céu e de uma nova terra que vimos em Lisboa.
Levantemo-nos para ajudar os que não conseguem, os que sofrem, os que caíram ao chão ou desaparecem na imensidão do mar, os que caíram na depressão, no abismo da solidão. Assim, o céu e a terra se unem e podemos ver partes do céu na terra e partes da terra subindo ao céu.
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Com Nossa Senhora da Assunção, caminhamos para o futuro com os olhos e o coração elevados. Artigo de Matteo Zuppi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU